O filme francês Meu filho pra mim destrói laços de famílias, concepções de amor e bondade. A angustiante representação proporcionada pelo diretor Martial Fougeron é dotada de sensibilidade, ainda que imersa numa premissa dolorosa. Há o sofrimento do jovem Julien (Victor Sévaux), um garoto privado de suas vontades e que sofre o próprio caos de vida dentro de seu seio familiar. Cercado pela mãe autoritária (Nathalie Baye) é onde recebe uma educação firmada no mais puro absurdo: ela conduz a ferro e fogo seus passos, não permite que ele se integre socialmente, intercepta qualquer tipo de contato que o seu filho queira ter com qualquer pessoa e é altamente dominadora. Julien não consegue compreender a necessidade que sua mãe tem em vasculhar sua vida, visto que constantemente tem sua privacidade abalada pela presença despótica da mãe. Dentro de casa, ele tem que manter a porta aberta e não pode ter vontade própria - não existe banho sem que ela esteja, não existe roupa que ele possa escolher sozinho e nem mesmo o almoço ele tem livre-arbítrio para decidir. Sob a presença nervosa, gritante e impetuosa da mãe é que sua vida transforma-se num exercício de insatisfação. Como manter os gritos internos de sufoco abafado? Como impor-se? Julien é introspectivo, frágil e precisamente carinhoso com sua irmã, avó e pai - ainda que estes, absurdamente, não direcionam voz ativa à psicose irremediável da mãe. Em fase de transição para a adolescência, Julien sente necessidade de manter amigos e criar novos elos de amizade no colégio onde estuda - e é ali mesmo que sua mãe marca presença, querendo saber sempre com quem ele se relaciona e marca seus passos intrometendo-se com perguntas incessantes. Para ela, seu filho apenas deve estar dentro de casa, apenas dialogando e se subordinando às suas condições anormais. Mas Julien sente desejo por meninas, quer namorar e até se apaixona por uma colega de sala - eis que sua privacidade de descobertas sexuais é retida, sua mãe abre cartas que ele recebe, vasculha seus objetos e intercede contra.
A direção de Fougeron é intimista, cuidadosa e foca nesse entrave psicológico infernal que constitui a vivência de Julien - sob sua perspectiva, é tangível a crueldade materna e toda sua aflição é transmitida com muita emoção. Victor Sévaux conduz seu personagem na composição de olhar, gestos e entonação de falas - há cenas que seu pesar é expresso apenas num silêncio prolongado, como uma dor surda incondicional. E o roteiro de Fougeron com auxílio de Florence Eliakim concebe questionamentos polêmicos: Qual razão deste tratamento? Há um tom neurótico, doentio e incoerente da educação da mãe para o filho - visto que ela tende a ter até um ciúme, um teor comportamental de possessividade e uma fúria descabida com alguém tão desprovido de maldade. Julien é o símbolo da bondade: ainda que sofra com a crueldade, castração e perversão nos maus-tratos proporcionados por sua mãe - jamais consegue se impor. A película é angustiante representação de abuso de crianças, um drama social gritante que é mais potente devido à sua atmosfera acolhedora burguesa.
É um filme que mostra como os maus-tratos de crianças não se limitam aos conjuntos habitacionais e que zelo materno com excesso de proteção pode ser tão prejudicial quanto a negligência dolosa. Este não é um filme confortável para assistir - cenas de crianças sendo intimidados e agredidos por seus pais nunca são fáceis de estômago. Mas é verdade para a vida e atraente, convincente, apresentando um dos cenários em que o abuso de crianças pode resultar em uma situação doméstica. Nathalie Baye personifica com muita exatidão a caracterização de um ser desprevenido de compaixão, humanidade e sensibilidade. Ela desempenha o papel de uma crueldade quase sádica e o caráter, por vezes, tem todas as características de um psicopata perigoso, olhando seu filho com o olhar faminto de uma tigresa contemplando sua próxima refeição. No entanto, em outras cenas, Baye é surpreendentemente comovente, mostrando-nos que a sua personagem não é uma vilã, mas sim uma vítima - uma mulher triste, emocionalmente imatura, cuja obsessividade necessidade de afeto fez dela um monstro, sem o senso de caráter.
