É raro um olhar feminino no cinema, o interessante é encontrar esse tipo de abordagem com carinho autêntico pela condição humana. O début de Sofia Coppola é capaz de provocar emoção através de grande sensibilidade feminina. As Virgens Suicidas é um olhar hipnótico delicado, complexo e intimista da diretora sobre vidas pautadas na ausência de sentimentos amplos de felicidade. Sentimentos de isolamento são características recorrentes expressas nas obras de Coppola, mas é neste seu primeiro filme que ela evidencia o seu mais contundente trabalho emocional. Atuando como roteirista também, ela tomou por base o romance do escritor americano Jeffrey Eugenides, seu filme teve a produção de seu pai, Francis Ford Coppola. O foco do drama perspectivo centra-se numa sonolenta comunidade de Michingan, em meados da década de 70. Cinco irmãs adolescente suicidam-se num curto espaço de um ano. Qual razão para este ato coletivo? O que motivaram essas jovens a cometerem tamanha atrocidade contra à vida? Narrado por um jovem que conheceu as meninas de perto, toda a trajetória dessa família é exposta e, através da reconstituição dos fatos, que é possível compreender tudo que ocorreu. “Nunca conseguimos entender a sequência dos eventos. Até hoje não entendemos bem o que aconteceu.” - Aponta o narrador, demonstrando claramente que, ainda tantos anos após o fatídico ato coletivo, tudo é envolto em grande mistério. O suicídio pode ser entendido? Como esclarecer as razões misteriosas?
Assim como o livro que Sofia Coppolla tomou como base, para executar seu belíssimo filme, o delicioso roteiro apresenta a história das irmãs Lisbon e de como elas afetaram emocionalmente a vida de um grupo de meninos, também da mesma faixa etária, que moravam no mesmo bairro. O narrador (Giovanni Ribisi) pouco se sabe, apenas que ele viveu bem próximo das garotas a ponto de ser atingido tragicamente pelo suicídio das jovens. Em forma de memórias, é então que o narrador pontua a fase final da vida dessas irmãs, dando a retrospectiva dos fatos: são filhas de pais rigorosos, metódicos e conservadores. Sr Lisbon (James Wood) é um professor de matemática e a esposa (Kathleen Turner), uma fervorosa religiosa que mantém as filhas sob uma educação extremista. Após o suicídio da filha mais nova, os pais afastam socialmente as demais quatro irmãs do convívio social e proíbe qualquer tipo de interação com rapazes. Nota-se que o primeiro suicídio corrompe a aparente harmonia familiar, provocando angústia depressiva e decompondo estímulos de carinhos - há uma relação fria, distante, apática e formal dos pais para as filhas. Como estabelecer menos rigores? Presas, trancafiadas, isoladas de todos, impossibilitadas de ouvirem músicas (a mãe manda queimar todos os LP's de rock) e sem acesso à instituição escolar - as jovens não mantêm mais nenhum contato com o mundo externo. Como fugir da vida imposta pelos pais? É importante mencionar a diferença de idade entre elas que é de apenas um ano, o que significa que o cenário consiste em uma casa onde vivem simultaneamente cinco garotas na adolescência. Puberdade, fragilidades, anseios, vontades. Em meio à ebulição hormonal, comportamental e descobertas sexuais que vivenciam as irmãs - há um interesse único em experimentar tudo. São moças hiperativas, cada uma com seus interesses próprios e sonhos pessoais.
Lux (Kirsten Dunst), uma das irmãs, revela-se como a mais ousada: flerta com rapazes, fuma cigarros escondidos, foge da sala de aula para namorar e já demonstra um alto nível de sexualidade evidente. Envolve-se com um rapaz popular, cobiçado e desejado por todas as suas colegas de escola, Trip Fontaine (Josh Hartnett) - é com ele que ela experimenta as artimanhas do sexo, do prazer, da irresponsabilidade. Seria a fuga para a liberdade? Nota-se nela uma malícia perspicaz, um comportamento mais sensual, um desejo feminino libidinoso. Como conter esses impulsos juvenis? Como dar vazão à sexualidade que insiste em florescer? Existia no sexo um anseio por uma vida menos monótona e vazia? Essas proibições impostas pelos pais servem de estímulos, afinal tudo que é proibido é mais gostoso. Lux representa a mulher revolucionária daquela época conservadora, diabolicamente angelical, tenta dar um rumo aos seus desejos secretos e demonstra uma força de vontade que atiça a todos, instiga. Não só ela, mas suas irmãs não conseguem se manter sob o isolamento domiciliar, ao passo que tornam-se ídolos platônicos dos meninos que especulam, analisam e são atraídos pela suas vidas íntimas - sob a perspectiva do narrador é que cada detalhe sobre a vida das adolescentes é esmiuçada (assim como a atmosfera da década de 70 salta aos olhos, sensações e tudo é reproduzido sensorialmente). O filme demonstra cada aspecto íntimo sobre essas jovens, talvez assim seja perceptível compreender a razão do consequente suicídio ao final.
