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Criminais maliciosos


Como entender o que se passa numa mente de um assassino? Abordar questões que torna lúcido a condição da psicopatia é sempre algo que deve ter cuidado. Ainda mais se há o traço da sexualidade submersa nesse condicionamento proposto. Pouco conhecido do grande público, este trabalho dirigido por Richard Fleischer exerce a função de lidar com duas provocantes problemáticas. Primeiramente, baseia-se no polêmico caso que ocorreu por volta da década de 1920, quando dois estudantes de uma importante universidade de Chicago assassinaram um garoto de 14 anos de idade, sendo sentenciados à prisão perpétua. O caso conhecido como Leopold e Loeb tornou-se evidente na época por trazer à tona a questão de duas figuras juvenis dotadas de dinheiro, no berço da sociedade civilizada, que por trás das máscaras de exímios estudiosos, eram na realidade dois dissimulados indivíduos com instabilidades emocionais e prováveis problemas psicológicos. O segundo olhar do filme sustenta-se nos indícios de uma relação homossexual entre os dois, gerando maior controversa na situação macabra que foi massificada pelo espetáculo da mídia. A produção de 1959 é adaptada do livro best-seller do repórter Meyer Levin e trouxe os então galãs Dean Stockwell e Bradford Dillman personificando os calculistas e ricos estudantes de Direito — aqui com os nomes trocados para Judd Steiner e Arthur Strauss. 

Aproximando-se de filmes já inspirados no famoso caso como Rope de Alfred Hitchcock, e semelhante à estrutura afirmativa do senso de "assassinos homossexuais condenados" representada em A Sangue Frio de Richard Brooks que avaliou o livro de Truman Capote, Estranha Compulsão consegue construir bem as noções psicológicas e o debate moral acerca do sistema de punição diante do fato notório que visivelmente gera desconforto no público. Sobretudo por trazer um realismo conforme a problemática é exposta. Interessante a maneira como abre o filme na fuga de Judd e Arthur, não deixando visível o ato do crime propriamente, mas sim a intenção obscura que ocorre por trás disso — "o crime perfeito" é anunciado por um dos dois, numa aparente frieza comportamental, incitando assim o aspecto de crime planejado. O público percebe também logo de cara a cumplicidade, a amizade e uma intimidade de mórbido prazer por trás da relação de diálogos trocados pelos dois. Sem ser melodramático, recorrendo a uma certa urgência no que tange à descoberta do tal crime fundamentado pelos dois, Richard Fleischer usa de uma direção que exerce a função de investigar o que há por trás da mente desses dois jovens — a câmera sempre próxima das faces de Stockwell e Dillman, angulações inusitadas, como no intuito de torna-se cúmplice de seus atos, anseios e pensamentos. 

É aí que se explora, ainda que de acordo com os padrões sutis de um roteiro rigorosamente submetido aos padrões dos Códigos morais hollywoodianos, o sentido de uma possível relação homossexual entre os dois. Nota-se o apelo afetivo e o estímulo de uma atração delicada de Judd com Artie. Tais insinuações ficam nítidas na forma como o roteiro deixa transparente que os garotos não mantêm o interesse em viver próximos de garotas, não buscam outras amizades e vivem imersos numa devoção mútua, uma espécie de fidelidade exclusiva. 

Em relação a esse ponto de discussão da homossexualidade, o filme é sempre sutil, mas coloca tais indagações quando o irmão de Judd o confronta sobre sua opção de não ter nenhuma namorada ou mesmo a predisposição, tão comum no universo da juventude masculina, de ter encontros deste porte. Dean Stockwell humaniza e pede sensibilidade do público através do lado mais emotivo e sensível de seu Judd, em contrapartida Bradford Dillman quase recorre à caricatura como a bela representação de um assassino frio e que acha que sua inteligência há de ser suprema perante a todos. Composição de ambos excelentes dos atores, ainda que seus personagens soem no geral antipáticos e arrogantes.

Em termos de estrutura narrativa, não há complexidade, Estranha Compulsão basicamente permite às questões de como o crime ocorreu, explorando um pouco da intimidade dos assassinos, para posteriormente conceber as tais consequências aos dois jovens que culminam em extensas cenas de tribunal. Não obstante, não torna a narrativa cansativa, pois o roteiro de Richard Murphy consegue sintetizar o contorno do julgamento de maneira objetiva — na realidade, o processo da sentença foi longa e chamado de "julgamento do século", tendo no último dia mais de doze horas para ser finalizado. 

Potencializando mais o elemento dramático, entra na segunda metade de projeção narrativa um Orson Welles contido e melancólico no papel do advogado de defesa que vai travar o discurso reflexivo sobre o sistema de punição — inclusive, há um provocante e denso monólogo quando este expõe sua visão sobre a pena de morte, a condução da humanidade que há de manter ou não um olhar de compaixão quanto à criminalidade, concebendo assim um interessante debate sobre a necessidade de se compreender mais a fundo a condição de atirar um humano — sendo ele tido como "insano" ou consciente — à forca. A atuação de Welles é bastante forte, gera impacto e torna a apreciação do filme ainda mais proveitosa. O único demérito é que o filme poderia ter sido mais sádico no que diz respeito à personalidade dos assassinos e também na exploração da caracterização homossexual. Porém, é um fundamental trabalho de singela reflexão.




Compulsion (EUA, 1959)
Direção de Richard Fleischer
Roteiro de Meyer Levin, Richard Murphy
Com Dean Stockwell, Bradford Dillman, Orson Welles

Insustentável frieza humana?

Como entender um crime sem motivos aparentes? O que torna o ser humano cruel, à beira da psicose extrema? Difícil identificar a psicopatia ou mesmo enxergar o limite tênue entre a maldade e atos de crueldade. Às vezes, o que se considera visível, não deve ser acreditado — afinal, a obscuridade faz parte da teia da humanidade. Quarenta anos após o seu lançamento, o contundente A Sangue Frio ainda é um filme representativo sobre o universo de uma das piores mazelas do ser humano: a frieza de caráter. Baseado no premiado romance de Truman Capote, o filme teve o texto adaptado fielmente por Richard Brooks que soube muito bem ousar em todos os sentidos, desde os técnicos ao conceito explorado pelo delicado roteiro. A trama centraliza nos dois assassinos que cometeram um crime brutal à Família Clutter, em Kansas por volta de 1959. Richard 'Dick' Hickock (Scott Wilson) e Perry Smith (Robert Blake) mataram sem piedade e com requintes de crueldade cada membro da família. O fato tornou-se foco de toda a mídia da época, mais evidente depois quando o jornalista Capote esmiuçou cada detalhe do caso e publicou o livro contendo todos os detalhes íntimos e também psicológicos dos dois jovens. Poucos anos após o filme foi lançado, é um dos mais fieis trabalhos já realizados na história do cinema, mantendo bem todos os traços físicos ou psicológicos dos personagens por Capote.

Além de denso e detalhista no contorno dos perfis psicológicos da dupla, o tom do roteiro é ardiloso por ter a ambição de colocá-los com comportamentos mais sexualizados. Dick assume suas preferências libidinosas, o vício em envolver-se sexualmente com prostitutas e a compulsão sexual que nutre por mulheres em geral. E certos diálogos dele são dotados de doses individualizadas de malícia que transparece a leve sensualidade. Já Perry tem tendências homossexuais e o que sente é muito dúbio. E o filme deixa a entender que os dois possivelmente tiveram uma relação no período que passaram presos anteriormente — por isso Dick chama Perry de “doçura” e “benzinho”, demonstrando uma intimidade amorosa. Richard Brooks é um diretor astuto, por isso torna evidente a personalidade dúbia de cada um dos assassinos antes do crime, a intenção é desnudar as personalidades deles antes do choque do crime no ato final do filme. Os dois ex-detentos se mostram imaturos, típicos rebeldes, sem maiores perspectivas para a vida. Gostam de viver de maneira irracional e sem apreço por princípios morais. Talvez viciados no sexo, nos roubos que cometem, na bandidagem imoderada. Eis uma juventude psicótica, libertária e propensa à libertinagem?

