Dos laços de desejo

Como fugir da tentação inesperada? O sexo é um prólogo do amor incondicional? Há filmes que colocam discussões bastante envolventes sobre os dilemas da sexualidade — ainda mais quando são questionamentos reflexivos quanto à relação psicológica da idade, vida e da pertinência da importância do senso do sentimento humano. Em Fatal, filme dirigido por Isabel Coixet, baseado no livro de Philip Roth, a relação do sexo é um forte condicionamento do princípio argumentativo — mas, a trama conserva maiores elementos discursivos que não se mantém apenas na esfera do teor libidinoso. David Kepesh (Ben Kingsley) é um renomado professor literário e crítico cultural — é através desse personagem que todo o filme é desenvolvido, em sua percepção, numa narrativa que sempre usa do artifício da negação. Ele nos conta, numa espécie de reminiscência, sua vida repleta de vícios e promiscuidade. David atinge seus 70 anos de idade, sem jamais conseguir criar um vínculo sentimental, nem mesmo fiel, com alguma mulher. Fascina-se nos jogos de conquistas sexuais, no seu poder de flertar com suas alunas. Um típico homem libertino que objetiva transar com o maior número de mulheres. É pai de um problemático filho Kenneth (Peter Sarsgaard), fruto do primeiro relacionamento antigo que não conseguiu nutrir; e mantém um caso superficial, ainda que duradouro, com uma sucedida mulher, Carolyn (Patricia Clarkson). É quando conhece Consuela Castillo (Penlélope Cruz), sua aluna, de beleza estonteante e hipnótica que se torna seu novo objeto de desejo. Seria ela mais uma conquista sexual? A beleza da jovem, a inteligência sensível e a elegância são requisitos que atraem David. O tórrido caso inicial torna-se um gradual ciúme doentio quando eles passam a vivenciar uma relação que tende ao perigoso.

É possível obter um orgasmo antes mesmo de transar com a pessoa? A overdose de desejo, delírio sexual e tesão são sentidos evidentes no roteiro. David torna-se viciado em Consuela, ainda que tema que o relacionamento seja inviável, devido à diferença exorbitante de idade. O sexo define inicialmente a relação que se sustenta no vício do corpo, no compartilhamento de transas furtivas sem a conotação sentimental. David vê o casamento como um martírio, uma detenção que jamais pode se permitir. É a representação do crítico masculino contra a monogamia, alguém que foge do conservadorismo estabelecido pela sociedade que acredita no casamento. É um homem que prefere manter relacionamentos sexuais sem o aprofundamento do sentimento. É possível viver apenas de sexo sem afetividade? Mas, aos poucos, Consuelo mexe com toda sua vida — o professor desespera-se ao sentir ciúme, a insegurança crescente e indisposição de ser possivelmente descartado pela moça. Dos encontros orgásticos de tanto sexo, ambos passam a conviver harmonicamente: eis a felicidade sexual ou o surgimento de uma paixão inebriante? O desejo sempre surge antes do sentimento? Como se manter longe do objeto de desejo? David se sente, cada vez mais, entregue à inabalável sentimentalidade mesclada ao sexo diário. A problemática surge quando o ciúme torna a rotina no mais absoluto descontrole; a desconfiança passa a ser vivenciada. Será que Consuelo realmente seria fiel a ele? Como superar a diferença de 30 anos de idade entre ambos? A preocupação com o corpo perfeito, com o sentido de que só a beleza física seja sinônimo de satisfação, também são sentidos abordados no decorrer do filme.