O sensual, singelo e poético climático trabalho de Sofia Coppola procura não julgar as ações dos pais das jovens, executa um estudo sobre o protecionismo familiar. Pauta a relação conservadora, os conflitos da falta de diálogos de pais com filhos, a busca pela sexualidade no período da puberdade - mais, a necessidade de sentimento irrefreável. A prisão domiciliar seria o motivo do suicídio? Talvez, inúmeros acúmulos tenham provado esse ato. Com uma linguagem sensível, o filme utiliza-se da intensa trilha sonora incidental do duo francês Air para providenciar as emoções e sensações dos personagens - além de inserir trilhas secundárias de grandes hits da década de 70 (Bee Gees, 10cc, Carole King, The Hollies, etc) que são adornos melódicos nostálgicos à concepção da trama. Alia-se de cores claras, fortes em cenas mais densas e uma montagem dinâmica moderna para revigorar as sequências. A direção é sóbria e há cenas que Copolla sustenta o argumento apenas com olhares, closes e falas situadas na emoção. Universo tão feminino, configura-se como retrato de crises, anseios e paixões adolescentes. Há um tom muito intimista, é quase um mundo particular sendo exposto a todos. Os personagens não são estereotipados, mas há um doloroso tom real que torna tudo tangível. O tom melancólico permeia fixo durante todo o tempo, sutil, pois é nítido o quão tristes e insatisfeitas são as jovens. Como lidar com o vazio existencial? Complexo por ser intrigante, é um tapa na sociedade que insiste em se manter com falsos rigores - afinal, nem todo senso e ânsia de liberdade é sinônimo de libertinagem. Os pais das jovens são personificações de milhares que estão pelo mundo, repletos de extremismo religiosos e certas convicções morais que beiram ao fundamentalismo que reprimem a explosão da adolescência. E como administrar esses conflitos dificílimos? Com um mundo tão violento, constante e frágil ao redor - por amor aos filhos, estes pais radicalizam na vigilância sobre seus rebentos, mas às vezes constroem um caminho sem solução, inevitáveis tragédias do cotidiano. Entender os motivos dessas jovens suicidas é compreender muitos temores presentes nas almas humanas. Artisticamente, um filme pungente.
The Virgin Suicides (EUA, 1999)
Direção de Sofia Coppola
Roteiro de Sofia Coppola, baseado no livro de Jeffrey Eugenildes
Com James Woods, Kathleen Turner, Kirsten Dunst, Josh Hartnett, Giovanni Ribisi, Danny DeVito, Jonathan Tucker
32 opinaram | apimente também!:
Bela estreia de Sofia Coppola, confirmada depois em Lost Translation.
Nossa!!!! Esse é um dos filmes que quero muito ver. Como sempre com um texto excepcional. Um grande abraço.
Verdade, mas entre esse filme e o ENCONTROS E DESENCONTROS, sou mais o segundo. Mais leve, mais fácil de digerir.
Vi apenas duas ou três vezes e sempre causa o mesmo impacto. A loirinha do ELIZABETHTOWN tá demais nesse filme, aliás, o elenco todo.
Como dizem, né? Filho de peixe... Sofia Coppola owna.
Valeu pelos comentários, estou seguindo o seu site e em breve adiciono nos favoritos do buteco. Agora que estou tirando tempo para conseguir acompanhar algumas postagens de outros sites. Gostei bastante do layout aqui.
bacana seu blog! Tamus aí! Gostei da proposta de abordagem, de temas que muitas vezes poucas pessoas ousam falar sobre. Parabéns!