É perceptível o cuidado de Richard Brooks em não julgar seus personagens, ainda que procure compreende-los com certas indagações expressas nas falas de um ou outro — cruelmente, Dick e Perry não demonstravam arrependimento por nada, mas há momentos que certas reflexões ditas por ambos caracterizem esse senso, claramente. O filme é denso, tem uma atmosfera carregada, envolto em cenas violentas emocionalmente ou físicas. E o texto de Capote é fielmente traçado, pois há uma humanização evidente dos dois assassinos. Por que cometeram um crime tão bárbaro? Qual razão para optar por um destino tão mórbido? O que motiva um ser agir de tal forma? Inúmeros flashbacks que reconstroem as infâncias de Dick e Perry aproximam os anti-heróis do espectador, talvez um recurso emocional do diretor, ainda que não apelativo. Ao posicionar a frieza dos assassinos que acaba por causa estranhamento e sufoco para quem assiste, Richard Brooks investe também na intimidade dos dois jovens. Há uma camaradagem evidente entre eles, inúmeras cenas que explicitam o tom afetivo de um para o outro. Estranho contraste já que psicopatas não têm sentimentos. O roteiro não procura defendê-los, mas a reflexão vai de cada um: como pessoas tão amigáveis entre si poderiam agir com tal falta de caráter?

Ousado para época, o filme tem um apuro técnico perfeito, ainda mais com uma fotografia exuberante que surpreende pelo estilo noir. Dramático, cruel e envolvente — a trama apega-se, incondicionalmente, também na química de Scott Wilson e Robert Blake, ambos no auge da beleza e juventude, que encarnam os assassinos com posturas viris e todo o arquétipo da masculinidade juvenil. Ambos os atores provocam sensações adversas, da fascinação à indisposição. Fascina-se por conta da personalidade determinada, da amizade afetiva de ambos, dos portes físicos dotados de beleza. Mas, causa repulsa quando se evidencia a psicose quando cometem o crime. Por sinal, as cenas do assassinato são carregadas de tensão e angústia, ainda que não se afirme em tons sanguinários. Independente da repulsa que seja visualizar na tela dois homens tão incorretos, a postura varonil dos dois favorece forte atração — aos homens que se identificam com arquétipos machistas e determinados; às mulheres que enxergam na beleza física e na transparente amizade de Dick e Perry um conforto. Obviamente, os atores permitem esses contextos de idealizações, faz parte da magia da Sétima Arte em revestir de brilho o universo de anti-heróis. Mas, polêmica mesmo é a afirmação de que Truman Capote teria tido um caso amoroso com Perry, e foi através da aproximação do escritor com ele que o livro foi publicado com tamanhos detalhes sobre os criminosos. Obra-prima, filme imperecível.

In Cold Blood (EUA, 1967)
Direção de Richard Brooks
Roteiro de Richard Brooks, baseado no livro de Truman Capote
Com Robert Blake, Scott Wilson, John Forsythe, Paul Stewart

Coração Louco

A relação de dependência afetiva é um contexto bastante evidente na sociedade. Se dentro desse cenário moderno de relações casuais, sem amarras e compromissos, existe a presença da liberdade individual — muitos ainda preferem manter um elo de exclusividade com o outro. Mas, o ser humano ainda peca pelo excesso, exagera ao se afeiçoar por um desconhecido que mal convive e acredita que encontrou a paixão ideal para toda a vida. Este filme discursa sobre a obsessão de um sentimento que leva à loucura, do desatino de uma pessoa que se ampara na personalidade de outra para sobreviver, do tesão-louco que faz com que alguém não sinta mais prazer na vida quando se ausenta do seu objeto de fetiche. Em Colega de Quarto existe o típico conflito adolescente, não muito diferente de outros filmes por aí do mesmo estilo, porém o argumento torna-se realista, até provocador. Sara (Minka Kelly) é a jovem estudante desejada por todos os homens, a típica mulher que atrai os olhares quando entra no ambiente. Sua sensualidade natural é tanta que capta atenção de sua colega de quarto da universidade, a misteriosa Rebecca (Leighton Meester), que logo se mostra uma eficiente amiga. Mas é óbvio que dessa pseudo-camaradagem e muita gentileza, esconde ali uma necessidade oculta. Logo no começo do filme, o diretor Christian E. Christiansen não atenua a tensão que se torna gradual — a tal colega demonstra ter intenções perversas, um grau preocupante de crueldade mórbida, além de certa fixação homoafetiva por Sara. Exercita-se, então, um jogo de segundas intenções com contornos de psicopatia que periga todos ao redor, inclusive o novo namorado de Sara, Stephen (Cam Gigandet). Como não desconfiar de alguém que age de má-fé? Há pessoas que não desconfiam das intenções dissimuladas de outros e passam a ser manipuladas.

Há duas problemáticas provocantes no discurso desta película. A primeira tange ao posicionamento da psicopatia. Rebecca representa bem a típica garota desequilibrada que faz tudo para manipular e obter seu foco de desejo. Cria situações, dissimula sua aparência frágil, mas esconde uma personalidade mórbida tão conhecida em outros filmes representativos de psicopatas. Os diálogos e as situações que a garota cria para sustentar sua obsessão refletem bem as características padrões e motivacionais de seres que mantêm esse tipo de comportamento. Rebecca oculta suas intenções para Sara, mas é percebida pelos outros — não só o namorado de Sara, como seus demais amigos, passam a perceber que, por trás da aparência angelical da garota, existe uma personalidade diabólica, inconstante e sem limites. O potencial de suspense se alia de sustos e diálogos tensos, além da câmera de Christiansen que focaliza nos olhares mórbidos e na face aterrorizante de Rebecca em quando revela ser uma pessoa de personalidade fria. A cena em que ela tem um orgasmo ao conversar, por telefone, com o ex-namorado de Sara, mostra bem o quão irracional pode ser uma pessoa quando nutre uma obsessão por outra. E é também um olhar sobre o lesbianismo que é uma característica provocadora do roteiro.

O filme segue nesse ritmo de suspense, mas aproveita-se do apreço libidinal do trio central. Obviamente, para tornar a malícia ainda mais transparente para o público. A segunda questão problemática tange à homoafetividade. Rebecca, além de apresentar comportamentos suspeitos, sente-se atraída sexualmente por Sara — o tom da homossexualidade revela-se nas sequências onde a psicótica jovem direciona sua libido feminina, repleta de desejos e vontades. Rebecca anseia possuir, afetivo e sexualmente, a colega Sara, para tanto, promove inúmeras situações manipulativas-maliciosas para garantir um contato mais próximo, talvez no intuito de tornar seu objeto de desejo mais íntimo do seu universo. Onde surgiu tanto desejo? Será que, além do obscuro comportamento doentio, há uma garota que reprimia sua opção sexual? O roteiro mostra essas intenções libidinais enquanto fomenta a tensão na psicose de Rebecca. A presença interpretativa de Minka Kelly, que representa muito bem o papel de uma garota responsável e delicada, é o contraste perfeito para a dualidade de Leighton Meester — essa empresta seus olhares, os tons e trejeitos, típicos de uma fêmea perversa e no cio, a ponto de devorar sua presa! O raso roteiro, apesar de delinear muito bem situações juvenis, peca por não aproveitar o romance heterossexual de Sara com Stephen, mas a presença de Caiam Gigandet é proposital para atrair a parcela feminina do público que vai atrás de sensualidade masculina, visto que este ator transparece boa virilidade em cena. É um filme que quis criar uma situação de homoafetividade feminina com dose cavalar de psicopatia. Não é excepcional, mas vale um orgasmo.

