Juventude agressiva?

O que torna a juventude mais agressiva e transviada? Como controlar o jovem que prefere se relacionar com o outro da forma mais bruta possível? O cinema contemporâneo traz debates reflexivos sobre a constante violência que permeia o universo degradado da juventude inconseqüente. Inúmeras abordagens já procuraram desvendar e esmiuçar o retrato juvenil condicionado numa triste realidade, onde há distúrbios comportamentais, dificuldades afetivas, problemáticas que envolvem o vício das drogas e o uso imoderado de bebidas alcoólicas. O apelo sexual também é um destaque dentro desse panorama. Eis que a fita independente Teenage Angst — que teve um discreto lançamento nos cinemas, mas surpreendentemente é bastante procurado em sites de filmes cults — nos possibilita mais um contato com esses sensos ao questionar as perspectivas e adoções do caráter delinqüente de um universo estudantil privado e de elite na Alemanha. O filme tem uma leve aproximação com  “A Classe” de Ilmaar Raag e “Elefante” de Gus Van Sant, pois sustenta a escalada de baderna juvenil, da visão dolorosa de vítimas de abusos e torturas por conta de outros da mesma classe social.

A produção aqui centraliza sua discussão em quatro jovens que promovem reuniões fora das aulas para jogar, estimular o vício pela bebida e entorpecentes, além da busca por sexo. A grande polêmica adotada pelo cineasta Thomas Stuber é destacar como é perceptível, cada vez mais, a relação destrutiva e transviada das relações juvenis. Não é para tanto que seu objetivo filme — são apenas 64 minutos — se sustente nessa zona de conflito e tensão de quatro jovens que, numa aspiral de violência conseqüente de jogos e provocações que vão desde torturas físicas a psicológicas, acabam por revelar-se exímios aristocratas alemães no limiar da desestruturação moral, criminal e prestes a entrar num sentido de marginalização.  O roteiro de Holger Jäckle e Andrea Kuhn faz com que o público perceba que, sob a aparente rigorosa instituição escolar, existe um local perverso e imoral.

Thomas Stuber imerge no cotidiano desses estudantes. Vemos eles fora da escola, reunidos para beber e promover uma estranha relação de poder onde os mais veteranos procuram subjugar os novatos numa rede de humilhações constantes. Logo no começo do filme, conhecemos o jovem Leibnitz (Janusz Kocaj) que é o que mais sofre com esse sentido. Ao fazer parte do grupo, inicialmente acolhido com êxtase, percebe que existe um estranho condicionamento ali. Teria que se submeter à tortura pelos outros garotos, numa espécie de “bullying”, onde constantemente é alvo de ofensas e agressões verbais. As lentes de Stuber não tem receio em mostrar essa intimidade dos garotos e explora bem o sentido de vergonha que Leibnitz sente, ainda que não tenha coragem de enfrentar ou mesmo se desligar do grupo. Ele fica próximo de Konstantin (Franz Dinda) por quem mantém uma sensível afinidade e amizade.

O roteiro não se intimida e vai mais além na provocação quando os coloca num ato mais cruel, o estupro sexual. Numa noite pós-consumo de drogas e bebidas, os jovens flertam com uma garota que os esnoba, é o motivo perfeito para promoção de mais violência deliberativa. A seqüência é pontuada com tensão e desespero, mas não há um tom vulgar, ainda que só por promover a concepção de estupro seja algo que sensibiliza facilmente o público. A cena é bem dirigida e mostra os jovens, em particular os dois mais veteranos, tentando dominar a jovem que se aflige. Leibnitz e Konstantin, a partir daí, passam a perceber que por trás dessas constantes violências descabidas existem também situações mais preocupantes, é quando percebem que se permitiram viver e relacionar-se com indivíduos problemáticos e com sérios distúrbios psicológicos. O grande trunfo do filme é destacar o contato desses dois indivíduos, certos diálogos, que reforçam a atmosfera intimista da trama.

