Sonhos e desejos?

Inesquecível, ainda que imerso numa linguagem do melodrama novelesco, consegue ser plausível por pautar como o contexto de amizade/amor sofre interferências do ciúme doentio que ocasiona a culpa amarga. Este filme nacional é inspirado em um conto do escritor uruguaio Horácio Quiroga. O foco é na história de três únicos personagens: Laura Monteiro (Guilhermina Guinle) é uma estilista bastante talentosa, extrema profissional dedicada. Numa viagem à Buenos Aires, ela envolve-se rapidamente com Guilherme (Caco Ciocler), um fotógrafo underground que tem prazer em fotografia erótica. Tão logo se conhecem: o sentimento de Guilherme por Laura é evidente, eis que o sexo ocorre em tão poucos minutos entre os dois: transam, ardentemente, uma noite inteira no mesmo dia que se conhecem. Mas, há mais problemas pela frente. O abalo? Laura está pra se casar com Diego Borges (Murilo Benício), um ator e produtor bem sucedido de cinema. O recurso do melodrama se intensifica: Guilherme é o amigo de infância de Diego, ambos têm uma amizade que beira à cumplicidade incondicional. Atormentada pela coincidência macabra do destino: Laura e Guilherme sente-se aflitos, angustiados e o conflito emocional entre os dois transparece pra Diego. Como lidar com uma suspeita de traição? O maior tormento do roteiro é mostrar como um ciúme pode provocar a destruição de um sentimento. Pior: a traição trata-se de um abalo trágico e que pode cicatrizar uma vida inteira. Laura é o foco feminino e elo sensual do filme: é o desejo entre os dois homens e também é motivo de sentimento de ira. Ela vive entre o medo de ser descoberta pelo marido e o sentimento de culpa, crescente martírio, crescente dentro de si.

Como atenuar um desejo que corrói a alma? Pois, Laura não consegue parar de desejar o melhor amigo do marido: com ele, há um ato sexual mais denso, mais ousado e os gemidos são atos libertários de seu prazer. Ela não consegue se libertar do desejo por Guilherme, ainda que se sinta incomodada em dissimular uma fidelidade ao marido. E Diego passa a sentir que há sujeira por baixo do pano do seu casamento à medida que o triângulo começa a se fortalecer - com amor, ódio e sexo evidente. O que fazer para driblar uma situação que beira ao caos? O filme não ousa em expandir personagens secundários, todo o foco narrativo se acentua nos três: por isso, o clima de intimidade prevalece com muito tormento e clima de preocupação. A traição provoca uma catarse entre os três, ninguém consegue se desvencilhar das conseqüências que este ato provocou no relacionamento. E tudo vem à tona: as fragilidades da amizade de Diego com Guilherme sofrem certos deslizes, Laura passa a sentir-se angustiada e sofre por ter cometido a traição - acredita ter perdido a identidade após ter enganado o marido, num misto de sofrimento e nervoso. E o roteiro mostra como a traição soa como algo irremediavelmente sem reparo: condenados, desorientados e aflitos, Guilherme e Laura temem perder até a felicidade a dois.

Através do sentimento de culpa que reservou aos traíras, percebe-se o tom negativo: é como se o ser humano não tivesse direito a retratação, após cometer um erro contra outro. Ninguém tem direito a se libertar de um sentimento de culpa? Como mostrar que se arrependeu pelo crime de traição ao próximo? O clima avança num teor de tormento, sufoco e beira à alucinação: Diego, desconfiado, concebe um jogo psicológico de revolta e vingança surpreendente aos dois traidores. Todo ser humano trai? O que determina esse comportamento? A carne é fraca: o coração também? A direção de Paulo Sérgio Almeida não é inovadora, seu tom novelesco é evidente em várias cenas e certas motivações dos três demonstram isso - ainda sim, a passionalidade e os conflitos de ciume/traição conseguem ser absorvidos. Mistura de teledramaturgia com cinema?

Murilo Benício concebe uma boa caracterização; Caco Ciocler se sobrepõe mais na metade do filme e Guilhermina Guinle personifica a amante feminina que atordoa os másculos do filme - apesar dela ter traído o marido e envolver-se no desejo sexual com outro homem, busca a redenção em si mesma e quer livra-se do estigma de ter se submetido aos desejos da carne. Ela tenta fugir dos pecados e dos erros durante todo o filme. Ainda que limitado, o roteiro proporciona humanização. E a traição realmente pauta toda a narrativa do filme: é através dela que os personagens envolvem-se numa teia de alucinação, drama surreal e aflição íntima.

Inesquecível (Brasil, 2007)
Direção de Paulo Sérgio de Almeida
Roteiro de Paulo Sérgio de Almeida
Com Murílo Benício, Guilhermina Guinle, Caco Ciocler, Fernanda Machado

33 opinaram | apimente também!:

Anônimo disse...

...fiquei curiosa...
...traição é sempre um tema recorrente...e parace tabu...
Beijos
Leca

Alan Raspante disse...