The Roommate (EUA, 2011)
Direção de Christian E. Christiansen
Roteiro de Sonny Mallhi
Com Leighton Meester, Minka Kelly, Cam Gigandet, Alyson Michalka

Atração Mórbida?

Não existe nada mais denso que o suspense ou terror que agride apenas pelo tom psicológico. Stephen king é um mestre na condução desse sistema, pois conceitua tramas que não só se prende ao teor sobrenatural — ele concebe sentidos intensos, assustadores, sobre o senso da psicopatia. O filme Louca Obsessão é um exemplo nítido de trama macabra apenas por se sustentar no argumento da tensão claustrofóbica. E filmes conceituados em determinações de personagens psicopatas sempre são tônicas polêmicas. A trama mostra o famoso escritor Paul Sheldon (James Caan) que sofre um acidente de carro numa nevasca, quando acabara de concluir seu livro. Socorrido por Anne Wilkes (Kathy Bates), uma enfermeira que afirma ser sua fã número um, ele é levado para sua casa onde recebe os primeiros socorros. O diretor Rob Reiner conduz o suspense gradual quando o sadismo, a psicopatia e o teor de insanidade são revelados através da personalidade de Anne — ao ler o original, ainda não publicado, do livro de Paul, ela descobre que a personagem principal Misery (daí o título original), personagem-título de oito obras do autor, será morta. É então que a dimensão doentia da enfermeira é revelada, num jogo perigoso onde apenas o medo torna-se uma constância. O alívio de Paul ao saber que conseguiu sobreviver ao acidente torna-se aflição quando se torna objeto de tortura da enfermeira. O roteiro mantém toda a essência do livro, é um filme que basicamente sustenta a relação de suspense dos dois num ambiente hostil. Impossibilitado de andar, Paul fica totalmente subordinado à mercê de sua psicótica fã. Qual limite em ser fã de alguém e se tornar obsessivo? Até que ponto há a racionalidade nesse anseio de admirar um ídolo?

Praticamente todo filmado dentro do quarto, onde se sustenta a teia psicológica e macabra de Anne com Paul — o filme mostra a relação da psicopatia, Stephen King conduz sua personagem Anne com todos seus indícios psicóticos, traços comportamentais de uma pessoa estranha. O filme se torna psicológico pela força dos diálogos, onde comportamento agressivo da neurose de Anne é evidenciado, em sua agressividade verborrágica contra um refém que nada pode fazer para sair dessa situação. A mulher aparenta ter personalidades distintas, ora é totalmente amigável e meiga, ora é neurótica e impaciente. Interessante que Stephen King constrói o comportamento dessa personagem bastante perversa, assusta pela maneira como exerce sua idolatria fanática pelo seu ídolo — Anne, ao mesmo tempo em que é fascinada pelos livros do autor que mantém preso em sua casa, nutre um fanatismo obsessivo a ponto ser algo destrutivo. É a forma crítica de King em expor, ironicamente, o lado negativo do universo fanático das pessoas que sentem uma dedicação excessiva por outrem. O tom tenso torna-se mais sufocante quando Paul observa o quão doentia, desumana e imponderável é Anne. Por que essa mulher exerce um fanatismo insano por ele? Existe algum interesse por trás disso? O embate psíquico desenvolve e a trama torna-se mais agonizante, pois o escritor sabe que precisa lutar contra sua vida. As construções dos personagens sádicos e psicóticos de Stephen King sempre são expressas pela dosagem de inteligência e astúcia nas composições psicologógicas. Por isso, é nítido como Anne consegue causar um poder de persuasão macabro sobre seu refém, inclusive ao mexer com o psicológico dele.

A trama ainda desenvolve personagens paralelos, como o casal de idosos Buster McCain (Richard Farnsworth) e sua esposa; ele um xerife que busca investigar o desaparecimento misterioso do escritor. E há a editora de Paul (Lauren Bacall) que preocupa-se com o sumiço do amigo. Mas, é relação elétrica desenvolvida no confinamento da casa de Anne que concebe a tensão arterial do filme. Stephen King mostra que a psicopatia não só reserva a frieza, visto que Anne exerce uma paixão platônica insana pelo escritor e ainda tenta moldá-lo aos seus comandos perversos. Nota-se também um comportamento dúbio, misterioso dessa mulher. Afinal é uma assassina ou apenas uma louca irracional? O passado dela é revelado, bem como certos condicionamentos de suas frustrações pessoais — ou sexuais? Existe algo libidinoso por trás dessa obsessão de Anne pelo escritor?

O ardor claustrofóbico desenvolve-se supremo, impressiona em várias cenas densas que atinge o ápice da agonia. James Caan interpreta um homem a beira do pânico, mas tendo que sustentar uma aparente calmaria diante de suas pernas imobilizadas fraturadas e total imobilidade. Dentro do apertado quarto, no desespero de confinamento, que as melhores cenas do filme são evidentes. Kathy Bates, numa personificação meticulosa, alterna sua psicose com momentos irônicos e diálogos que revelam a personalidade dúbia da personagem — e a câmera de Rob Reiner recorta suas expressões ensandecidas, onde a objetiva cola no rosto para captar toda a composição inspirada que a atriz desenvolve em cena (o Oscar foi evidente). Assusta, transpira pânico, raiva. A maneira como o roteiro de William Goldman acentua o fanatismo, a loucura e também o caráter mórbido da personagem é bastante cuidadoso, funcional. Não se utiliza da violência sanguinária, ainda que uma cena em específico seja aterrorizante, para demonstrar uma atmosfera de tensão; ainda mais que o delineamento dos personagens são humanos, tangíveis. É um filme que discute também as questões que envolvem loucura humana, bem como a psicopatia; mas também é uma forma perversa de mostrar uma paixão obsessiva, visto que Anne representa um ser humano que nutre um sentimento doentio capaz de matar; leva ao desatino completo. Só Stephen King pra mergulhar nas dores da alma humana, tão atormentada e imprevisível.

Misery (EUA, 1990)
Direção de Rob Reiner
Roteiro de William Goldman, baseado no livro de Stephen King
Com James Caan, Kathy Bates, Richard Farnsworth, Lauren Bacall

Macabra sedução psicológica

O Silêncio dos Inocentes definiu os pilares da morbidez humana num thriller psicológico pungente, denso. O filme estabeleceu uma nova percepção à intimidade psicótica, ao âmbito da atmosfera misteriosa de um serial-killer. Adaptado do livro de Thomas Harris, recebeu o tratamento cuidadoso da direção visceral de Jonathan Demme. A trama foca na aspirante a agente do FBI, Clarice Starling (Jodie Foster) — seu desejo é fazer parte da equipe do Departamento de Estudos de Comportamento com o renomado Dr. Crawford (Scott Glenn). Então é incumbida de traçar um perfil psicológico de um psicopata detido há anos, o psiquiatra canibal Hannibal Lecter (Anthony Hopkins). A relação de ambos se sustenta num jogo perigoso, dúbio e intenso de diálogos afiados. Lecter promete conceber informações sobre Buffalo Bill (Ted Levine), um serial-killer que rapta mulheres para devolver os corpos, dias após, esfolados. Introduz-se um estranho relacionamento entre a agente e o canibal. E é nesse sentido que o filme garante o seu melhor argumento. O que há de tão aterrorizante e fascinante em Lecter que atrai a atenção de Clarice? Como se sustentará o embate psicológico desses dois? Sob uma esfera de suspense intimista macabro, com leve tom dramático, o filme é ainda mais assustador por tecer contextos da psicopatia, traumas de infância, canibalismo e também transexualismo. O tom de perseguição policial é condicionado a segunda posição, a trama psicológica do par central é prioritária, condicionamento excitante.