A ideia de trazer à tona a discussão da violência juvenil é parte da percepção de olhar crítico quanto a esse senso atual. Ainda que a proposta traga essa discussão, peca pelo pouco tempo de duração e o roteiro é frágil, pois não sustenta um aprofundamento melhor quanto às motivações agressivas dos jovens, nem mesmo da relação reflexiva de Leibnitz e Konstantin — por sinal, o pôster de divulgação do filme passa uma mensagem errônea quanto à temática do filme. Não existe um contexto homossexual ou homoerótico, ainda que haja uma sutileza quanto à afetividade e amizade dos dois garotos. Mas, por ser distribuído pela Picture This!, distribuidora de filmes de conteúdo gay, a divulgação procurou obter o público deste universo.  Por isso, muitos acreditam que trata-se de uma obra de apelo homossexual, contudo a proposta aqui é mais generalizada e não se restringe a um romance ou mesmo algo mais sexualizado. Ainda assim, as cenas geram desconforto pelo tom denso da violência. E o final preciptado, um tanto inconclusivo, acaba por prejudicar a apreciação da fita. Apesar disso, é interessante conferir pelo alerta que concebe em relação à juventude deliberadamente imatura e inconseqüente.


Teenage Angst (Alemanha, 2008)
Direção de Thomas Stuber
Roteiro de Holger Jäckle e Andrea Kuhn
Com Franz Dinda, Niklas Kohrt, Janusz Kocaj

10 opinaram | apimente também!:

Kamila disse...

Não conhecia esse longa ainda, mas ele parece ser um filme muito interessante. Teu texto tá ótimo, como sempre!

renatocinema disse...

Texto instigante sobre esse filme, que não conhecia. Adorei a citação real do mundo moderno em que diz: "a relação destrutiva e transviada das relações juvenis".


Irei baixar o filme e tentarei assistir o mais rápido possível. Por trabalhar em escola e estar estudando licenciatura me identifico muito com esse universo escolar.


Bela dica. Parabéns pelo texto.


Abraços

www.renatocinema.blogspot.com

Ccine disse...

Não conheço o filme e depois de ler o seu texto não senti nenhum vontade de procura-lo para conferir. rs.
Mas como sempre sua visão é incrível sobre o filme. Parabéns!

Anônimo disse...

Em um dos slides do banner no final do post, mostra um dos garotos deitado sobre o peito descamisado de outro.Se isso não é homoerótico eu não sei o que é.

Flávio Junio disse...

Belo texto Cris. Bom , não sou muito fã de filmes como Elefante ou Kids , mas dependendo do contexto me chama bastante a atenção.

Júlio Pereira disse...

Não tinha ouvido falar nesse filme, e não tenho interesse em vê-lo. Digo isso não só pelo seu texto pouco amistoso, mas também ao fato de, no início do mesmo, pensar que fosse um filme discutindo a violência escolar, sendo que, no fim, você diz que vai pra outro rumo. Dito isso, sou fã de filmes com temáticas escolares e que abordam o universo jovem com sensibilidade - vide o próprio Elefante, que você citou.

Fábio Henrique Carmo disse...

Pelo seu texto (ótimo), parece haver também uma relação desse filme com "Laranja Mecânica". Não fiquei muito interessado, pois não estou muito em fase de filmes "mundo-cão", mas pode ficar como dica para o futuro. Grande abraço, Cristiano!

Edson Cacimiro disse...

Já coloquei este na minha lista, abç.

Anônimo disse...

Não gostei muito do filme, a partir do seu texto. Esse tema me deixa muito perplexa e de certa forma com raiva de como a máquina da sociedade transformou os jovens de hoje. Já transformava desde muito tempo mas isso é algo que eu não gosto de ver mesmo em filmes. rsrs..
=1

Unknown disse...

Olá, colega! Acabei de adicionar o seu link no meu blog... se puder fazer o mesmo com o meu, eu agradeço. Blogueiros, uni-vos!!!
abraço e parabéns pelo blog.
www.366filmesdeaz.blogspot.com.br

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