Parente é serpente?

O que terá acontecido a Baby Jane? é puro medo. O filme de 1962 foca na trajetória de duas irmãs: Jane Hudson, veterana atriz que alcançou estrelato ainda criança e que vive numa decadente casa de Hollywood, em compania de Blanche Hudson, ex-rainha do cinema dos anos 30 que, após um trágico acidente misterioso na juventude, permanece presa a uma cadeira de rodas. Bette Davis é Jane, Joan Crawford é Blanche: o duelo da mais pura perfeição interpretativa. Eis a psicose: Baby Jane jamais se livra das lembranças do passado de sucesso e, amplamente conturbada e com certo apreço pela dissimulação, inferniza a vida da irmã. As duas têm uma relação de ódio, inveja e muito rancor violento. O tempo todo o clima é provocado por discussões, um forte teor de horror psicológico. Jane é mal-amada, alcoólatra e extremamente ácida-irônica: manipula com maldade o cotidiano limitado da inimiga-rival Blanche, esta tem que se submeter às perversidades constantes da psicótica irmã. Parente é serpente. Não existe pior vilã que Jane: ela é responsável pelas maiores atrocidades, atos insanos e ações descabidas de ruindade. Amarra a irmã, tira-lhe o direito de receber visitas, a trancafia dentro do quarto e ainda provoca com frases feitas de muito ódio ironizado. Jane sofre de delírios, totalmente nostálgica e não consegue se livrar do estigma do passado: em função disso, transfigura-se dentro do mundo ilusório de lembranças.

Há morbidez maior que estar aprisionada ao passado? Seu rancor é misturado a inveja que nutre pela irmã. Blanche vive no perigoso jogo de gato e rato: tem medo de morrer envenenada, vive em estado de alerta diante das ofensas, tem o destino nas mãos escabrosas de Jane. Os diálogos fortes, as situações de tensão incondicional e o duelo de titãs: Davis devora Crawford e vive-versa.

A direção de Robert Aldrich cria a tensa claustrofobia dentro do casarão: as irmãs revelam terríveis sentimentos, pensamentos e há certas cenas que assustam. A mansão melancólica que coabitam é o cenário para uma rotina de abuso mútuos, mentiras e a decadência feminina de ambas – Jane, uma grotesca caricatura de sua antiga imagem, lentamente torturando Blanche – e também um ótimo símbolo para o sentimento de sufoco. Há ainda um estudo sobre rivalidades, inveja e motivações de rancores/culpa mal resolvidos.

É delicioso vivenciar Davis e Crawford se engalfinharem na dramaticidade interpretativa, é a personificação da insanidade versus a paixão: pois, obviamente, há certo prazer de Jane em conduzir os jogos sinistros com a irmã. Seria uma doença ou pura inveja? Ou teria algo muito mais segredado entre as duas? É impactante sentir a vulnerabilidade, desequilíbrio e, inegavelmente, a humanização contextualizada das personagens. O filme também brinca com a dualidade da mocinha versus a malvada. A animosidade de uma com a outra é feroz e também o charme deste filme sobre amargura e rivalidade em Hollywood. O roteirista acerta na fusão do noir com humor negro. O prazer cruel proporcionado pela película advém de observar duas deusas da tela trocando farpas e veneno. É esteticamente imbatível, perturbador e perversamente uma obra-prima clássica. Momento preferido: Bette servindo um rato cozido para Joan no jantar.

25 opinaram | apimente também!:

Paulo Alt disse...

Ah, teria sim muito mais segredado entre as duas! haha

Cris,

Parabéns por trazer essa obra-prima pro Apimentário, desse não vai ser difícil pra eu comentar.

Poxa, eu assisti! Ah, esse eu posso dizer: assisti! E meu momento preferido é quando ela dança sobre a areia com os sorvetes na mão enquanto toda a multidão assiste. Perfeito! Mas não sispenso também a boa ironia, até que você disse sobre, quando ela diz que é uma pena mesmo ela não ter querido comer a comida, "quanta neurose!", pq não tinha nada na outra, rs.