É instigante observar o quão provocativo é o roteiro, pois ele converte a perversão sutil em evidenciar uma química-sexual do entrosamento gradual entre Clarice Starling e Hannibal Lecter. É um delírio macabro existir uma intimidade maior de um psicótico canibal com uma agente? A relação de ambos se sustenta na dualidade de comportamentos, personalidades. Existe em Lecter um dom de manipular psicologicamente as pessoas, para tanto ele consegue penetrar no universo de Clarice — usa dos traumas dela de infância, como a morte do pai, para obter uma aproximação maior. Enquanto a agente ansia por informações que a ajude capturar o serial-killer à solta, ela própria manifesta sua fragilidade em conversas íntimas estabelecidas por Lecter. O roteiro figura seu foco argumentativo em cenas de diálogos dos dois, particularmente é a maneira de providenciar o senso psicológico que o filme traça ao longo de sua duração. O esqueleto principal centra-se na maneira como se providencia a aproximação de Lecter com Clarice. O que será que nele fascina tanto para tentar seduzi-la com palavras irônicas? Lecter desnuda a aparente fragilidade e segurança de Clarice, torna-se o mentor dela, desconstrói a moça a ponto dela mesma permitir-se aos seus jogos estranhos. Quid pro quo.

Interessante que Lecter assusta pela frieza com que exerce sua transparência comportamental psicótica, mas ainda assim exerce um certo cavalheirismo diante de Clarice — é nesse sentido que ambos se prestam a uma relação que é só fortalecida pela troca de diálogos. Lecter capta os tons íntimos de Clarice, deflora sua infância e a torna mais segura para atuar no seu terreno profissional. Ela percebe a tônica irônica, sádica e obscura do homem que perfura sua alma. Hannibal é aliado e também serpente capataz no terreno da agente Starling, mas é seu poder persuasivo que prevalece. E Jonathan Demme extrai os jogos manipulativos do canibal com as interferências femininas da agente, num exercício intrigante, avassalador. Os diálogos são sempre invasivos, ardilosos.

O tom da sexualidade reveste o tenso roteiro. Há na construção de Lecter um artifício malicioso: o personagem tenta seduzir Clarice de diversas maneiras, com palavras libidinosas, provocações ou diante de seu incisivo olhar felino que indaga a moça com questionamentos do passado. Há o desenvolvimento da situação do personagem serial-killer Buffalo Bill, um homem em desacordo com sua condição masculina, homossexual, insatisfeito com o corpo e forma física, planeja construir uma segunda pele feminina, servindo-se das peles de suas vítimas — inclusive a vítima recente Catherine Martin (Brooke Smith), filha de uma senadora, que permanece aprisionada num poço aberto construído dentro de sua velha casa. O roteiro evidencia esse ser que utiliza-se do transexualismo como forma de prazer; sua psicopatia direciona-se à mulheres que ele gostaria de ser — o universo mórbido de um psicopata é expressa no roteiro que exerce um recorte da prática, hábito e comportamento ardiloso de um ser humano perverso, doente por essa condição. Interessante que todos personagens transparecem um desconforto na presença de Lecter, mas seu dom na oratória consegue provocar intimidações; bem verdade, é um ser que atrai pelo seu lado obscuro, maníaco. E é sua inteligência que proporciona a garantia da manipulação masculina ao universo frágil de Clarice, numa espécie de "sessão terapêutica", ele consegue promover a sedução hipnótica sobre a agente do FBI. Deliciosamente ele é seu psicólogo particular e ela o venera, típica devassa questionadora, viciada no seu jogo subversivo. Eis a ironia? Lecter é o único personagem dominador na trama. Em função desse senso que, talvez, Clarice encontre um interesse em manter sua ligação ocasional com ele.

Decerto, o maior charme do filme seja a dimensão psicológica estabelecida por Jodie Foster e Anthony Hopkins — as cenas concebidas por ambos atingem o ápice do talento, impressiona na caracterização de dois personagens tão dependentes e antagônicos (Oscar de Atriz e Ator, evidentemente). A câmera incisiva de Jonathan Demme prefigura o efeito ao conceber tomadas em close-up nas faces dos dois, através da troca de diálogos densos (interessante como são tão próximos, ainda que afastados pelo vidro/grades que os separa). A sintonia de ambos contribui para a esfera tão sedutora, hipnótica e assustadora que o filme conceitua. Mais que um retrato sobre a crueldade mórbida do universo serial-killer, é a discussão sobre o poder do diálogo humano sobre o outro. Um exercício da obscuridade humana, com tom discreto de filosofia grotesca psicológica que se torna insolúvel. O ambiente amedrontador dos assassinatos e das jaulas de Lecter intimida. Howard Shore completa a teia da psicose conceitual com sua trilha sonora, intensamente sinistra, que percorre a artéria densa do suspense da película. É um filme que promove boas reflexões, ainda que o tom psicológico seja instigante há nele uma concepção da atrocidade da violência humana que fica subtendida, incondicionalmente. E Lecter representa o que há de mais astuto e obscuro da humanidade. Eis um thriller astuto em sofisticação, simbólico e amplamente cativante.

The Silence of the Lambs (EUA, 1991)
Direção de Jonathan Demme
Roteiro de Ted Tally, baseado no livro de Thomas Harris
Com Anthony Hopkins, Jodie Foster, Scott Gleen, Ted Levine

Teste de Infidelidade?

A traição é um provocante estímulo pra destruição de um relacionamento; dos abalos da carne; dos sentimentos em conflitos extremos. O ser humano não consegue ter o eixo de seu destino quando sofre pelo poder da tentação? O Preço da Traição exerce uma demonstração de como há indivíduos que podem ceder aos impulsos libidinosos da luxúria. E como o senso da traição provoca também a insegurança, o desatino, o aspecto da euforia traiçoeira da perdição do desejo. Catherine Stewart (Julianne Moore) é uma ginecologista bem-sucedida profissionalmente, mãe de Michael (Max Thieriot) e mantém um casamento conformado, mas amigável, com o professor universitário David (Liam Neeson). Obviamente, esse aspecto é logo construído para sofrer o abalo providencial da sexualidade no filme - Chloe (Amanda Seyfried), cujo personagem representa o título original do filme, é a figura da sedução, do desejo e do impacto destrutivo que exerce na família. Ela é uma prostituta de luxo, usa de sua beleza e do alto poder persuasivo do sexo para obter qualquer coisa. E é essa mulher misteriosa que vai servir de auxílio ao universo padrão conservador da vida de Catherine - esta, ao desconfiar que o marido a esteja traindo, decide contratar os serviços sexuais de Chloe. O roteiro de Erin Cressida Wilson articula-se do texto original, refilmagem do "Nathalie X", tem direção do egípcio Atom Egoyan que consegue sustentar um filme onde o sexo é seu princípio primordial, alicerce orgasmático. A dúvida estabelecida pela personagem principal, Catherine, é a mesma percepção do espectador ao ver o filme: será que ela é traída realmente pelo marido? Como testar, então, a fidelidade dele? É então que esta polêmica é atiçada por Chloe - uma prostituta bela, provocante, sexualmente perversa pode testar tudo isso? Como confiar na lealdade de alguém?

Por pautar questões inerentes aos aspectos da infidelidade, das inseguranças provenientes de um relacionamento conjugal já frágil, o filme coloca a relação da traição como algo a ser refletido. Será que um casamento sem sexo constante, cumplicidade e com o frescor do desejo pode ser sinônimo de caos? O que fazer quando uma relação não tem mais química sexual ou mesmo um elo sentimental? Catherine é a esposa que demonstra insegurança ao observar um marido ausente, introspectivo, que parece flertar com outras mulheres - a desconfiança surge quando ele perde o vôo de volta a sua casa e falta a festa de ‘aniversário surpresa’ que ela concebeu para ele. Eis que o tormento, o medo de ser trocada por outra, faz com que a angústia tome conta de si. Catherine contrata a prostituta Chloe para seduzir - mas, será correto um ser humano usar de todas as formas possíveis para testar o caráter de outro? Como saber se alguém é fiel contigo? O diretor Egoyan mostra o fracasso familiar que é a vida dessa ginecologista que não consegue nem manter um diálogo próximo com seu filho Michael, muito menos se aceita plena intimamente para seduzir seu marido. Eis a crise da meia-idade? É o paradoxal, uma ginecologista que não consegue entender sua própria sexualidade, nem seu universo feminino.

