Carne Trêmula

A dificuldade de amar alguém, de se envolver sentimental e intensamente, a ausência de comprometimento — pessoas que preferem manter uma relação firmada apenas no sexo, sem afeto. É o sexo pelo sexo, é o contato casual, efêmero. Inúmeros seres humanos adentram o terreno da promiscuidade, fazem sexo por impulso e apenas pra satisfazer as necessidades da carne. Sob esse princípio, o diretor canadense Clèment Virgo expõe o soft-porn Deite Comigo. No período de lançamento, este filme obteve um fenômeno de acessos no youtube com o trailer já ousado, e exerceu polêmica ao receber censura em alguns cinemas americanos. A produção, plenamente erótica, é um estudo sobre os conflitos do desejo e sentimento, das carências afetivas que condicionam a sociedade moderna libertina. Funciona como uma caracterização real sobre a ninfomania, já que coloca a protagonista com essa característica comportamental. Leila (Lauren Lee Smith) não consegue se envolver emocionalmente com ninguém. Seu cotidiano se resume a transas rápidas com diferentes parceiros por semana. Logo em sua primeira cena, resume-se todo o vício da inclinação sexual da jovem — exibe Leila em frente à televisão, masturba-se ao ver vídeos pornográficos. A típica mulher lasciva que busca apenas o orgasmo com um desconhecido, impulsionada pela libido desenfreada. Trepa com homens, freqüenta baladas noturnas e ainda assim não consegue se satisfazer. Até que conhece David (Eric Balfour), numa boate, por acaso. O encontro de ambos é adornado de alta tensão sexual — enquanto Leila é penetrada por outrem, David a observa dentro do seu carro ao receber sexo oral de sua namorada. Do aparente desejo, surge uma paixão que pode humanizar as percepções de uma mulher que jamais encontrou um amor. E, ao partir desse senso, o filme evoca a relação selvagem sexual que culmina num sentimento gradual entre duas pessoas.

Totalmente provocativo, orgasmático, sensual, o filme explora ao máximo a relação libidinosa e selvagem de Leila com David — o limitado roteiro centra-se nos diálogos objetivos que evidenciam o caráter malicioso e que escancara a fixação da humanidade que vive pelo sexo. Pontuado em off, sob as sensações e ótica de Leila, é perceptível a discussão sobre relacionamento casual: é possível entender quando alguém só quer transar com a outra e nada mais? Para Leila, sua vida só logra sentido quando ela transa — "Eu só queria trepar. Isso é o bastante". Sempre insaciável, a jovem inquieta-se ao perceber que sua relação com David fomenta um senso sentimental. É quando a necessidade da carne parece também ser a da alma, do coração, da vontade de carinho e companhia. É possível fazer sexo com alguém que ame? Pode haver desejo por apenas uma pessoa?

Permeado de cenas calientes, quentes e explícitas de sexo — Clèment Virgo enriquece seu filme com inclinações ousadas, como forma de fechar as lacunas do limitado roteiro. Diversas cenas de nudez extrema, gemidos, sexo oral, penetração e também sodomia são explorados pelo casal. A linha entre erotismo e pornográfico é tênue, visto que o diretor não tem reservas em mostrar os corpos nús dos atores e desenvolve cenas bem naturalizadas, agressivas. A química de Lauren Lee Smith com Eric Balouf é nítida, ambos não escondem as personificações lascivas de seus personagens, entregam-se totalmente. Há ainda uma polêmica seqüência onde Balouf exibe seus atributos físicos e expõe o próprio pênis ereto numa representação de sexo oral. Tanto essas cenas quanto as de sexo anal receberam censuras em alguns países. Bastante cru, irrestrito e realista, o filme não dialoga apenas com as intimidades de uma relação sexual a dois. Pauta também os medos, fragilidades e conflitos de pessoas que se viciam na combustão sexual e evitam o afeto. Troca-se sexo selvagem por amor?