Você caracterizou elas certinho, em cada palavra e detalhe da relação doentia que você fica ai bolando quando tá no teclado haha. Assisti por sugestão do blog do rodrigo e por você ter dito que ainda postaria sobre ele [eu lembro, rs]. Então... corri atrás na época que meu computador ainda tinha espaço pra alguma coisa. E de verdade não me arrependi, é um que ainda quero comprar. Existe em dvd? Não me lembro de ter visto.

Nice picture ~~
Abraço meu Amigo ^^

... disse...

Ótimo resgate! Gostei do blog! Abraço!

Hugo disse...

Este é um clássico que ainda não assisti.
Além das dusa grandes divas, tem o competente Robert Aldrich que fez clássicos como "Os Doze Condenados" e a versão original do "Vôo da Fenix".

Abraço

História é Pop! disse...

Nassaaaaaaaaaaaa, ADOROOOO esse filme Cristiano, tensão pura e na dose certa com Davis e Crawford que estão magníficas. Literalmente um clássico e um filme inspirador! Nota 10 para roteiro, maquiagem, figurino, fotografia, direção, etc..
Mas para as duas primeiras damas do cinema, não nos é possível, meros mortais, dar-lhes qualquer nota. Quanto sofrimento real, quanta dor nos olhos de Joan, na pela de Blanche Hudson! E a Davis então, enquanto Baby Jane, simplesmente perfeita.

Serginho Tavares disse...

um dos meu filmes preferidos
disse tudo neste texto
duas soberbas atrizes que nem era amigas na vida real
e o momento preferido entrou pra história como um dos mais célebres

Jenson J, disse...

Sou louco para ver essa fita, e tentarei o mais rapido possivel.

Rodrigo Mendes disse...

Oi,

AMO este FILME!

Não vou me meter a besta de responder suas questões porque senão perde a graça pra quem nao assistiu. Além do que é charme seu apimentar essas questões deliciosas.

Um cult discursivo e impecável. O que mais posso dizer?

A cena que não esqueço é da Davis dançando para o Buono. rs! Sem medo de parecer ridícula.

Abs!

R.I.P. DIVAS Davis-Crawford

André Noronha disse...

pela primeira vez não leio sexo por aqui... hm... não tá inspirado? :P
parece um filme bizarramente intrigante. um dia eu vejo.

Danilo Ator disse...

Bette Davis era magnífica ao extremo do termo. Sua Baby Jane é grotesca e exagerada, mas este exagero é calculado; ela tinha o que se chama no meio, uma atuação inteligente, ou seja, não apenas o grande talento (era uma virtuosa), mas sabia exatamente o que fazer com cada intenção do personagem. Considero esta uma das maiores, senão a maior, de suas atuações. Cena que me deixa de queixo caído cada vez que revejo o filme: Ela, ainda em devaneios, se deparando com um espelho e enxergando a dura realidade de sua condição; ela nega a imagem que vê; é incrível. Joan Crawford também merece toda consideração pelo trabalho aqui. Um dos meus filmes preferidos.

JRonson disse...

Bem obrigado obrigado :) sabe sempre bem ouvir isso.

Realmente, agora que li isso fiqei com vontade de ver o filme (confesso que nunca vi :b) já tá na minha listaaa !

Leonardo disse...

Muito obrigado Cristiano, devo dizer que fiquei muito contente com a apreciação do blogue :3

já agora aproveito também para revelar que este blog também me está a suscitar curiosidade, de maneira que me vou tornar visitante habitual :)

Cumprimentos

Rafael Carvalho disse...

Nossa, sempre quis ver esse filme. Acho que do ALdrich eu só vi Os 12 Condenados, bo filme, mas nada demais.

LuEs disse...

Como eu queria vir comentar e dizer "eu adoro esse filme". Ou "eu detesto esse filme".
Infelizmente, ainda não o vi, logo não tenho uma opinião sobre ele. Mas já vi pequenos trechos de cenas dessa obra e realmente me parece magnífica. Mesmo que eu nem sequer tivesse ouvido falar a respeito desse filme antes, bastaria essa resenha para que quisesse vê-la.

