Como diluir a timidez que inviabiliza a expressão do sentimento? Afinal, do coração nada se sabe - só se sente. E é com a tocante sensibilidade que o curta sueco Lucky Blue, dirigido por Håkon Liu, exerce seu objetivo. É um pequeno trabalho que valoriza a expressão do sentimento, singelo drama romântico juvenil homossexual. O curta centraliza a vivência de dois jovens: Olle (Tobias Bengtsson) prepara-se para organizar um festival de música anual (karaokê), evento que ocorre anualmente em todo verão, num vilarejo pacato no interior da Suécia, em um tipo de acampamento com traillers. Inesperadamente, o destino reserva: a amiga do pai de Olle convida seu sobrinho: Kevin (Tom Lofterud), um rapaz da mesma faixa de idade dele, para passar uns dias com a família. E é aí que reside o argumento também escrito pelo diretor Liu: o que poderia ser apenas uma amizade ocasional, torna-se uma atração que surpreende os dois jovens. Como entender esta sensação inesperada? O que ocorre, na verdade? Será apenas uma confusão? Enquanto Olle é extremamente introspectivo, calmo e um tanto tímido - Kevin é seu oposto, demonstra uma hiperatividade e um determinismo mais vital. E ambos se aproximam com papos desconexos, diálogos do cotidiano e uma intimidade que cresce e ganha forma. Através de um incidente com um pássaro (chamado Lucky Blue) da tia de Kevin - ele foge da gaiola - os dois garotos tornam-se cúmplices. Algo que evolui, gradativamente os deixando confusos e com dúvidas intensas. Curiosa a analogia com o pássaro: Lucky Blue se liberta da gaiola, exerce o livre-arbítrio, age com a própria vontade e escolha - seria essa a grande necessidade que sente os garotos? Seguir o desejo, demonstrar o que sente? Essa interpretação é evidente. A intimidade entre os dois permite o já inevitável: Kevin, numa atitude impulsiva, beija Olle.
Nota-se aí os abalos: enquanto Olle, um pacato rapaz intimista e frágil, assume seu lado mais passional - demonstra gostar do companheiro, procura entendê-lo e questiona seus próprios desejos íntimos e esse sentimento amoroso que vivencia; Kevin se mostra mais áspero, tem atitudes inconstantes de mal-humor e descaso, como se mascarasse o próprio desejo que o fere. Bem verdade, ambos se apaixonam e necessitam viver tudo imediatamente - mas, como enfrentar? Se Olle é mais sentimental, ainda que seja difícil lidar com sua timidez - Kevin tem uma rebeldia mais nítida, opondo-se a ele para apenas fugir do que sente. Ambos se desejam - dois jovens belos, sintonia cativante. E, aos poucos, tanto um quanto o outro aprende a expressar esse estranho e confuso sentimento. Questionar a própria intimidade é tarefa complicada, ainda mais quando se é jovem e imerso nas fragilidades do desejo - mais, é na fase da adolescência que muitos rapazes descobre seus interesses sexuais e não só os hormônios estão em ebulição, mas os sentires também. Atração pelo mesmo sexo? Desejos secretos? Olle e Kevin refletem a realidade de muitos garotos por aí - jovens que tendem a ter medo de se assumir, até pra si mesmo. Tem algo mais dolorido que tentar conter o desejo? Quem dirá atenuar o que pulsa o coração. A alma sofre. E o corpo pede, clama.
O curta é extremamente singelo, sensível, repleto de olhares e momentos silenciosos entre os dois. Há uma direção cuidadosa, o tom narrativo favorece por ser extremamente objetivo e focar nos dois, visto que o filme tem pouca duração. Há um ar poético na composição das falas, na maneira como os personagens demonstram o que sentem - a canção "Words Don't Come Easy"(sucesso de F.R. Davis da década de 80) cantada por Olle para Kevin, em dado momento, é delicada e envolvente. Há cenas que ambos apenas se olham e é perceptível o que eles vivenciam. E o curta tem esta expressão naturalizada, realista, sem adornos. Tudo flui harmonicamente. Não há a valorização do sexo entre os garotos - mas, a descoberta da paixão e do aflorar do desejo que é consequente do sentimento juvenil. Um discreto trabalho humano gay de imensa qualidade.
Direção de Håkon Liu
Roteiro de Håkon Liu
Com Tobias Bengtsson, Tom Lofterud, Britta Andersson, Johan Friberg, Michaela Berner
21 opinaram | apimente também!:
Caros amigos, interessados, aqui o link pra download deste curta:
http://www.megaupload.com/?d=R2VG8Y76
Vou tentar baixar, fiquei muito interessado!
Era exatamente isso que eu ia perguntar!
Vou conferir em breve.
Abs.
Obrigada pelo link. Parece interessante.
cinemapelaarte.blogspot.com
Curiosamente excitante.
Nunca tinha ouvido falar.
Quem diria que um curta-metragem daria tanto pano pra manga???? Gostei da premissa. Valeu pelo link para baixá-lo.
Parece interessante. Bj
Este é um dos filmes mais sensiveis que já vi e o jeito que vc escreve de destrincha os meandros que ali existem me fez até sentir vontade de ver de novo.
Um abçO!
Anotado mais esse. Parece uma abordagem sensível.
Beijos,
Tânia
http://www.dihitt.com.br/noticia/delicada-atracao-critica-do-curta-lucky-blue ``
Poxa mas tudo isso em um curta metragem, tem enredo pra um filme aí, mas como muitos eu tbm não tinha ouvido falar, parece interessante.
Olá Cristiano...
Nossa sua resenha está, assim como o filme, singela.
Você desenvolveu perfeitamente seus argumentos.
O filme é uma pérola do cinema sueco, que cá entre nós, eu acho genial.
A poesia é intrínseca e tudo flui maravilhosamente bem. Você colocou pontos importantes e de forma também poética.
Todo esse desenvolvimento do filme que você citou se passa em apenas 30 minutos e essa é a magia do cinema, é incrível, eu apontaria como único ponto negativo o fato de o filme deixar um gostinho de quero mais.
Parabéns!
Agradeço também pelo contato e por ter gostado da minha resenha.
Abraços!
Ademar Júnior
http://coolturalblog.wordpress.com
Pra variar, vc sempre deixa a gente com vontade de ver...
Abraço!
eh uma viadagem menine! to bege!
Me chamou. Verei em breve.
Boa noite, adorei o texto! A proposta do filme parece realmente interessante, principalmente pq não parte de clichês que acabam por gerar mais equívocos no trato às minorias sexuais! Agora a maneira com a qual vc nos apresenta é mais brilhante ainda! Abraços!
Achei interessante vou baixa-lo.
abç
Este eu não conhecia, mas certamente fiquei muito curioso.
Nossa, adorei o filme! Mesmo sem ter assistido. A forma como vc escreveu me deixou fascinado.
Eu vi recentemente esse curta-metragem. Sabe, gostei dele, mas não o achei tão excepcional quanto a sua descrição sugere. Decerto, é uma obra válida, que reúne sentimento e entretenimento - o espectador se envolve com as situações dos personagens. Ainda assim, acho que essa ideia ficaria bem melhor se trabalhada num longa-metragem. Creio que romances, mesmo esses, que surgem instantaneamente, requerem um tempo maior para se desenvolverem numa obra cinematográfica.
Parabéns pelo texto, de novo.
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