É desagradável lembrar que a maioria daqueles que infligem, abusam e torturam (físico e psicológico) crianças totalmente indefesas, desamparadas e sem noção de como se proteger - permanecem no ocultismo social, sem serem denunciados ou mesmo recebam punições necessárias. Mais doentio é perceber a tortura mental que Julien tem que vivenciar, diariamente. Sofre em silêncio, sob o teto de um pai - ainda que aparentemente bem equilibrado - que é o verdadeiro vilão da peça. Ele personifica a indiferença insensível daqueles que servem de testemunha, mas se recusam a se envolver, permitindo-se que o ciclo de abuso e sofrimento possa perpetuar-se de uma geração para a seguinte. É o pai cúmplice e passivo de um crime diário? Julien presencia a própria depressão gradual, habitua-se na tristeza. Sua irmã (Marie Kremer) até tenta estabelecer contato com o pai contra a ditadura afirmada pela mãe insana, tenta mostrar o efeito negativo e que pode ocasionar drásticas conseqüências a ele, mas sem resultados. O pai é demasiado embrulhado em seu trabalho na universidade para perceber crescente hostilidade de sua esposa para seu filho. A única a se conscientizar do quão miserável Julien tornou-se é sua irmã, mas o que ela pode fazer? O trabalho do roteiro é justamente desconstruir estes mundos perfeitos, famílias que transparecem uma felicidade que não existe. Até quando Julien agüentará tamanho desespero? Vive o cárcere materno, a loucura estabelecida. Uma mãe que queria o filho apenas para ela - existiria algo mais além do cuidado paranóico? Não há explícito algo sexual, apenas a super-proteção insana. Será que o suicídio será a única chance de Julien se livrar da dor? Como conseguir obter a felicidade? Eis que o cinema francês serve de alerta à sociedade, desmascara a fachada burguesa com uma pequena demonstração da realidade de mundo.
Mon fils à moi (2006)
Direção de Martial Fougeron
Roteiro de Martial Fougeron e Florence Eliakim
Com Nathalie Baye, Victor Sévaux, Olivier Gourmet, Marie Kremer
19 opinaram | apimente também!:
Acho que não conseguiria assistir a esse filme. Oara mim seria muito angustiante. Mas sua análise como sempre é perfeita.
Um ótimo fds.
Beijos.
Óptima review! Não conheço mas com certeza que irei dar uma vista de olhos!
Abraço
Cinema as my World
Mais um excelente post. ;)
Adoro as suas análises, Cristiano! Você pega filmes com temas difíceis mas os enche de elementos de vida. Parabéns!!!
Apenas mais uma nessa lista imensa de seguidores. *__*
Belo blog... conteúdo "bem" interessante.
Beijos sangrentos da vampira Laysha.
Tá aí uma boa dica. Conferirei!
Bem, adoro filme frânces. E acho que nunca vi um filme que mostrasse uma mãe tão controladora desse jeito, eu imaginei aqui o verdadeiro capeta, rs
Ótima resenha!
Abs.
Oi Cris!
Caramba que história forte hein. Não conhecia este título e confesso fiquei com muita vontade de ver, pois sou mãe e não imagino alguém agindo da forma como a personagem descrita por vc age. Enfim, preciso ver para entender toda a dor deste jovem e a cabeça desta mãe.
Texto impecável!
Um beijinho carinhoso.
Ps. ja consegui votar. Deu tudo certo.
Outro que me é totalmente desconhecido. Por enquanto.
Cristiano, esse Julien deve ter ficado doidão cm uma mãe dessas..ela é meio psicopata, não? rs
Sempre dicas boas por aqui. Se eu assistisse metade dos filmes que vc indica eu seria muito culto.
Lembrete:
Vc está companhando a saga "O Vingador de Lampião" desde o primeiro capitulo, então não pode perder o epílogo. Te espero por lá com seus comentários.
Abraços
Bela análise. E ainda não conhecia este filme. É verdade esta qualidade do cinema francês, desmascara e dilacera.
Com uma mae psicopata desse jeito o filme traz cenas de ação e ao mesmo tempo uam reflexão a pessoa que o assiste.
Filmes assim deviam semrpe ser levado a tona ao mundo que vivemos e como sempre vc faz uma abordagem rica que deixa os seus leitores sem palavras.
Abraços Cris
Nossa quase não consegui respirar lendo sobre...
Coisa de doido mesmo! acho que não conseguiria assistir ao filme...
beijos
Não conheço este filme...mas vou dar uma conferida depois da sua critica! abs
E pensar que haja mães que imitam a arte!
Ótimo comentário.
Felicidades,
Acredito que todos nós, em proporções diferentes, passamos pelo mesmo drama sofrido por Julien. Como o garoto, também vivenciamos a experiência da opressão que se estabelece de maneiras diversas. Há sempre algo ou alguém (ou até mesmo um estado psicológico)que funciona como um entrave para a plena realização dos nossos desejos e aspirações. Valeu por mais esse post! Abraço e ótima semana.
Gostei muito do seu espaço e do seu post tb.
Muito profundo. Ótima análise.
PS.: Já Estou te seguindo.
Por alguns instantes lembrei da minha própria mãe, eu nunca vi o filme, mas é compreensível que os pais ajam assim algumas vezes. Se bem que essa mãe foi a junção de todas as mães neuróticas-obcecadas-malucas que já vi. Ótima crítica mais um filme pra minha apimentada lista de tenho que assistir. Bjos
Não conhecia esse filme, mas com certeza me fez ter muita vontade de assistir a essa obra.
História muito interessante e, infelizmente, real em muitos lares.
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