O tom sexual atinge uma maior proporção quando o conflito entre Catherine e Chloe é evidenciado. O frisson erótico do filme torna-se sustentável, a garota de programa passa a imergir sexualmente na vida da médica. É quando o senso de provocação libidinoso cresce. Chloe seduz e envolve-se com Catherine. O roteiro mostra como a garota consegue manipular e instigar a luxúria ao seu redor - detentora de um poder sedutor violento, ela atordoa Catherine até quando narra seus flertes e encontros com David. Há uma relação estranha de ódio e desejo obscuro? Ainda que Catherine sinta-se aflita por saber que seu marido a trai, ela não consegue deixar de ter um tesão pela prostituta que modifica toda sua vida - excita-se com suas histórias dos encontros secretos com seu marido, enquanto estimula um interesse pela moça. É então que nasce uma relação lésbica? O que parece ser um estudo sobre infidelidade, reflete num jogo obsessivo quando Chloe parece nutrir um desejo possessivo e destrutivo por Catherine. O que parecia uma teia dramática de traição atinge um percurso de paranóia sexual - o que esconde essa prostituta? Será que tudo que ela diz é verdade? Atrás de toda essa perversão há mentiras? Amanda Seyfried convence como uma sedutora psicótica; Julianne Moore retrata bem uma mulher a beira do colapso de nervos por ser traída e por ser alvo de desejo.

Onde a libido faz todo o sentido nesta abordagem de sedução, dá pra compreender a razão do título original do filme - Chloe é a personagem que insere questões de sexualidade; de desejos e segredos da perversão da luxúria; do teor da loucura de alguém determinada pelo tesão. A mulher que serve de teste ao provável adultério do marido de Catherine, é a mesma que age pelo seu vício possesso. Chloe é enérgica sexualmente, a ponto de usar até do próprio filho de Catherine (um adolescente em fase de ebulição sexual, se sente atraído por qualquer mulher que possa lhe proporcionar fácil orgasmo) para conseguir sua mãe. Qual razão de tanta obsessão sexual? Este pequeno filme retrata, através de seus personagens, a deturpação dos sentidos humanos - o sexo pode mesmo colocar o que há de mais frágil na humanidade? O sexo destrói tudo que é coerente? Interessante que todos os personagens parecem estar rodeados pelo sexo - em anseios, percepções e atos. A cena onde Chloe transa e masturba Catherine num quarto escuro é bastante ousada, excitável. Boa atmosfera sensual adotada, sutileza picante, ao mostrar os seios intumescidos e gemidos femininos. Não é um filme avassalador, mas seu pequeno recorte representativo proporciona uma boa reflexão sobre a traição, os sentimentos destroçados e desejos reprimidos.

Chloe (EUA, 2009)
Direção de Atom Egoyan
Roteiro de Erin Cressida Wilson, baseado no argumento de Anne Fontaine
Com Amanda Seyfried, Julianne Moore, Liam Neeson, Nina Dobrev, Max Thieriot

Sonhos Psicóticos

O instigante A Premonição de Neil Jordan demonstra seu dom minucioso de praticar o assombro no próprio senso da psicologia dentro da esfera cinematográfica. É um diretor que concebe um tratamento, muitas vezes aterrorizante, sobre o lado mais sombrio do humano - além de manter, geralmente, em suas obras fílmicas o gosto por expressar os vícios e fraquezas comportamentais, as fragilidades como forma de sufoco. Neste filme, o centro narrativo dramático se reveste num sombrio thriller no psicológico bastante subjetivo. Claire Cooper é uma escritora e ilustradora de contos infantis que se condicionou a uma vida de abalos espirituais, vidências e certas premonições - com uma mediunidade, sensibilidade aguçada, sempre permaneceu em contato com seus sentidos à flor da pele. Casada com Paul (Aidan Quinn), preserva sua vida num casamento já frequente em cansaço e rotina. Sua vida ganha contornos atormentados quando se depara, misteriosamente, ligada aos sonhos premonitórios que a conduz a uma onda de assassinatos que passam a ser frequentes na região de Massachusetts. Desesperada, Claire parece sentir que seus sonhos tenham ligação com a mente do assassino em questão - o que fazer para entender, traduzir esses sentidos? Como salvar as vítimas? Os crimes envolvem meninas, geralmente menores de 10 anos de idade. Esses sonhos revelam-se em prognósticos desesperados - é como um pesado que a tormenta. Por que ela consegue ver o que a mente do psicopata visualiza? Qual relação teria ela com esse ser misterioso? Quando sua própria filha desaparece e ela vê que alguém de nome Vivian Thompson (Robert Downey Jr) estaria por trás desse seqüestro, sua vida parece caminhar ao ritmo descompassado da insanidade - é internada num hospício, sob os cuidados do psiquiatra Dr. Silverman (Stephen Rea), quiça o único que acredite nas visões dessa mulher temerosa pelo próprio destino. O que terá este assassino com sua vida? Eis que Claire decide enfrentar o killer e para isso decide reviver as memórias dele, tentando descobrir sua identidade e localização. Talvez, a tradução brasileira retire um pouco do próprio sentido que o título original expõe, visto que todo o cerne do enredo se relacione ao poder que os sonhos podem causar - abalos ou não - à vida de uma pessoa.

O roteiro baseado no livro de Bari Wood, adaptado pelo próprio Neil Jordan, tende a percorrer as atmosferas profundas desses sonhos simbólicos para desvendar mistérios, ao longo do filme. A personagem não só precisa provar que não é louca, mas como defender-se dos crimes que se tornam mais assustadores quando todos a sua volta parecem estar por um fio. Na pequena New England, havia nos seus arredores uma represa onde antes existia uma cidade. Submersa, milhões de vidas e mistérios permaneceram sob as águas. E, em uma de suas visões, Claire visualiza as vivências desse homem que parece ter sobrevivido da submersão e nutre algum anseio por ela - nos sonhos, Claire sente tudo que ele sente. E ele a deseja mortalmente, anseia possuí-la. O que fundamenta todo esse desejo? Como um psicótico pode ter uma conexão tão aprofundada com seus sonhos tão íntimos? A clarividência aqui encontra um poder sobrenatural ainda mais aterrorizante, pois se torna inexplicável - e o roteiro percorre esses sensos simbólicos muito bem. Há uma divisão na narrativa - por um lado, há a percepção da trajetória de Claire. Por outro, através de seus sonhos, a vivência do psicopata é esmiuçada, desde sua infância. E, aos poucos, o quebra cabeça vai se desmontando, recriando-se com tensas surpresas. Como uma simples escritora pode ter uma ligação com um serial-killer?

Os tormentos de Claire fundamentam-se, também, em sua fragilidade sexual. Seus sonhos premonitórios interrompem o frisson e a sintonia sexual dela com seu marido Paul - o casal não consegue mais manter um elo que nem no âmbito sentimental já não é perdurável. Com a ausência de afetividade, química e sem sexo - ela tem que confrontar-se com seus medos, receios e inseguranças femininas. Inclusive, há momentos em que descobre que o marido é assediado por uma garota. Ao questioná-lo, ele assume que sente falta de uma presença mais ativa de alguém que corresponda aos seus anseios. Claire teme ser traída, mas sua preocupação com a perda da filha - e mais, o assombro do psicopata se intensifica. O que fazer para sua vida ser menos dolorosa? Nos delírios onde nem tudo é o que parece ser, onde a realidade pode se misturar ao irreal - como voltar ao eixo? O filme percorre esse suspense da personagem, repleta de angústias. Como acordar desses pesadelos constantes? A febre interpretativa de Annette Bening ferve com maestria, perturbada e impecável na sua emotividade. Seu talento se sobressai, ainda que Robert Downey Jr. demonstre uma boa articulação ao personificar um homem visivelmente perturbado, estranho. O embate psíquico entre Claire e Vivian reserva momentos de tensão no filme.