E não só o condicionamento sexual é pautado no filme. O enfoque reflexivo sobre a sedução, o papel do homem contemporâneo libertino e o poder de submissão ao sexo são aliados ao maior argumento: o envelhecimento. É esse sentido que dita todas as regras questionadoras do roteiro. David é inseguro quanto a sua idade perto de Consuelo — troca confidências com seu amigo George (Dennis Hopper) que, assim como ele, é outro homem que não lida tão bem com seu envelhecimento. George trai a mulher para se auto-afirmar, procura jovens adolescentes para sexo casual. A temporalidade não deveria acompanhar a maturidade? É inegável como o ser humano não se aceita velho, preocupa-se com o corpo enrugado e procura o sexo como forma de escapismo. David exerce seu distanciamento quanto à sentimentalidade por crer na ilusão amorosa. É o homem embrutecido pelo tempo que tem medo da morte, no fundo alguém que teme a própria solidão. Apesar de toda sua sapiência e intelectualismo, sente-se inseguro pela jovem sagaz que o desconcerta, por ser cheia de vivacidade. Somente Consuelo poderia modificá-lo intimamente? A beleza, o comportamento e passionalidade feminina da moça exercem um poder de transformação na vida dele. Eis que a beleza pode não só cegar, mas transformar e revelar as pessoas.

O filme mostra essa relação do tempo, de como a vida pode ser puramente efêmera. O importante é experimentar o prazer com o alicerce da sentimentalidade. O que importa para o tempo quando se ama alguém? É no segundo ato do filme que as reflexões se tornam frequentes, contundentes. É irônico observar um homem na meia-idade que aprende o poder do sentimento, da auto-confiança e da necessidade de intensidade emocional com uma jovem. A correta direção de Isabel Coixet pressiona nos jogos de diálogos, olhares e pensamentos expostos de um entrosamento eficiente de Ben Kingsley com Penélope Cruz — o tom inicial de erotismo sexual transforma-se num drama muito mais sentimental, é quando seus personagens entendem o aprofundamento da relação. O ser humano teme se decepcionar a ponto de se fechar, tranca-se com medo do sofrimento, daí não se entrega. A sensualidade em certas cenas são favorecidas pela hipnótica presença de Cruz que aparece semi-nua, delicada, numa representação que valida o seu personagem como foco de desejo. Por mais que uma relação seja mais bem viabilizada pelo vício carnal, jamais se sustenta com a ausência de afetividade. A película deliciosamente explora o poder que o amor pode proporcionar a um ser humano, junto com a descoberta do sexo ardente. "Pode achar alguém tão encantador, sem ter sexo?" - pensa David, em certo momento do filme. Puramente belo, contido e plenamente realista.

Elegy (EUA, 2008)
Direção de Isabel Coixet
Roteiro de Nicholas Meyer, baseado no livro de Philip Roth
Com Ben Kingsley, Penélope Cruz, Dennis Hopper, Patricia Clarkson, Peter Sarsgaard

25 opinaram | apimente também!:

Alluc disse...

Ahh, com certeza um filme que todos devem assistir...
A discussão o desenrolar dos conflitos e dúvidas são muito reais e fortalecem o seu Eu!
Te fazem ver e acreditar no que esteve vivendo...

E aquece o sentimento, todo de desejo!

Simples...
Incrível...
Ardente...
Provocante!

renatocinema disse...

Com dois atores talentosos como protagonistas e um ponto forte e rico como esse na trama realmente quero assistir.

Anônimo disse...

Caraca! EU AMO, SOU SUPER FÃ DE PENÉLOPE CRUZ!
Como não pude assistir este filme??

ME EMPRESTA CRIIIS!

sacolé disse...

Não conhecia esse. Parece ser bom.

Flávio disse...

Fantástica sua crítica sobre Fatal.

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Parabéns pelo novo texto, parceiro!


Ó, o "Festim" está no ar por aqui!

Obrigado pela autorização.

=)

Abraçoooooooooo

Ricardo Morgan disse...

Já ouvi falar bem desse filme mas ainda não vi! Abraço!

Kamila disse...

O Philip Roth gosta bastante de histórias assim, em que homens experientes se envolvem com mulheres que buscam a segurança e a proteção de um relacionamento com alguém mais velho. Eu sempre avalio "Elegy" em comparação com "A Marca Humana", outro filme baseado em uma obra do Roth. E esse filme da Isabel Coixet dá de capota no do Robert Benton!

Adoro a performance da Penelope Cruz aqui!

Mateus Souza disse...

Esse é um filme pequeno, que passou despecebido quando foi lançado por aqui. Uma pena, pois é um ótimo filme.

A sensibilidade com que ele é levado, ao lado da seriedade e realismo, é ponto forte.

