Como entender o que se passa numa mente de um assassino? Abordar questões que torna lúcido a condição da psicopatia é sempre algo que deve ter cuidado. Ainda mais se há o traço da sexualidade submersa nesse condicionamento proposto. Pouco conhecido do grande público, este trabalho dirigido por Richard Fleischer exerce a função de lidar com duas provocantes problemáticas. Primeiramente, baseia-se no polêmico caso que ocorreu por volta da década de 1920, quando dois estudantes de uma importante universidade de Chicago assassinaram um garoto de 14 anos de idade, sendo sentenciados à prisão perpétua. O caso conhecido como Leopold e Loeb tornou-se evidente na época por trazer à tona a questão de duas figuras juvenis dotadas de dinheiro, no berço da sociedade civilizada, que por trás das máscaras de exímios estudiosos, eram na realidade dois dissimulados indivíduos com instabilidades emocionais e prováveis problemas psicológicos. O segundo olhar do filme sustenta-se nos indícios de uma relação homossexual entre os dois, gerando maior controversa na situação macabra que foi massificada pelo espetáculo da mídia. A produção de 1959 é adaptada do livro best-seller do repórter Meyer Levin e trouxe os então galãs Dean Stockwell e Bradford Dillman personificando os calculistas e ricos estudantes de Direito — aqui com os nomes trocados para Judd Steiner e Arthur Strauss.
Aproximando-se de filmes já inspirados no famoso caso como Rope de Alfred Hitchcock, e semelhante à estrutura afirmativa do senso de "assassinos homossexuais condenados" representada em A Sangue Frio de Richard Brooks que avaliou o livro de Truman Capote, Estranha Compulsão consegue construir bem as noções psicológicas e o debate moral acerca do sistema de punição diante do fato notório que visivelmente gera desconforto no público. Sobretudo por trazer um realismo conforme a problemática é exposta. Interessante a maneira como abre o filme na fuga de Judd e Arthur, não deixando visível o ato do crime propriamente, mas sim a intenção obscura que ocorre por trás disso — "o crime perfeito" é anunciado por um dos dois, numa aparente frieza comportamental, incitando assim o aspecto de crime planejado. O público percebe também logo de cara a cumplicidade, a amizade e uma intimidade de mórbido prazer por trás da relação de diálogos trocados pelos dois. Sem ser melodramático, recorrendo a uma certa urgência no que tange à descoberta do tal crime fundamentado pelos dois, Richard Fleischer usa de uma direção que exerce a função de investigar o que há por trás da mente desses dois jovens — a câmera sempre próxima das faces de Stockwell e Dillman, angulações inusitadas, como no intuito de torna-se cúmplice de seus atos, anseios e pensamentos.
É aí que se explora, ainda que de acordo com os padrões sutis de um roteiro rigorosamente submetido aos padrões dos Códigos morais hollywoodianos, o sentido de uma possível relação homossexual entre os dois. Nota-se o apelo afetivo e o estímulo de uma atração delicada de Judd com Artie. Tais insinuações ficam nítidas na forma como o roteiro deixa transparente que os garotos não mantêm o interesse em viver próximos de garotas, não buscam outras amizades e vivem imersos numa devoção mútua, uma espécie de fidelidade exclusiva.
Em relação a esse ponto de discussão da homossexualidade, o filme é sempre sutil, mas coloca tais indagações quando o irmão de Judd o confronta sobre sua opção de não ter nenhuma namorada ou mesmo a predisposição, tão comum no universo da juventude masculina, de ter encontros deste porte. Dean Stockwell humaniza e pede sensibilidade do público através do lado mais emotivo e sensível de seu Judd, em contrapartida Bradford Dillman quase recorre à caricatura como a bela representação de um assassino frio e que acha que sua inteligência há de ser suprema perante a todos. Composição de ambos excelentes dos atores, ainda que seus personagens soem no geral antipáticos e arrogantes.
Em termos de estrutura narrativa, não há complexidade, Estranha Compulsão basicamente permite às questões de como o crime ocorreu, explorando um pouco da intimidade dos assassinos, para posteriormente conceber as tais consequências aos dois jovens que culminam em extensas cenas de tribunal. Não obstante, não torna a narrativa cansativa, pois o roteiro de Richard Murphy consegue sintetizar o contorno do julgamento de maneira objetiva — na realidade, o processo da sentença foi longa e chamado de "julgamento do século", tendo no último dia mais de doze horas para ser finalizado.
Potencializando mais o elemento dramático, entra na segunda metade de projeção narrativa um Orson Welles contido e melancólico no papel do advogado de defesa que vai travar o discurso reflexivo sobre o sistema de punição — inclusive, há um provocante e denso monólogo quando este expõe sua visão sobre a pena de morte, a condução da humanidade que há de manter ou não um olhar de compaixão quanto à criminalidade, concebendo assim um interessante debate sobre a necessidade de se compreender mais a fundo a condição de atirar um humano — sendo ele tido como "insano" ou consciente — à forca. A atuação de Welles é bastante forte, gera impacto e torna a apreciação do filme ainda mais proveitosa. O único demérito é que o filme poderia ter sido mais sádico no que diz respeito à personalidade dos assassinos e também na exploração da caracterização homossexual. Porém, é um fundamental trabalho de singela reflexão.
Compulsion (EUA, 1959)
Direção de Richard Fleischer
Roteiro de Meyer Levin, Richard Murphy
Com Dean Stockwell, Bradford Dillman, Orson Welles