E é aqui que o recurso sutil semiótico de Jordan sobre a sexualidade há de ganhar foco, pois a personagem é alvo de uma obsessão do desejo de um homem psicótico. A referência sexual é evidente também. Quase todo o filme, há presença de maças que concebem todo um simbolismo ao roteiro - essas frutas têm forte ligação com o passado do serial Vivian e também remetem à figura da Branca de Neve (por sinal, a filha seqüestrada de Claire participa da peça que leva o mesmo nome do clássico infantil). Maças são vermelhas, remetem ao sexo, demonstram a representação da sensualidade - pois, simbolizam o fruto proibido do pecado original bíblico. Eis o despertar da sexualidade? Há sonhos de Claire que tendem a ter um teor de sexualidade, ainda mais na sua enigmática relação com o psicopata. Há, ainda, uma caracterização sexual do comportamento do serial-killer Vivian - desde pequeno, Claire o visualiza como alguém ligado à libido. O horro-psico assume esse caráter mais da sexualidade, ainda que não seja tão ardente. Essas simbologias são bem expressas no roteiro, carregado de uma introspecção dark intimista e uma impactante fotografia com elementos surrealistas. A trilha bem composta por Elliot Goldenthal é carregada em violinos que explodem em cenas mais densas, boa prefiguração do efeito. Instigante como um homem dotado de sensos imorais, doente e atormentado pode ter um anseio por uma mulher tão comum - do desejo nada se sabe, ainda que isso seja um sinônimo de loucura ou mesmo perversão sexual. E o cinema tem esse papel de representar, também, malefícios e doenças humanas. Que assim seja.

In Dreams (EUA, 1999)
Direção de Neil Jordan
Roteiro de Neil Jordan e Bruce Robinson, baseado no livro de Bari Wood
Com Annette Bening, Aidan Quinn, Robert Downey Jr, Stephen Rea

Justiça Materna

Tocante, angustiante, visceralmente emocional trabalho cinematográfico. A Troca consiste numa pequena obra-prima de grande inspiração dirigida por Clint Eastwood. O roteirista J. Michael Straczynski recalca com emoção, cuidado e aprofundamento a trajetória real de Christine Collins (Angelina Jolie) que, em 1928, teve seu filho Walter desaparecido. Confrontando-se com o seu próprio abalo psicológico, Christine procura o filho exaustivamente. Como superar um trauma cruel? Teria seu filho sido sequestrado? Após incansável procura, com a ajuda do reverendo Gustav Briegleb (John Malkovich), eis que a polícia traz uma criança que, em presença da imprensa, afirma ser o filho desaparecido de Christine. Em meio à euforia do caso, da repercussão dos fatos e do seu estado atordoado psicológico: Christine aceita o garoto, ainda que ele não seja seu filho verdadeiro. Põe em xeque seu sentimento materno, permitindo-se confundir por abalos de confusão emocional. Como mostrar a todos que estava enganada? Em busca da verdade, Christine trata de tentar desvendar todos os segredos por trás dessa provável conspiração do sistema: por que o menino impostor afirma ser seu filho? Onde, afinal, está o verdadeiro Walter? A corrupção e o fracasso contínuo da polícia atiçava a imprensa, provocava a população e evidenciava uma desorganização criminal. Numa atmosfera de angústia, melancolia e densidade é que observa-se o percurso emocional de Christine em busca por justiça, enfrentando até a opinião pública.

Com uma tangível narrativa clássica que foca no psicológico desesperado de uma mãe pela busca do vestígio de um filho, o trabalho de composição de Angelina Jolie se evidencia num ato interpretativo de bastante expressão, intensidade e talento. Ela transparece dor incondicional diante da perda. A qualidade dramatúrgica é precisamente inegável, singela e consegue manter diálogos em tons verdadeiros. Christine passa a ser desacreditada por todos, a partir do momento que desafia as autoridades da polícia de Los Angeles - evidentemente, tratam de manipular e alegam que seu estado mental é insuficiente, internando-a. O pesadelo, o inferno vital, a falta de perspectiva invade: Christine tem que provar a própria sanidade, além de manter acesa a esperança da busca do rebento. Absurdamente, além de manipular a imprensa e de contar com a omissão do poder municipal, a polícia tinha um aliado importante — o manicômio — para onde despachava as pessoas que, inconformadas com a sua ineficiência e má-fé, desafiavam a sua onipotência.

O filme concebe a luta de um ser humano perante um sistema social corrupto, manipulador e alienado. Além disso, há um extremo machismo presente nas instituições na época: a todo custo os homens tentavam subjulgar Christine, tentando desacreditá-la, insistindo em expressar o poder sobre ela. Christine chega a ser acusada pela polícia de negligência materna e de irresponsabilidade, pois para os policiais, durante o tempo que passou sem o filho, vivia uma vida livre, sem responsabilidades e agora que o "filho" está de volta (o qual ela tem certeza não ser seu Walter), os policiais dizem que Christine não quer mais ter responsabilidades maternas, uma visão distorcida e produzida pelo machismo da época. Contudo, ela desafia a todos.

Há contextos sobre jogos de interesses sujos, mentiras infames, psicopatia e violência sexual infantil - este último, um tema bastante tenso evidenciado numa das cenas mais dramáticas do filme. A abordagem do rapto infantil em violência sexual, pedofilia ou mesmo crimes contra crianças incomoda pela densa crueldade exposta. E denuncia o autoritarismo e a arbitrariedade do Estado frente aos cidadãos. Clint Eastwood constrói seu trabalho trazendo elementos do noir, da soberba direção de arte e da direção classicista - tomadas poucas, cenas longas em planos abertos, movimentações discretas de câmera. É dele a trilha sonora discreta, elegante e primorosa. A fotografia sombria de Tom Stern tem acentua a qualidade. Magistral retrato de uma época, um drama com sinceridade, irrepreensível efeito cinematográfico que provoca reflexão.

Changeling (EUA, 2008)
Direção de Clint Eastwood
Roteiro de J. Michael Straczynski
Com Angelina Jolie, John Malkovich, Amy Ryan, Jeffrey Donovan, Colm Feore, Jason Butler Harner, Michael Kelly

Pequeno Diabólico

No filme O Anjo Malvado a manifestação da malícia e também da maldade perversa vem de Henry Evans: um garoto dissimulado, transtornado e manipulador. Mais sádico e inteligente que muito adolescente passional e mais astuto que muitos veteranos de meia-idade. Eis que sua psicopatia se manifesta ainda na sua infância, por trás de sua aparente fragilidade e sorriso angelical, comportamento cortês e educação excessiva, Henry esconde sua obscura personalidade. Somente seu primo, Mark Evans, que após a morte da mãe, tem que dividir o mesmo teto com ele e daí a catarse: Mark passa a observar o cotidiano do estranho parente e sente que há algo assombroso por trás das atitudes solícitas de Henry. Macaulay Culkin é Henry, Elijah Wood é Mark. Ambos em atuações intensas, caracterizadas com muita dedicação: Um é o extremo da bondade, o outro é a frieza cruel humana. As atuações, dos então jovens meninos, são preciosas para o desenvolvimento da maldade que conceitua a premissa do filme, dirigido corretamente por Joseph Ruben, aliado pela emblemática trilha sonora densa de Elmer Bernstein. O enredo desenvolve-se na tensão crescente, pois Henry tem a índole extremamente má e age impulsivamente, com bastante passionalidade e é mesmo um homicida. Cabe a Mark ter que desvendar todos os segredos do primo dissimulado e fazer com que os adultos, seus tios, saibam da verdade aterrorizante que se esconde por trás do filho. É nítido o distúrbio de personalidade, do caráter maldoso e insano do menino.