Seu blog continua brilhante. Gosto desses questionamentos que imprime também nas resenhas, assim de uma forma indireta...
Abraço!
Cris, eu adoro este lançamento da Coppola. Sempre excelente na direção e no roteiro. Lost in Translation, Maria Antonieta e agora com 'Somewhere' em breve!
Abs,
Rodrigo
Há muito tempo quero ver esse filme, adorei sua abordagem sobre o filme. Está na minha lista.
Vi esse filme e adoro esse tipo de roteiro onde, sob o ponto de vista do narrador, ficamos conhecendo sua proximidade com as personagens e, melhor de tudo, suas motivações e subjetivismos.
Ponto pra Coppola!
Dizem que é muito bom mesmo esse filme, anotada a dica Cris.
Um filme de tema difícil de se filmar, com alguns problemas de ritmo, mas que evidenciou que Sofia teria mais o que mostrar ao mundo do cinema além daquela pífia participação em O Poderoso Chefão.
Nossa, tá aí! Um blog completamente diferente do meu, com outro estilo, outro foco, outras abordagens e que adorei! Coloquei seu link lá no meu, pra eu cacompanhar suas atualizações e recomendar aos meus leitores!
Obrigada pela visita! Parabéns pelo blog!
Como sempre, vc arrasando nos filmes, nas criticas e esse filme vale a pena ser visto... no seu lancamento a Sofia Coppola recebeu criticas negativas, mas adorei o filme!
Bjs*
Bom, eu pulei algumas partes porque ainda não vi o filme e sou muito chato com isso! Vou alugá-lo e então volto aqui pra comentar! hehe
abração!
blog24fps.blogspot.com
Eu é um drama diferente, que merece ser visto pela boa direção e o elenco inspirado.
Abraço
Nossa, ia avaliar esse filme por esse dias lá no blog uma vez que acabei de ler o ótimo livro que deu origem ao filme. Um trabalho magnífico de Coppola (uma diretora que gosto bastante e torço pela sua indicação ao Oscar esse ano.
Esse filme é muito bom, Sofia estreou muito bem.
Li o livro e depois assisti o filme, e gostei de ambos.
A gente comentou ontem sobre a Sofia Coppola. Acho este início de carreira dela MUITO superestimado, sinceramente.
argumentos que se sustentam pelo olhar: nisso consiste a ótica feminina, raras vezes expressa no cinema.
Uma pequena-grande obra prima... Serenidade na direção. (e concordo com o Herculano... Talento mais que confirmado em seu segundo filme...)... Abraço, Jacson.
Bela estreia de Sofia Coppola!
Nunca vi uma filme da Sofia Coppola, mas sempre quis, fala muito bem dela...
Grande texto, Cris.
adoro o jeito que tu te expressa,através dos teus comentários,é demais *-*
indiscutivelmente, o melhor trabalho de Sofia.
amú esse filme.
Oi Cris!
O filme é ótimo e a trilha sonora também!
Me recordo quando este filme foi lançado. Não sei porque acabei não vendo-o. Porém, após sua crítica, irei baixá-lo sem sombra de dúvidas.
Abs
Um olhar feminino, isso já atrai. Quero assistir...
Beijo,
Como sempre, um excelente e instigante comentário, ou mesmo, análise.
Sou fascinado por histórias envolvendo suicídios...
GRande abraço de quem o admira,
Bela estreia de Sofia Coppola, não poderia ter um 'debut' melhor no cinema.
Temos ainda os 'primeiros passos' de Kirsten Dunst!
Uma história de olhar simples mas muito bem executada, demorei para conferir este trabalho mas valeu a pena.
PS: Eu nunca deixo de ler e nem esqueço de comentar em seu blog (mesmo que as vezes demore), que é único. Parabéns!
A suntuosidade deste filme é entorpecente. Um trabalho de estreia maravilhoso da miss Coppola. Trilha, fotografia, texto... tudo essencial.
Olá Cristiano, já estava curioso a respeito desse filme, vou procurá-lo.
Conversei com a Angélica e o Marcos, do Masmorracast e eles concordaram plenamente em que você participe como membro do podcast e colaborador do blog, entre em contato no e-mail:
contato.cinemasmorra@gmail.com
Nunca ouvi falar, mas fiquei com muita vontade de ver...
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