Amores e dissabores

Ele Entre Eles, eis a esfera íntima cinematográfica do realismo do homoerotismo sensível. O dom do real em demonstrar como a vida pode ter os conflitos amorosos e existenciais. É um filme que prioriza a voz expressiva do cotidiano gay para conceber seu efeito, bastante eficaz e singelo. É a história perceptiva, narrada e vivenciada de Trevor Holden (Brent Gorski que é o autor-roteirista do filme): um jovem sensível, em meio à problemática de sua vida. O foco argumentativo do filme centraliza ele em meio ao convívio com seus melhores amigos, Jake (Jay Brannan) e Andie (Melissa Searing) - um é altamente imaturo, vive de sexo casual e não consegue se prender a nenhum homem; já a outra, sente-se solitária pois não consegue ter um namorado fixo, raros encontros com estranhos. Em meio à intimidade, amizade e cotidiano - Trevor enfrenta uma relação perigosa com seu namorado, Darrel (Christopher Wyllie): um viciado em drogas que o condiciona no inferno de vida. Como estabelecer a felicidade em meio a um mundo tão insatisfatório? Existe em Trevor toda a reflexão que permeia o sentido do filme: ele é infeliz, sente a necessidade de mudar seu destino a todo momento. E este drama dirigido por Rosser Goodman demonstra este retrato sobre o submundo das drogas, dos tais sofrimentos e vazios existenciais de Trevor em meio a sua relação com os outros. A dor maior em não se sentir útil? E de gritar sozinho? Todos buscam um retorno da vida. Com um olhar aguçado neste quadro de encontros e desencontros vivenciados pelo personagem central é que o filme se sustenta.

Trevor é o espelho da realidade homossexual, por que não humana? Um jovem dotado de anseios, com desejos e vontades próprias. Quer uma vida mais pacífica, cansou de estar imerso em frustrações conseqüentes de relacionamentos efêmeros. Cansado de presenciar constantes crises de abstinências, overdoses de heroína e de agressividade de Darrel - Trevor abdica de seu humanismo solidário, parte em busca de seu destino. Como ser mais pleno em felicidade? Procura um prazer, um orgasmo de vida. Inesperadamente, sua vida encontra um novo vigor: Ephram (Eli Kranski), um homem que se prontifica a salvá-lo. Como encontrar essa salvação quando tudo parece perder-se ao redor? Trevor encontra nele mais que uma sintonia, uma afinidade - um auxílio, um encanto masculino, um homem a quem pode recorrer sempre. Entre beijos que perduram, transas orgásticas incondicionais pela madrugada e papos íntimos que prefiguram a boa química sexual e sensorial - é que ambos percebem que precisam um do outro. E Ephram não mede esforços: tenta, a todo custo, conquistar o coração enfraquecido e conturbado de Trevor. O interessante é que este permanece num impasse ardiloso: ora, sustenta seu medo em aceitar o novo namorado - estará preso no auto-destrutivo viciado Darrell ou é medo de amar novamente? Ora, se prende ao emprego de baixa renumeração. Como atenuar seus conflitos internos? Como abrandar a confusão? Trevor não busca apenas sexo, o seu senso de contentamento está atrelado a outros mais fatores que não seja só o gozo proveniente do ato sexual.

O filme tem um teor de melodrama quando foca a percepção do narrador Trevor, visto que é um personagem introspectivo, mas bastante humano e tangível pela maneira como o roteiro o torna nítido. E é através de sua percepção que todos os demais personagens ganham sustância, determinam personificação ao redor dele. Qual maneira mais viável de esquecer problemas do passado e seguir em frente? Trevor representa um homossexual que enfrentou o descaso familiar, traumas de aceitação no passado e que, irremediavelmente, firmou sua identidade e opção sexual com o passar dos anos - obviamente, seu alicerce é a amizade bastante peculiar, íntima e incisiva de Jake e Andie - e, também, através destes que o roteiro exerce mais a ousadia e problemáticas: enquanto um é o símbolo do homem promíscuo, o auto-proclamado viciado em sexo, independente e também rebelde (características tão evidentes no mundo atual); a única mulher expressa no roteiro tende a ter crises de carência, não consegue viver se não ao lado dos amigos gays e, ainda, enfrenta a dor de ser soro-positivo. Eis os amigos do universo de Trevor: de um lado a companhia da promiscuidade, do outro a presença do HIV. E o roteiro não julga os personagens, coloca os problemas em evidência e há o senso de humanizá-los deliciosamente. É um trabalho sincero, ainda mais por adotar a linguagem narrativa naturalizada - inexoravelmente auto-depreciativo, reflexivo e realística abordagem. A dose permeia entre o humor sarcástico, ironia elegante e efeitos dramáticos que tornam a premissa comestível, degustável.