A atmosfera de luxúria se firma nas imagens — recurso imagético adotado pelo diretor que utiliza de símbolos vermelhos para sustentar um visual propenso à sexualidade que tanto o filme dispõe. Desde as roupas, cabelos e batons vermelhos de Leila; às paredes, objetos cenográficos e luzes com tons rubros da casa de David. A fotografia também acentua o tom quente, ensolarado, talvez para fundamentar a atmosfera de desejo do casal ou climatiza apenas o verão que é a estação do ano predominante na circunstância da narrativa. A coragem de Lee Smith e Balouf é perceptível na entrega das cenas de sexo, porém a satisfação maior é quando os personagens sofrem a catarse da maturidade sentimental. Afinal, amar também é um princípio que leva ao orgasmo do próprio âmago. E prazer se descobre através da amorosidade a dois. Quente, vermelho, eis o tesão humano.

Lie to me (Canadá, 2005)
Direção de Clèment Virgo
Roteiro de Clèment Virgo, baseado no livro de Tamara Berger
Com Lauren Lee Smith, Eric Balfour, Polly Shannon, Mayko Nguyen

21 opinaram | apimente também!:

M. disse...

Uau! Por um momento pensei que você estivesse escrito algo sobre o filme de Pedro Almodóvar!

Mas pelo que estou lendo aqui neste momento, este filme vale a pena ser assistido. Título do post, texto e filme, tudo a ver! Abraços.

Marcos Nascimento disse...

Porque se entregar ao desejo, só pelo desejo, parece tão errado? Será que é porque as vezes parece que queremos alcançar mais do que aonde a mão chega?

Satisfazer seus próprios desejos não deveria ser algo tão condenável. Afinal, algo que faz tão bem não pode ser ruim pra ninguém.

Amo seus textos, amo seu blog...

Adecio Moreira Jr. disse...

"...a satisfação maior é quando os personagens sofrem a catarse da maturidade sentimental. Afinal, amar também é um princípio que leva ao orgasmo do próprio âmago."

É por isso que eu amo os textos apimentados daqui.

Adecio Moreira Jr. disse...

"...porém a satisfação maior é quando os personagens sofrem a catarse da maturidade sentimental. Afinal, amar também é um princípio que leva ao orgasmo do próprio âmago."

É por isso que eu amo os textos apimentados.

renatocinema disse...

Como a colega falou no primeiro comentário pensei que você Almodóvar, um grande ídolo que tenho.

Mas, o seu texto deixa o desejo e o tesão prontos para assistirmos essa produção.

Vou buscar urgente.

Mas, estou muito ansioso pelo seu texto sobre o filme Closer - Perto Demais. Uma obra que amo de paixão. Um dos meus prediletos, sem dúvida alguma.

Sandra Cristina de Carvalho disse...

Cris,

Gostei da frase "...E prazer se descobre através da amorosidade a dois ".

Dá uma vontade imensa de assistir ao filme, dá tesão e imagens atiçam minha imaginação.
Fica a questão: Até que ponto a realidade deve suplantar a arte?
Sim, porque muito realismo peca pelo excesso, não?
E arte só é arte quando podemos brincar com o imaginário.
Se essa permissividade se acopla ao contexto, onde fica a graça do faz-de-conta?
Simular o ato sexual é muito mais provocativo do que assimilar o explícito.
Ainda que não seja um filme pornô, essa irrestrição às cenas pode comprometer ao que nomeamos de ARTE.
A fantasia cede para a existência realística, da qual estamos acostumados a fazer parte.
Idealizar é mais prazeroso do que assistir a um pênis ereto e não ativar a nossa curiosidade, imaginando como esse órgão seria ao invés de sabê-lo.
Será que o diretor é do time dos que acham que: Se não vê-los, como sabê-los?
Seu texto como sempre um deleite, intenso, pleno, delicioso...

Brad disse...