Assisti a algum tempo e gostei bastante.

Gabriel Neves disse...

Esse eu ainda não vi, é só dizer que tem Penélope Cruz que já me atrai. Vou parar de dizer que seus textos estão excelentes, está se tornando repetitivo já, rs.
Abraços, já estou esperando tua próxima crítica.

Amanda Aouad disse...

É um filme interessantíssimo mesmo, bom resgate. As reviravoltas também são interessantes e a forma como David se deixa levar pelo "se" nas discussões com o amigo.

Ah, dei um selo pro Apimentário. Veja lá no final do post Nosso Melhor Ano.

bjs

Mirella Machado disse...

Ah, eu não me agradei com esse filme tanto quanto vc. Algo nele me fez pensar que era chato demais, o tipo de filme que só conseguimos assistir uma vez, mas sua crítica estva ótima. Abraços e desculpa qaulquer coisa.

Jonathan Nunes disse...

A Penélope está incrível nesse longa,assim como todo o elenco de apoio e o seu texto.

Abs.

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Aí está o que eu esperava sobre o filme!

O texto segue a mesma linha da sugestão, e isso já me encantou de cara. Aliás, o "encanto", algo que lhe é muito caro, floresce nesse texto de forma linda. Parabéns.

Mas o mais legal desse texto sobre o "Fatal" (eu acho o título original mas propício, não achas?), foi a abordagem do distanciamento e aproximação entre as personagens.

=)

Pergunta: tem previsão para o "Morte em Veneza"? Depois desse post, a curiosidade bateu ainda mais!

Otoni disse...

Nossa ou add na minha lista!
Fantástico!

chuck large disse...

Filme com Ben Kingsley e Penélope Cruz deve ser muito bacana, gosto dos dois atores em cena. Muiyo bacana enfatizar a tensão sexual que se passa com David. Ótimo texto, me deixou perdidamente com vontade de conferir.

Abraços,
sebosaukerl.blogspot.com

Pedro Henrique Gomes disse...

Assisti somente uma vez este Elegy, e não fui embriagado pela relação dada no filme. Ben Kingsley é um ator grandioso, mas o filme carece de uma potência narrativa que lhe possa libertar da insanidade barata das relações de afeto. Não vejo tanto um filme "puramente belo, contido e plenamente realista". Contido, sim, até, mas num sentido de não se utilizar por completo. Muito disso deve-se a minha aversão a Philip Roth, talvez.

Elton Telles disse...

Não vi ainda =/

Dennis Hopper comparou a Penelope Cruz com Sophia Loren neste filme. E ainda não vi... q mancada a minha.

Matheus Pannebecker disse...

Gosto muito das histórias contadas nos filmes da Isabel Coixet, mas sempre fico com a sensação de que falta uma direção mais contundente. Não foi diferente com "Fatal", um filme bem escrito e com boas atuações, mas que não tem uma direção mais interessante...

O Maldito Escritor disse...

Ô, esse é dos bons hein... Penélope tá bem gostosa nesse...

Unknown disse...

Ainda não ví esse mas pela sua descrição parece muito bom!

Fiquei curiosa pra ver, eu gosto de filmes que questionam a sexualidade e os sentimentos das pessoas!

Belo blog!

Bjoo!

Cocada.g disse...

Sou muito fã da Penelope Cruz e o enredo do filme promete se realmente muito bom! Essa questão sobre sexo e amor é bastante complicada. Realmente será se vc pode amar alguem sem poderar tanto a questão sexual? Belo filme, vale a pena assistir!

abraços!

Rodrigo Mendes disse...

Você não tinha postado sobre o filme antes?

Enfim,sempre gostei do Kingsley e a Penélope fica bem em cenas sexuais. Porque será né? Rs!

Abs.
Rodrigo

Mayara Bastos disse...

Gostei de como a diretora usou o tema, com muita sutileza. E o elenco está ótimo, especialmente Penélope. ;)

George Luis disse...

Gostei bastante deste filme. Gosto de surpresas.
E ele vai nos conduzindo sem revelar o destino final.

Elenco também merece os devidos aplausos!!

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