Entre os caminhos existenciais, sexuais e amorosos de Trevor - há a representação de um ser humano em busca de si mesmo, na sua jornada pessoal. Uma espécie de inspeção ao mundo gay, mas que abre os horizontes para a expressividade das relações de amizades e sexuais entre homens - amigos ou amantes - em busca de sentidos a suas vidas e relacionamentos. Como atingir todos os sentidos do coração, sexo e alma? O corpo sempre clama o sentimento - a carne, aflita, jamais se cansa de necessitar do sexo também. Trevor percebe que Ephram é mais que um amparo, é uma chance para renascer na própria vida - libertando-se dos tormentos passados, vivendo com a chama do prazer. Há uma direção que prioriza mais os diálogos francos, sensíveis e íntimos dos personagens - é difícil não se identificar com o personagem central. Há cenas que só são emocionais devido ao pouco uso de trilha sonora ao fundo, primeiro plano direcionado às sensações expostas pelos atores em cena. Talvez, um dos melhores filmes da esfera da homoafetividade. Testosterona, masculinidade e elegância. Experimente este mergulho humano delgado de franqueza.

Holding Trevor (EUA, 2007)
Direção de Rosser Goodman
Roteiro de Brent Gorski
Com Brent Gorski, Eli Kranski, Jay Brannan, Melissa Searing, Christopher Wyllie

28 opinaram | apimente também!:

Elton Telles disse...

Cris desenterra/encontra uns filmes que eu nunca ouvi falar na vida. E isso me frustra! rs

Gostei do seu texto, parece interessante e desafiador a viagem psicológica que o diretor parece propor ao protagonista aparentemente complexo. Seu texto deixou isso muito bem pontuado.


abs!

bruno knott disse...

Mais um filme que nunca ouvi falar mas que fiquei com vontade de assistir.

Dica anotada!

Abraços.

Luis Galvão disse...

É incrível como existem filmes com essa temática e que a maioria desconhece.

Serginho Tavares disse...

não conhecia...

Mirella Machado disse...

Cris desenterra/encontra uns filmes que eu nunca ouvi falar na vida. +1

No entanto, esse enredo eu achei ótimo. eu não sei te dizer ao certo em que ponto, mas eu me identifiquei com o Trevor só pelo seu texto, que por sinal está ótimo, resumindo, eu não conhecia, mas se eu topra com ele por aí... Bjos Blogmurus

cleber eldridge disse...

Cristiano, tenho alguns problemas com esse filme, que não foge muito do convencional, ou melhor ele não funciona comigo, não seiu explicar o porque.

Clenio disse...

Bah, nunca ouvi falar nesse filme. Ele existe em dvd no Brasil? Pareceu interessante, mesmo.
Adoro filmes onde o psicológico é mais importante que o físico.

Grande abraço
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

Edson Cacimiro disse...

Não vi o filme ainda mas só por essa sua frase : "Trevor é o espelho da realidade homossexual, por que não humana?" já da pra sentir o clima do filme e das abordagens.

abç.

Kamila disse...

Não conhecia o filme, mas adorei o texto! Parabéns! Vou tentar encontrar!

Rodrigo Mendes disse...

Como TODOS nunca tinha ouvido sequer falar deste filme.

Não sabia que a lista de filmes gays era tão interessante, rs!

Encomendarei!

E vou Experimentar este mergulho humano delgado de franqueza, rs!

Abs,
Rodrigo

Alan Raspante disse...

Filmes desconhecido para mim e mais uma vez parabéns por mostrar essas pérolas ao povo, rs
Preciso falar que quero ver o filme ?!
Abs...

Luis Fabiano Teixeira disse...