O filme serve como um bom estudo para uma triste realidade: a psicopatia atinge uma boa parcela de crianças. É um alerta à manifestação do caráter duvidoso, do deslize comportamental ou mesmo da educação concebida. É refletir sobre a maneira como surge um psicopata: ele não se torna assim depois de adulto, é um processo gradual que começa desde criança. Como contornar esta situação? O que deve ser feito? Macaulay Culkin é sombrio no olhar, na voz entoada com muita malícia e forte teor de frieza. É um transtorno observá-lo. Ele tem um passado de atrocidade: matou o irmão, ainda bebê, mentiu pra toda família. A mãe jamais superou a perda do filho, acreditando que, por distração dela, ele tenha se afogado na banheira por descuido. O casamento nunca mais foi o mesmo, nem sua vida com os filhos. Henry tem uma frieza incondicional, mas consegue se transfigurar perto dos pais. É Mark que surge como um catalisador benéfico, a salvação desta família, antes que o pequeno infame psicopata destrua tudo.

O roteiro é objetivo, simplório, mas realista. O jogo interpretativo do duelo de Culkin com Wood é satisfatório, boa habilidade e entrave de malícias. O final é nervoso, contudo muito realista quanto às motivações decisivas dos personagens. Henry é um exemplo de que nem toda criança é inocente, a sua maldade é um traço de seu distúrbio e transtorno de personalidade. Teria ele personalidade dupla? Decerto, há um transtorno de conduta, é doentio seus atos da manipulação, já que ele, uma criança, consegue conduzir as pessoas, como se fossem mero objetos/fantoches, para que elas realizem os seus desejos. Analisando com atenção, ele apresenta-se como um menino privado do amor de seus pais, pois sente que eles não supriram as suas necessidades básicas durante a formação do psiquismo infantil, levando, assim, a apresentar comportamentos agressivos e também anti-sociais, além do estado frio sem emoção alguma.

Esses atos de perversão revelam a negação do suporte afetivo e a busca de um suposto objeto de amor perdido na infância por uma via curta e perversa, puro desequilíbrio mental. Henry tem um transtorno de personalidade. Este é um estado no qual existe um excesso de razão e ausência de emoção e ele sabe o que faz, com quem faz, por que faz. Só não consegue se colocar no lugar do outro. Existe perversão maior? Henry não tem escrúpulos, é impulsivamente ruim. Ainda que seja um menino, já demonstra fortes características de sua doença e não é tão simples reconhecê-lo como um psicopata: ele fala muito de si mesmo, mente o tempo todo e não se constrange quando descoberto. Pior: é ainda mais irônico, arrogante e sua dissimulação intimida. Faz parte de sua sedução, malícia juvenil. Um filme que promove uma discussão reflexiva diante da maldade exposta. Causa medo, mas é uma abordagem impactante. Pois é, as aparências enganam.

Desmistificando Dexter

Já pensou no Dexter, o indivíduo, explícito na mídia? Inevitavelmente, ele iria apreciar poder mordiscar um pouco de sua psicopatia sexualizada. Então, imaginemos sua popularidade em todas as capas de revistas, feito um verdadeiro ser humano à espreita: deliciar-se-ia em exibir seu status de assassino em série? Dificilmente. Obviamente, é fato que trabalha mascarado como especialista em padrões de dispersão de sangue, no departamento policial do Condado de Miami-Dade. Mas Dexter Morgan é um ser bem astuto, a publicidade iria ser apenas um belo frisson a sua personalidade meticulosa, afinal sua inteligência jamais iria se revelar totalmente, nem mesmo sua criminalidade viria a tona. Dexter conduz com seu charme habitual, mascarando suas vicissitudes macabras, repleto de muita elegância sexual e criatividade para driblar sua vida movida a sangue. A sua sociopatia engloba sua doença, seu egocentrismo é exageradamente patológico, engano é acreditar que vive bem com isso. Existe prazer nele em exercer o estado apurado de serial-killer? Ele é mais além: sabe decifrar a mente de outros assassinos, pedófilos e até estupradores. Dexter tem fome assassina, seu orgasmo está aliado ao ato de atrocidades que comete. Como um prazer pode ser tão mórbido? Seu lado psicótico? Matar com requinte de crueldade, seu estado oscila entre a insensibilidade ou uma afetuosidade aparente.

Há alguns que condena a subversão de Dexter, outros o consideram o Shakespeare da crueldade, mas é nítido seus impulsos homicidas. Talvez seja uma conseqüência clara da educação que teve em vida, pelos pais. Dexter demonstra de modo superlativo algo que todo ser humano tem, sutilmente: o lado sombrio. Outro ponto refere-se à máscara criada e contextualizada por Dexter para se ajustar como um ser normal e passar despercebido. Evidentemente, demonstra algo que todos fazem: se adaptam, finge ser o que não é para ser aceito na sociedade. Todos usam máscaras? A diferença consiste apenas o grau da simulação, da falsidade. Dexter é o grau extremo, pois usa a máscara a maior parte do tempo. Somente matando que se revela verdadeiramente?

Observá-lo com sua mão usando luva cirúrgica e segurando um bisturi, ambos sujos de sangue, é amplamente atraente. Mas há um medo que surpreende. Ele também é dotado de carisma, charme e sua educação demonstra respeito onde trabalha. As mulheres o adoram só por que ele gosta de crianças? De dia, um ser socialmente trabalhador. À noite, um perverso incondicional. Usa todo o próprio conhecimento e instinto psicótico para achar e matar os criminosos que ele caçou durante o dia. Isso faz com que ele viva um contraste diário entre o bem e o mal. Mas ele canaliza toda a sua vontade de matar para acabar com os outros assassinos em série. A série Dexter é um estudo da própria abordagem de um sociopata?

O roteiro baseada no livro Darkly Dreaming Dexter, de Jeff Lindsay, e com o intenso Michael C. Hall no papel-título externa as características comuns de um serial-killer: aparente pessoa normal, escolhe as vítimas de acordo com algo comum a elas, que pode ser religião, idade, cor da pele, etnia, etc. Quase sempre não usam armas de fogo, a morte quase sempre é preparada, para o serial-killer é como se fosse um culto. Matam seguindo mais ou menos o mesmo espaço de tempo entre uma vítima e outra. Dexter, o assassino, também mata as pessoas que a polícia não consegue prender. Na série o conceito se renova? Obviamente, o trabalho da premiada série alia-se de um teor de suspense e uma boa dose da verve psicológica dos personagens. Dexter é um personagem que já nasceu clássico.

Malvada Ninfeta?

Em A menina do fim da rua temos uma Jodie Foster com apenas seus 14 anos: ela é Rynn Jacobs, uma típica solitária ninfeta que vive reclusa em uma casa afastada da cidade. Fuma haxixe, pagã e tem coração endurecido. Nutre uma paixão por ler livros de Emily Dickinson ou Agatha Christie, é viciada na sinfonia de Chopin. Sincera, hiperdinâmica, extrovertida. Quase uma Lolita com verve intelectual, esnobe e ácida-irônica. Seu cotidiano misterioso: a constante ausência do pai, um suposto escritor que nunca está presente, concebe uma certa desconfiança na vizinhança - principalmente de um sujeito que habita do outro lado da rua, Frank Hallet fixa obsessão sexual em Rynn. Seria ela apenas um objeto de desejo? Eis o conflito: a pedofilia entra em forte argumento no filme. Rynn tem que lidar com a habilidade de manter seus misteriosos segredos, sempre velados no interior da sua casa. Constantemente, além disso, confronta com as investidas indesejáveis de Frank - a todo custo, ele quer possuí-la sexualmente, exercer seu comando sobre a garota, forçar um contato mais íntimo. O conflito impera quando Frank passa assediá-la perigosamente e, inesperadamente, Rynn se envolve num complexo jogo criminal, pois provoca acidentalmente a morte de uma pessoa.

