Gótico Fascinante?

Eis a delícia da mais pura criatividade excêntrica do mestre Tim Burton, seu dom arrepiante é dotado de vigor estético e charme ao recriar um clássico de conto de horror macabro. A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça se expressa como um filme arrojado, de inspirado deleite visual. O foco centraliza o terreno de medo num pequeno vilarejo pastoril de Sleepy Hollow (daí o título original), em 1799. Uma série abrupta de crimes invade, assola e causa pânico no local e estes assassinatos envolvem vítimas aparentemente inocentes. Amedrontados, inevitáveis seres repletos de crenças religiosas que se mesclam às práticas místicas - estas pessoas comungam um elo de grandes segredos, onde tudo não é o que parece ser. No seio da comunidade coexistem mistérios que perduram. Os crimes sanguinolentos e hediondos atraem um investigador de Nova Iorque, Ichabod Crane (Johnny Depp) - ele ganhou fama, reconhecimento e atenção pelos métodos avant-garde, excêntricos e curiosos de solucionar seus crimes, exímio perito detalhista. Contudo, bem verdade, também foi discriminado pelos colegas por ter certa obsessão em criar métodos científicos de investigação – métodos estes que possam substituir a tortura. Exímio inventor de estranhos instrumentos, como curiosas lentes de aumento que funcionam como óculos gigantes, presumivelmente capazes de ajudar a provar cientificamente a culpa, ou a inocência, de um suspeito de crime. Decidido a resolver os assassinatos em série, Crane vai ao vilarejo determinado: e é lá que se vê imerso numa estranha lenda que paira o círculo familiar, social e cultural da região: todos acreditam que os crimes têm uma relação com um cavaleiro sem cabeça (Christopher Walken) que, maligno e motivado à fúria incessante, tem um desejo insaturável de vingança doentia. A lenda diz que ele é um espírito amaldiçoado, uma alma condenada, espécie de espectro que perambula sem sua cabeça em busca de punição. Cabeças rolam, crimes não param de retroceder e é nesta histeria que entra em cena o trabalho do detetive metódico.

Então, a racionalidade e os métodos científicos de Crane são confrontados com o sobrenatural da comunidade: Será que existe, de fato, verdade nessa lenda? Qual a relação deste lúgubre cavaleiro inquieto com vestes negras de negro corsel? Teria veracidade essa lenda? É no vilarejo que Crane encontra seus piores medos: além de ter sua sanidade, ciência abalada pelo tormento da mitificação aterrorizante e dúvidas incondicionais - Crane tem que lidar também com suas fragilidades. Ele tenta, a todo custo, apresentar-se com profissionalismo e bravura: mas, no íntimo, é totalmente acovardado. Tem receio de tudo, é tímido e hesitante - apavora-se até com um inseto que esteja próximo. Enfrentando adversidades, limitações e seus temores íntimos - é que Crane passa a raciocinar melhor com os fatos e a lidar com seus instintos. Como acreditar nessas lendas espirituais? Seria ele tão cético a ponto de descartar tudo que até presencia - há momentos que ele se depara com o cavaleiro. A trajetória de Crane adorna melodrama com a presença da personagem Katrina Van Tassel (Christina Ricci), membro da família mais influente do vilarejo. Ambos mantêm uma interessante atração logo que se conhecem: entre olhares sinceros, conversas sutis e um companheirismo que se condensa, aos poucos. Em meio aos segredos absurdos, intrigas e mortes horrendas persistentes pelo punidor cavaleiro inescrupuloso, Crane recebe auxílio de Katrina - ela é o símbolo da feminilidade, doçura e beleza no filme. Sua sensibilidade instiga e provoca a masculinidade de Crane, mas ambos nutrem um interesse do desejo ainda que imersos na procura pela solução dos crimes que assola a região. Mas, a misteriosa bela rapariga teria alguma ligação com vínculos secretos do sobrenatural? E é aí que, inesperadamente, as crenças de Crane passam a ser transformadas.

Tim Burton realiza um filme mais ousado, estonteante e sofisticado em estética: carrega o sangue em algumas cenas (são 18 decapitações ao longo do filme), tensiona o papel do vilão surreal da figura emblemática do cavaleiro assassino, direciona cenas de ação dinâmicas com precisão em ritmo. Concebe sensualidade nos decotes usados por Katrina ou algumas mulheres em cena. Há certa malícia presente, ainda que sutil. Há uma direção de arte bem concebida, a conjunção dos elementos do figurino e fotografia mantém a atmosfera apavorante e sólida da película. Valor artístico irreparável. O argumento de Washington Irving ganha contornos narrativos de Andrew Kevin Walker sob a astúcia de Tim Burton que carrega numa direção cuidadosa, expressiva e de puro requinte. Quanto mais estranho, delicioso é o universo proposto por ele - seu dom é justamente essa mixagem de energia surrealista, criativa e dotada de bastante humanidade nos seus personagens tangíveis. Tudo minuciosamente trabalhado pela inspirada trilha sonora proposta por Danny Elfman, parceiro característico das obras de Burton - espetáculo à parte, que auxilia muito na concepção das cenas que evoluem subitamente do poético e inefável ao grotesco e aterrador, belíssimo instrumentista.