Mais um filme que ainda não vi, ou melhor, não sabia da existência, a história parece ser massa, gosto de filmes que tratam da traição !
#adoroverocircopegarfogo!
UAUHSUHAUHSUAHUHS

Alexandre Maia disse...

Muito obrigado, fico feliz que curtiu, sera um prazer te-lo em meus contatos. Seu blog é muito bom tbm.
grande beijo e fique com Deus

Cintia Carvalho disse...

Oi Cris!

Meu jovem obrigada pelas boas vindas e pelo carinho.To de volta.

Depois com calma e tempo vou voltar aqui no apimentário para ler alguns de seus textos e me atualizar.

Ah, manda para mim o link da votação. Ficarei aguardando.

Um beijinho carinhoso.

Tania regina Contreiras disse...

Leio e volto ao início do seu post com uma pergunta: e a vida não é mesmo, muitas vezes, feita de melodramas novelescos??? Claro que não vi o filme ainda, porque você ainda vai me emprestar (hehehe), mas gostei da fluidez do seu texto no post. No mais, traição, coincidências desastrosas...gente: quem copia quem, a vida à arte ou a arte à vida? Vai lá se saber...

Beijos,
Tânia
P.S. Cadê, já pediu votos aos seus mais de mil seguidores? Seguintes podem ser amigos e dar força, né não?

Juan Moravagine Carneiro disse...

O perigo de adentrar em seu espaço é que seus textos sempre nos levam a assistir o filme que cita...


abraço

Cristiane Costa disse...

Olá meu AMIGO Apimentário,

Sua resenha está ótima, como sempre! Queria eu escrever como você,rs!

Então, Cris, é um filme bem novelesco porém a traição em si já tem uma forte tendência a ser uma novela, de dramas escancarados, prováveis tragédias e muito sexo, culpa e falta de perdão. Além disso a platéia adora isso, convenhamos tomo mundo gosta de ser voyeur de um bom erotismo novelesco e de uma boa confusão conjugal.

Eu gostei desse filme, mesmo parecendo uma novela global porque o trio tem uma química boa, principalmente os amantes, além disso Guilhermina está bem, nunca fui fã dela mas aqui ela tem uma certa sensualidade, beleza e está entregue ao desejo e à culpa.

Achei que o filme dá uma ênfase ao tesão inicial dos amantes e a traição que não esperava o próximo encontro. O tesão foi bem transmitido, pelo menos, a mim e acho isso sincero por parte do roteiro porque, na verdade, quando o desejo dá aquele impulso fenomenal muitas vezes a traiçao é iminente, o sexo idem.

A sua frase "E o roteiro mostra como a traição soa como algo irremediavelmente sem reparo: condenados, desorientados e aflitos, Guilherme e Laura temem perder até a felicidade a dois."

É isso mesmo! A traição aqui é dolorosa e irreparável. Nesse ponto, acho que esse filme brasileiro é mais verdadeiro do que o Infidelidade do Lyne, mesmo que seja de menor qualidade cinematográfica. Digo isso porque, é difícil o homem perdoar uma mulher traidora. Homem não aguenta o peso do chifre, e se envolver amigos e a traição for exposta ao público o tornando um corno popular aí que o negócio pega pesado.

Bjs!

Luciano Azevedo disse...

A traição tem um alcance maior do que aquele comumente imaginado: a pessoa, o relacionamento. Além desses elementos, a traição recai sobre todo um investimento afetivo, emocional, em suma, espiritual, que fazemos. Esse investimento não se faz apenas em alguém ou num relacioamento, mas nas convicções mais íntimas que construímos durante uma vida inteira. Por tudo isso, abomino-a. É isso.

Ygor Rodrigues Salgueiro disse...

Ei Cristiano, também adorei seu blog, prometo acessar sempre, já está no favoritos.

Obrigado por entrar no meu mundo abstrato, visite mais vezes.

abração ; *

Rodrigo Mendes disse...

OI Cris!

Esse filme teve muito cara de folhetim. Não gostei muito. Vício de alguns cineastas cabeças de TV!

Outros exemplos nacionais: OLGA, DOM, PRIMO BASÍLIO e ROMANCE, trazem um "verniz Rede Globo" que me irrita. E todos, tem ótimas premissas, presas num âmbito narrativo errado.

Pena! Mas o cinema nacional tem mais coisas boas. Comece assistindo: LIMITE de Mário Peixoto, vai indo... passe pelo Cinema Novo - Glauber (apesar de chato e engajado é bem feito tecnicamente) e chegue nos anos 70-80, ex.: PIXOTE de Babenco e termine com Waltinho Salles (Linha de Passe) e Meirelles (Domésticas).
Verás na fotografia, na concepção paisagística e nos móveis o que estou dizendo. Outro ambiente. O de cinema!

Abs!

Ju Fuzetto disse...

Bom dia Cristiano!

Muito legal teu espaço!!!

Obrigada pelo carinho lá no meu cantinho!!!

Ainda não assisti esse filme, mas pela maneira que tú descreveste, fiquei curiosa!!!

Paraabéns você tem um jeito de escrever super legal e irreverente!!!

Virei fã!!
bom final de semana!!

bjo

Guará Matos disse...