A direção de Nicolas Gessner é realista, objetiva. O roteiro é um exercício da prática da sexualidade juvenil, dos tabus segredados, da perversão masculina. Em 1976, no ano de lançamento, imagine a polêmica da abordagem contundente? O suspense consiste na pedofilia, mas é acentuado pelo teor dramático das situações humanas personificadas pelos personagens. Rynn é malvada, dissimulada, calculista - mas, sua fragilidade é um aliado para a sua personalidade ora infantil, ora carinhosa.

Eis a contradição: ela tem repulsa e desejo pelo vizinho pedófilo. A fotografia tem cores frias, tons cinzentos que se contrapõe com a cor dos cabelos loiros de Rynn. Como viver imerso no perigo da mentira? A trilha sonora incidental é melancólica, acentua um certo tom nostálgico e estranho do filme. A trama é bastante escabrosa, há diálogos densos e intrigantes, típica abordagem controversa. Seria o vizinho um sexofilista (indivíduo que pratica a fruição desordenada, promíscua ou aleatória do sexo)? Ou apenas um imoral insano?

O filme exerce essa relação da repressão sexual e da libertinagem, da falta de discernimento e também da manipulação da sensualidade. Observem o desempenho de uma Jodie Foster, altamente inspirada como a pequena infame.

Sexy Psycho

Psicopata Americano polemiza o que há de mais pervertido no ser humano. O filme, baseado no livro de Bret Easton Ellis, contextualiza o mais horrendo panorama sobre uma sociedade predestinada à psicopatia sexualizada. A trama foca em Patrick Bateman, um típico executivo de Wall Street. Para todos ele é apenas um bon vivant, rico e com o emprego satisfatório. Através da narração em off o argumento é evidenciado: Patrick mascara sua própria índole, personalidade e atitudes. A narração centraliza a sua ironia, seu veneno escorre e pensamentos ácido-irônicos expressados, puro humor negro internalizado. Seu hobbie perfeito? Assassinar todos que ele odeia, pois não suporta competição nas amizades, profissional e até nos relacionamentos promíscuos. Como um indivíduo tão megalomaníaco e egocêntrico pode ser tão invejoso? Patrick é o sarado safado, ousado profanador, tarado noturno. Altamente elegante, inteligente e politizado - sabe conversar sobre qualquer assunto, tem fetiche por móveis claros, vídeos pornôs e lava suas roupas ensangüentadas na lavanderia mais próxima do bairro. Vive imerso num cotidiano de luxo, falsas aparências e dissimulações sentimentais. O consumismo impera com plena futilidade a sua órbita social. Evidentes hábitos? Exímio ativo da alta sociedade, tem vício em jantar nos mais variados restaurantes da cidade - exerce sua boemia pervertida sexual - e escolhe o prato para a acompanhante da noite para depois descartá-la e cheirar cocaína em banheiros de boates luxuriosas. Adora comandar, dominador intransigente. Maiores prazeres? Ouvir The Lady in red de Chris de Burgh pra meditar no escritório do trabalho, praticar musculação e assistir ao mesmo tempo O massacre da serra elétrica e convidar, com sua limusine, prostitutas loiras para orgias em seu apartamento privê.

Eis a carnificina de luxo logo após. Patrick é frio, calculista, tem certa aptidão para o ódio e a ausência de tato passional constitui sua frieza de caráter. O interessante da trama é que o roteiro é muito bem construído: observamos a sede de loucura por sangue, o estado letal e doentio do psicótico Patrick. É totalmente metódico, com distúrbios obsessivos compulsivos e venenosos. A máscara da sua sanidade está prestes a ruir? Ou nunca existiu?

A cena que Patrick corre atrás de uma prostituta, nu em pêlo, com apenas a serra elétrica causa um assombro indescritível. Com seu corpo másculo escultural, vaidade evidente e carisma sedutor: incorpora perfeitamente o yuppie bem-sucedido. Seu paradoxo é transitar entre sua aparente vida perfeita e sua existência banal firmada no caráter mais horrendo. É sádico e sua psicopatia vitima prostitutas, homossexuais, mendigos e animais. Toda a construção psicótica do personagem é uma minúcia cirúrgica. O longa tem como pilares um dos sete pecados capitais: a avareza, a luxúria e a vaidade - obviamente, imersas na contextualização da psicopatia de Patrick.

Toda a película tem uma estética elegante, fotografia discreta e a trilha sonora é a base de violinos sinistros. O roteiro é o carro-chefe da produção, intensamente magistral, mas o mérito é de um Christian Bale totalmente soberbo personificando o personagem principal: seu tom de fala, gestos e expressões que somatizam com um olhar enigmático causam transtorno, delírio e interpretação efervescente. O final-reviravolta fortalece o espetáculo cinematográfico. Uma pequena obra-prima.

Deliciosa psicose?

Como nasce um serial-killer? Nem tudo é o que parece. Em Roubando Vidas a filosofia é provocar o amor junto com o ódio, pois cria um laboratório de crime revelador. Eis a arte da sabedoria de matar e ser amado? O filme conceitua suspense com teor de sedução. A premissa é abordar a história da perita em perfil criminal do FBI que trabalha de maneira não-tradicional, soluciona crimes e mistérios da mente assassina de maneira diferenciada, com uma abordagem intuitiva. O percalço ocorre quando ela se depara com a trajetória de um assassino que muda feito camaleão, assumindo vidas e identidades de suas vítimas. O diretor D.J. Caruso propõe um estudo sobre a astúcia assassina e a perversão humana, uma jornada aterrorizante sobre a psicopatia. Como se expressa ações planejadas e ritualísticas de psicopatas assassinos? O prólogo do filme já instiga pela estrutura introdutória dos créditos, apresentando uma narrativa linear em misteriosidade. A trilha sonora densa de Philip Glass concebe o tom de medo mesclado com forte mistério crescente. Angelina Jolie como a agente especial do FBI Illeana Scott, demonstra seriedade e determinação interpretativa, há cenas em que ela apenas atua com o olhar expressivo. O roteiro monta um quebra-cabeça e remodela, criativamente - proporciona um jogo psicológico de rato e gato, um thriller policial elegante e diálogos afiados. Ethan Hawke, como James Costa, concretiza maneirismos de pura interpretação provocante, seu personagem é enigmático - a sedução consiste na amplitude personificada de um homem que não se revela, induz. A direção correta e detalhada de Caruso firma planos focados nos olhos, bocas e mãos dos atores, captando sensações e atos específicos. A fotografia mistura tons desbotados claros e certas cenas escurecidas, típico noir sutil. Angelina Jolie e Ethan Hawke tem química consistente, olho no olho e interação corpo a corpo. Como crêr num completo desconhecido? O desejo é embalado dentro de uma angústia de medo? A tensão progride com o mistério que apenas se resolve no final surpreendente, reviravolta total. O filme faz com que sua imprevisibilidade seja maior atrativo, triufo. O roteiro é convincente. Como perceber onde o mal habita? O perigo mora ao lado...de quem? A película propõe facetas, inúmeras possibilidades pra desvendar o mistério e tem até a clássica estrutura de filme de suspense. Emoções adicionam excitações à trama. Não há falhas de lógica, tudo é bem amarrado. Percebem os dez minutos finais: precisamente angustiante, criativo e com alta dose cavalar cinematográfica de ótimo roteiro e atuações.

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