Decerto, essa é uma das resenhas mais intensas que você já escreveu por aqui. Parabéns mesmo.

Guto Angélico disse...

Que irmã cruel viu! Gostei da critica!

Ciro Hamen disse...

Ainda não vi este filme. Quero muito ver. Ainda mais depois dessa crítica.

Abraços!

A Torre Mágica | Pedro Antônio de Oliveira disse...

Muito obrigado, Cristiano.

Fico sempre muito feliz com sua visita.

O seu blog é perfeito! Texto rico em informações... e você bastante popular. O ibope por aqui é alto. (rsrs)

Abração. Te espero de novo por lá.

Pedro Antônio

Clenio disse...

Cristiano, esse filme é um marco... Bette Davis - pra mim a maior atriz que já existiu - está grotescamente sublime, patética e paradoxalmente grandiosa.
Adoro as cenas em que ela canta "I wrote a letter to Daddy..." É engraçado, mas é tocante.
Parabéns pelo blog.
Grande abraço

Mateus Souza disse...

Uma das grandes lendas do cinema é que as duas protagonistas desse filme viviam, de verdade, uma péssima relação, eram inimigas mesmo, chegando Davis a bater de verdade em Crawford numa cena do filme. E Crawford colocou pesos em seus bolsos quando a colega precisava carregá-la em cena.

Enfim, lendas e lendas. Escreverei sobre outras lendas em meu blog.

Abraço.
Cinema para Desocupados

Ygor Moretti disse...

Vou confessar que não conheço o filme mas gostei da história me fez lembrar Persona do Bergman.

Abraço!!

Naty Araújo disse...

Obrigada, Cristiano...
Me senti lisonjeada com tuas palavras.

Estou seguindo seu blog também.
Ahhh, nunca assisti esse filme, agora fiquei super curiosa pra assistir.

Abraço.

--- disse...

Esse filme é um clássico. Fantástico e extremamente marcante e como você disse, impactante com suas personagens e atuações primorosas. Falando sobre a decadência da relação entre duas irmãs e de uma própria familia. Tratando a inveja,o ódio, a obsessão doentia de forma primorosa.

otima crítica.

Juliana Góis disse...

Putz, fiquei assustada quando vi pela primeira (e única vez) esse filme.Mas é ótimo ver duas atrizes de porte juntas na tela, mesmo o filme sendo meio tedioso.Preciso rever.

Cristiane Costa disse...

Oi Cristiano, tudo bem?
Você tocou em um ponto chave sobre a questão de viver no passado se amargurando no presente. O passado pode devorar a pessoa e a vomitar em forma de monstro. É o que acontece com Jane e, penso que um dos pontos altos do filme é a transfiguração do rosto dela. Ela é a própria maldade deformando seu rosto.
bjs!

Luciano disse...

Grande obra-prima. Não é incrível como o humor negro é absolutamente delicioso, e isso sem que a tensão diminua nenhum pouco? Show de interpretações, roteiro, direção... Enfim, perfeito. Adoro filmes sobre stalker, e esse é um dos top sobre o tema (se é que dá pra chamar a relação das duas de stalking). Ah, gostaria muito de ver uma análise sua de O Bebê de Rosemary aqui no blog, um dos meus filmes favoritos. Se for possível, é claro...

Santiago. disse...

Não há como negar que esse é um dos grandes momentos da sétima arte. Melhor dizendo, um dos grandes e únicos momentos, por unir duas grandes atrizes que não se davam muito bem na vida real, numa história extremamente tensa e hóstil.

Tanto é que a ideia do Aldrich em reuní-las novamente em "Hush... Hush, Sweet Charlotte" não frutificou. No mais, o momento que mais gosto é quando a Jane canta "I've written a letter to Daddy". Nessa cena, a Bette Davis mostra porque era uma grande estrela.

Abraço!

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