Oi Cris, vou tentar dar conta de tudo num coment só, mas se faltar alguma coisa, conversamos depois por msn. Vamos lá. Eu não conhecia esse filme também, mas fiquei entusiasmado para assisti-lo. Tenho me interessado bastante sobre essas questões do vazio e não tinha focado ainda em relacionamentos homoafetivos, essa busca por algo que não se sabe o que é, ao mesmo tempo tem a questão das drogas que surge como um perigoso escapismo, deve ser ótimo mesmo. Gosto muito de um filme argentino chamado "Mentiras y Gordas" que aborda as mesmas questões de forma impactante, eu adiria até bem chocante no final, sobretudo para a nossa geração menos "afeita" à dor, para usar um eufemismo. Sobre os coments no meu blog: Adorei e recomendo "O Céu de Suely", pena que as pessoas ainda não curtam tanto filmes nacionais, mas esse é bem bacana, por todos os motivos que descrevi, lá. A peça sobre a Clarice é maravilhosa, assistiria várias vezes também, mas esgotam os ingressos em dias, aí fica difícil. Sobre a saída do Brasil da Copa: faz parte, sim. Mas também não podemos fazer do futebol nossa única alegria, né? É isso. Obrigado pela visita e pelo link aqui no seu ótimo Apimentário. Como sempre. Beijão

Reinaldo Glioche disse...

Não conhecia esse filme. Parece interessante. Mais um belo trabalho de garimpagem hein seu Contreiras?

abs

Unknown disse...

Cristiano, obrigado pela visita e pelas palavras de incentivo. Repetirei o que eu escrevi após o seu comentário: seja bem vindo e fique à vontade para comentar o que quiser.
Gostei do seu blog. Além de belo e bem escrito, será útil às minhas consultas para assistir a um bom filme. Estava ainda sem uma "referência filmográfica".
Também te seguirei.
Abraços.

Franck disse...

A dica do filme é interessante, vou tentar encontrá-lo esse fim de semana!
Qto o 'Apimentário' n/estar 'linkado' entre os blogs do lado direito, se foi uma falha, já não é mais, pq agora estrá lá... e, tbém sempre venho ler os posts por aqui, e, vc tbém está me 'devendo' se linkar aos meus seguidores...(rsrsrsr)
Um gde abç e até breve!

Benjamin disse...

Muito inteligente e real, retrata a condição humana na suas esferas e cotidiano de cada um. Nos humanos somos parecidos, desfrutando de prazeres ou sofrendo conflitos, lutando com vícios o qualquer outra dificuldade.
Parabéns pelo belo BLOG.
Abraços Cristiano.

Guto Angélico disse...

Hum vou assistir! Gostei muito do tema, é interessante!

Parabens pelo pst Cris! Arrasou

Richard Mathenhauer disse...

Confesso: desconhecia a quantidade (e qualidade) de filmes com temática homoafetiva.

Legal seu trabalho de divulgar e comentar filmes, especialmente os que não caem na mídia.

Abraços,

Dewonny disse...

Aeee, cara, ando sumidaço, devido a falta de tempo, muito trabalho!
Mas tamos ae sempre lendo e comentando quando possível seus post!
Ñ conhecia esse filme, vou procurar pra assistir, parece interessante, tanks pela dica!
Abração! Diego!

Joel Martins Cavalcante disse...

Nossa, Cris, que texto bom!
Estou com uma vontade imensa de ver esse filme. Nunca tinha ouvido falar dele também.
Parabéns!

Tô Ligado disse...

Cara eu sempre passo por aqui, mas raramente consigo fazer um comentario pois seu blog é pesado e minha net eh DE escada... daí jáviu ne?

Pra variar, um ótimo texto!

Bom fds!

barulhos disse...

Devido ao texto, fiquei com muita vontade de ver o filme. Há muitos outros filmes para se descobrir neste lugar, procurarei mais.

Abraço.

Anônimo disse...

Gente....nunca imaginei que houvesse tantos filmes gays. Adorei o blog, parabéns.

João Sobreira disse...

Pelo enredo, parece ser sim um filme bastante interessante, além de propor uma temática tão delicada, mas tão bonita, que é o desejo humano. Fica a dica, com certeza!

Hugo de Oliveira disse...

Hum..queria muito o link desse filme.Você tem?

quero assistir.

abraços

Hugo

*** Cris *** disse...

Olá,td bem?
Só pelo seu comentário dá vontade de ver o filme.
Bjs!

ENDIM MAWESS disse...

O FILME PARECE QUE TEM BASTANTE CONTEUDO E SUA CRITICA TAMBEM

Unknown disse...

Alguém sabe dizer onde é possível baixar este filme? Todos os blogs que eu acessava não existem mais. =/

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