O roteiro pauta a relação da razão e da religião; do mistério da espiritualidade com o misticismo; da relação do homem com aquilo que acredita que vê - mais além, é a história de amor bizarro que tem uma textura única que só Burton sabe conceber. E lida com a assombração clássica do imaginário popular americano, puxando a corda pelo suspense. Crane e Katrina mantêm um desejo mútuo, a paixão é crescente entre ambos. Johnny Depp personifica seu Crane com misto de melodrama e humor excitante - há cenas que sua interpretação envolve integralmente. Há uma Christina Ricci madura, sensível e exuberante. E a presença pequena de Christopher Walken é bastante avassaladora, grotesca e bem torneada de interpretação. A direção executiva é de Francis Ford Copolla e há boas prestações interpretativas de Christopher Lee, Miranda Richardson e Michael Gambon. Há toda a soberba caracterização excêntrica apetitosa tão verbalizada nos filmes burtoniano. Um arrojado estilo gótico de horror clássico provocativo, a morbidez é consistente. É sonho, é pesadelo, é nonsense? Um conto, um pesadelo, um envolvente filme que se mantém fabuloso.

Sleepy Hollow (EUA, 1999)
Direção de Tim Burton
Roteiro de Andrew Kevin Walker, baseado em conto de Washington Irving
Com Johnny Depp, Christina Ricci, Miranda Richardson, Michael Gambon,
Casper Van Dien, Christopher Lee, Christopher Walken, Martin Landau

28 opinaram | apimente também!:

Amanda Aouad disse...

18 decapitações? Não tinha contado, apesar de perceber terem sido muitas, hehe. Sério, esse é um dos melhores filmes Burton X Depp. Tenso, bem construído e com uma atmosfera de suspense incrível. E no final, o "coitado" do cavaleiro só queria o que era dele. kkk;

bjs

Anônimo disse...

oi!
sempre me espanto quando alguem, alem de mim, visita meu blog. fico feliz por ter gostado. nao somente pela visita, mas por que vc escreve muito bem. quando o elogio vem de pessoas como vc fico realmente encantado.

esta em que ano de jornalismo?
abrass

Wallace Andrioli Guedes disse...

Grande filme, um dos melhores do Burton (acho que só perde pra EDWARD MÃOS-DE-TESOURA e ED WOOD).

Catarina Norte disse...

Adorei a tua crítica!

Eu sou uma burtoniana inveterada...amo o ambiente tão gótico como belo, tão estranho quanto poético, que só Burton consegue criar!
Quanto a Sleepy Hollow, é um óptimo filme, com uma atmosfera gótica, densa, visualmente sombria mas fascinante! Johnny Depp é, como sempre, magnífico e o seu Ichabod Crane é,simultaneamente, frágil, cómico, nervoso e covarde, contudo atraente. Como disseste, Christina Ricci é uma pequena luz de feminilidade e sedução e os outros actores são também excelentes (Christopher Walker é memorável)! Por último, a música de Danny Elfman, já inseparável do universo Burton, abrilhante e enriquece ainda mais este "clássico conto de horror macabro"!

Abraço

Leco Vilela disse...

quero assistir "O mundo imaginário do Dr. Parnassus"...

ansioso, o trailer tá ótimo!

Bruno Cunha disse...

Não acho a melhor obra de Tim Burton como parece que intitulas, aliás, este é o filme que menos gosto de realizador até porque o gore está lá mas, no entanto, pensa que funciona numa fita descabida sem saber exactamente o seu propósito.

Abraço
Cinema as my World

GabrielSig disse...

Bem violento, o burton é meio alucinado as vezes, não é o tipo de filme que eu prefiro ver! Acho que ele passa do limite da imaginação e isso o faz diferente, algumas pessoas adoram, outras menos! abcs

joyce Pretah disse...

um dos filmes de burton que mais gosto....

e mais uma parceria com depp,que é um camaleão maravilhoso....

amo escuridão de tim burton!

bjbj!

Gustavo H.R. disse...

Você conseguiu extrair mais desse filme do que eu seria capaz.
Gosto dele pelo visual, mas acho um pouco exagerado demais pro meu gosto (sei que é intencional, mas enfim).

Tania regina Contreiras disse...