Com essa indicação, deve ser um bom filme.
Abraços.

Anônimo disse...

Vou procurar esse filme. Sua cretica foi instigante.
Blog bacana. ;-)

Amanda Aouad disse...

Eu tinha visto uma reportagem no Canal Brasil e fiquei curiosa, agora vou procurar para assistir.

bjs

Dil Santos disse...

Oi Cristiano, tudo bem?
Menino, parece ser bom o filme, esse tema sempre dá pano pra manga né? ahahahahah
Ô menino, brigado pelo comentário, fico feliz q goste do meu cantinho, rsrs
Quero te pedir q ore pelo meu amigo, nesse momento todas as orações estão sendo bem vindas, sei q Deus irá curá-lo, tenho muita fé nisso.
Abraços
:)

GabrielSig disse...

Cinema nacional tem bons filmes, não só aquelas pornochanchadas e comédias provenientes da TV! E quanto a traição, ela pode ser mais surpreendente do que os roteiros mais inacreditáveis do cinema!

Willian Lins disse...

Eu não sei onde você encontra tanto filme bom!
O Apimentário é minha 'Filmoteca' virtual. Sempre que tô afim de um bom filme venho aqui pegar algumas dicas, e sempre gosto.

Abraço, coisa chata!

BRENNO BEZERRA disse...

Tenho uma dívida a pagar com o cinema nacional.

Carla Marinho disse...

Oi Cristiano, tudo bem? Ja conhecia seu blog e gosto dele! Obrigada por linkar o purviance. Estou no aguardo do banner. bjs

Carla Marinho disse...

Oi Cristiano! To seguindo já. Me manda teu banner pra eu colocar lá. se quiser o meu, tem disponibilizado no blog purviance. bjs

M. disse...

Oi Cristiano, adoro vir aqui ainda que não seja para comentar em seu blog. Também sou seguidora sua viu?! Obrigada pela visita ao SALA LATINA DE CINEMA. Gostaria de ter um banner do apimentário para colocar lá no meu blog. Meu email é: mlsmhispamerica@gmail.com

Um abraço.

Jairo Cerqueira disse...

Pelo visto, mais uma obra a se opor à cultura ocidental da monogamia. Me parece interessante e polêmico.
Vc é fera, cara!
Bom final de semana.

Daniel Braga disse...

Nossa.. quanta honra receber um comentário seu no meu blog, já sigo seus passos tem um tempo também. Adoro ler sobre os filmes, por mais que não comente muitas vezes aqui, rs.

~Até a próxima.

*DB*

Mirella Machado disse...

Mais um filme que ainda não vi [2]
Mas esse filmes que parecem novela das oito da Rede Globo não me chamam muito a atenção não. Bjoss

M. disse...

Oi Cristiano, adoro seu blog! Eu sigo seu blog sim! É que você tem muitos seguidores e talvez não tenha me visto por lá.

Ah! Lembrei: Acho que eu te sigo através do blog que escrevo em parceria com a Carla Marinho, "O filmes que vejo", que aliás é um muito mais dela que meu. Eu só sou colaboradora. Obrigadíssima pelo selo! Viu? Eu já o colei lá no SALA LATINA DE CINEMA ! E você é uma pessoa muitíssimo inteligente que sabe fazer uma excelente apreciação crítica, com o melhor uso do seu idioma. Isso é para poucas pessoas, digo, raras.

pseudo-autor disse...

Todo mundo que me comentou desse filme só falou da beleza da Guillermina Guinle. Confesso que não tenho admiração pelo diretor, muito menos por esse universo novelesco (que me faz lembrar logo de cara a Rede Globo e aí eu desanimo, pois não curto o trabalho da emissora).

Cultura? O lugar é aqui:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Leo disse...

putz....adorei seu blog tb.

S.A.M disse...

Obrigado pelo coment lá no blog!

Meu que blog é esse? Adorei!

Ainda mais pra mim: asno em cinema! rs

Vou agregar um pouco mais de cultura na minha leitura!

Adorei os comentários e perspectivas.

Abração!

Elton Telles disse...

Hey Cris!
Comecei a assistir "Inesquecível" em uma sessão da Rede Globo depois do Jô Soares, mas sem condições... filme ruim demaaais! Quando acabou a "parte 1" rs, fui me acolher à cama.

E Guilhermina Guinle é um macarrão sem molho, vamos falar aqui.
xD


ABS!

Fábio Sousa disse...

Você escreve muito bem cara?

trabalha com isso?

Hugo disse...

Traição já rendeu grandes filmes, com crimes por sinal, vide o ótimo "Corpos Ardentes".

Este aqui vou colocar na minha lista para assistir.

Abraço

Maçao Filho [Delos] disse...

Hey, Cristiano!

Perdão pela demora. Brigadão pelo comentário em meu blog. E, meus deuses, como eu encontro palavras pra descrever o teu? Excepcionalmente bom.

Muito bem construído, conteúdo mais do que aprovado. Entretenimento de alta qualidade. Meus parabéns e muito obrigado por ser capaz de proporcionar algo assim. Abração.

Yaya Bittersweet disse...

amo esse

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