O que é, afinal de contas, cultura cinematográfica? Quando se pode dizer que determinada pessoa tem cultura cinematográfica? Apoiando-me numa preciosa definição do falecido crítico literário José Paulo Paes, tradutor e ensaísta de grande renome, vou tentar expandir o seu conceito de cultura para o cinema. Disse ele numa palestra: "Cultura não é acumulação de informação, é assimilação de informação, é tudo aquilo de que a gente se lembra após ter esquecido o que leu. A cultura se revela no modo de falar, de sentar, de comer, de ler um texto, de olhar o mundo. É uma atitude que se aperfeiçoa no contato com a arte. Cultura não é aquilo que entra pelos olhos, é o que modifica o seu olhar. (Veja bem, a observação, aqui: "Cultura é o que modifica o seu olhar"). Não é preciso ler muito, mas ler bem". Procurando aplicar, ao cinema, o que José Paulo Paes definiu como cultura, podemos dizer que o verdadeiro cinéfilo é aquele que assimila bem os filmes vistos e, por conseguinte, lembra-se de certas sequências após ter esquecido o que viu. Existem, infelizmente, pessoas que assistem aos filmes como produtos meramente descartáveis, esquecendo-os completamente pouco tempo depois de tê-los visto. Ora, pessoas assim não podem ser consideradas cinéfilas, porque, para poder ostentar esta condição, de apreciadoras do cinema, devem, antes de tudo, assimilar bem o que viu para, então, ter, até, modificado o seu olhar pela influência de certas obras fundamentais.

cleber eldridge disse...

O protagonista é simpatico sem dúvidas, é um história sensual e que decola, mas, parece que faltou algo.

Eric disse...

Vi esse filme num festival do RJ. A galera na fila chamava de pornô fofinho, mas o filme não é lá muito fofo. Agora não sei se vi a versão com cortes, fiquei curioso. O roteiro é mesmo bem limitado, mas a visão do diretor enriquece o filme. É interesse ver que mesmo na casualidade duas pessoas podem se tonrar extratamente atraentes e interessantes uma para a outra.

=*

Rodrigo disse...

Adorei o post, contudo mais uma vez não assisti o longa em questão. Me parece interessante, quem sabe vejo um dia. Abraços.

Kamila disse...

O filme tem uma premissa interessante e, como você bem nota, existe a química entre os dois personagens principais, mas falta mesmo algo para que o filme decole. É uma obra somente regular.

Bruno Etílico disse...

já vi esse filme e super adorei sua resenha!!!
aliás, sabe que aqui é o lugar que eu entro pra descobrir ou redescobrir algum filme pra eu assistir, né?
rs


bju

Unknown disse...

Nada tenho contra a ideia de um filme que explore a efemeridade das relações sexuais de nosso tempo, desde que haja algum propósito que não excitar a plateia - se quisesse me excitar unicamente, procurava logo um filme pornô. Você diz que o roteiro é limitado, portanto não vejo grandes motivos para assistir Deite Comigo.
Pelo menos não parece ser o típco filme que tenta ser celulóide - já viu o desastrado Entre Lençóis?

Ricardo Morgan disse...

Humm caliente heim! Sempre com filmes que não vi! kkkk Pior é eu ver o filme e ver o "Marcos Mignon" como protagonista! hehehe

Abraços

João disse...

sempre aprimorando um tesão a mais
sempre estável e imóvel
abrçs;

Gabriel Neves disse...

Se esse filme for tão delicioso quanto o seu texto, então mal posso esperar para vê-lo, hehe.
Abraços.

Edson Cacimiro disse...

Eu amo a trilha sonora desse filme.

bruno knott disse...

Esse filme é extremamente sensual... é um soft porn mesmo e tem lá suas qualidades!!

Alyson Santos disse...

Quando vi "Carne Trêmula" achei que era algum repostagem, pois só tenho o filme do Almodovar aqui comigo porque li sobre ele aqui. Mas, dessa vez não foi diferente, ja estou colocando pra baixar o filme que, segundo seu texto, parace ser extremamente sensorial e gosto disso.

Abraço!

Victor Yamaguchi disse...

Assisti esse filme há algum tempo na televisão e o seu post me fez lembrar dele. Algumas cenas, realmente,eram bastante sensuais e realistas. Havia química entre os personagens e foi isso que me fez assistir o filme até o final. Nada pior do que cenas de sexo forçadas...

Naty Furiosa disse...

Shit!, eu assisti desde o primeiro momento em que eu li esse texto sobre ele em seu blog me torturei querendo assistir, até que surgiu a oportunidade e baixei *-* e não me arrependi, quer dizer me arrependi um pouco e sofri, pq eu não tenho um "David" ecomo gostaria de ter, o filme excita vc por mais que não queira. .-.

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