Seus comentários são ótimos e estimulantes, mas já vi que este não assisto não, você sabe, não digiro bem.... Só de ler, já vi que não vou. rs

Beijos,
Tânia

Lua Nova disse...

Eu assisti esse filme algumas vezes. É excelente. E olha que não é o meu gênero preferido. Mas foi muito bem feito, é bonito e a história consistente.
Uma semana interessante pra vc.
Beijos.

Kamila disse...

Para mim, esse é um filme de roteiro fraco, cuja excelente técnica tenta suplantar justamente essa história fraca e que não envolve demais.

Mirella Machado disse...

Respondendo sua pergunta creio que esse seja o grande sonho de Burton, adoro essa sua mente que faz parecer aos outros que do seu modo fica mais interessante o mundo. Burton é um gênio por mais que outros não o consideram. Acho que nem preciso dizer que gosto desse filme afinal é Burton, Depp, Ricci, Gambon, Walken e Copolla.

Tiago Britto disse...

Esse filme é muito bom e sem sombra de dúvidas dos melhores de tim burton!!

Gian Le Fou disse...

É como eu disse, até gosto do Burton, mas ele faz muito mais estética do que cinema. Ixi, isso dá uma discussão, hahaha.

Beijo.

Augusto Dias disse...

Adoro o Tim Burton!!! E o tipo de filme então...Nem se fala, muito bom.
Um abraço!

Sônia disse...

Eu assisti e adorei.
Eu acho Tim Burton muito bom!
E Johnny Depp...ha...tudo que ele toca vira ouro!

Rafael Carvalho disse...

O que eu acho mais fascinante nesse filme do Burton é que ele assume descaradamente uma atmosfera retrô e totalmente fake, mas com total controle sobre seu universo sombrio e gótico. E por mais que eu goste do trabalho do Depp nesse filme, a caracterização do Christopher Walken é sensacional, e o cavaleiro Sem Cabeça é mais um dos personagens fenomenais do diretor.

Hugo disse...

Técnicamente é fantástico, como todos os filmes de Burton.

O roteiro é inteligente e o elenco muito bom.

A trilha sonora de Danny Elfman já faz parte do universo de Burton, sendo maior ainda que a parceria de Burton com Depp.

Abraço

Jardel Nunes disse...

Um dos meus preferidos da dupla Burton/Depp... Concordo com o Wallace ali, só perde pra Edward e Wd Wood.
E talvez esse filme seja o que mais combine trilha sonora e imagens...

Abraço

Serginho Tavares disse...

um filme muito bom esse do tim burton

Anônimo disse...

È sem dúvida um dos mais fracos, da fraca filmografia de Tim Burton, um entretenimento e não é dos melhores.

Edson Cacimiro disse...

Esse filme é muito bem feito, a atmosfera gótica é perfeita, nos cenários ,figurinos, na neblina que permanece o filme todo e naquela 'ar úmido' do vilarejo. MUITO BOM, suspense nota 10.

Moisés de Carvalho disse...

EU GOSTO DO ESTILO GÓTICO...!
ACHEI SUPER INTERESSANTE TODO AQUELE CENARIO . COMO ENTRETENIMENTO VALE A PENA ASSISTIR A ESSE FILME . EU JA O ASSISTI 3 VEZES ...

ABRAÇÃO , MEU VELHO !

História é Pop! disse...

Muitos críticos não gostam muito desse filme de Tim Burton, eu por outro lado adoro o ambiente, o clima tenso, sombrio e o gótico da película. Ele consegue uma ambientação muito melhor que a feita Joe Johnston em o Lobisomem. Faço essa comparação por se tratarem de duas lendas eternas cujo gótico é predominante nas telas, Só que uma bem feita e outra nem tanto...
Johnny Depp e Christina Ricci estão perfeitos no filme, mais uma prova de que é muito boa a parceria Burton/Depp.


Abraços!!!

=)

Daniel disse...

Essa parceria do Tim Burton com o Johnny Depp é muito foda. Gosto de tudo o que fizeram juntos, sem exceção. Esse é mais um filme fora de série deles.

abs

Anônimo disse...

Eu gosto muito desse filme. Semana passada, se não me engano, ele foi exibido na TV.
É muito bom viajar com Burton nesse tipo de "aventura". Há uma junção de certa graça no detetive atrapalhado à atmosfera sombria, tensa e misteriosa do ambiente.

Como sempre, parabéns pelo texto.

Um abraço,
Jefferson.

Rabisco disse...

Já este...vi e adorei!
=D

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Aperitivos deliciosos

CinePipocaCult Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos Le Matinée! Cinéfila por Natureza Tudo [é] Crítica Crítica Mecânica La Dolce Vita Cults e Antigos Cine Repórter Hollywoodiano Cinebulição Um Ano em 365 Filmes Confraria de Cinema Poses e Neuroses