A paixão frenética pulsa no filme Os Boêmios, adaptação do famoso musical escrito por Jonathan Larson, baseado na ópera italiana La Bohème, de Giacomo Puccini. A direção para a adaptação cinematográfica é de Chris Columbus que consegue manter um foco altamente emocional, dinâmico e confiante na produção. É definitivamente um musical vibrante, surpreende por proporcionar uma bela atmosfera sonora somada à verve interpretativa da química do elenco. O filme narra a vida de uma comunidade juvenil residente numa casa, na zona leste de Nova Iorque - são 8 jovens que se envolvem na boêmia da modernidade do East Village. Há Mark Cohen (Anthony Rapp), um cineasta que necessita concluir seu filme, ele é apaixonado por sua ex-namorada Maureen Johnson (Idina Menzel - mas ela trocou a relação quando assumiu sua homossexualidade e foi viver com a advogada Joanne Jefferson (Tracie Thoms). Mark divide seu quarto com Roger Davis (Adam Pascal), um viciado em drogas e que porta o vírus HIV. Ele conhece Mimi Marquez (Rosario Dawson), uma sensual dançarina com tendências masoquistas que mora com Tom Collins (Jesse L. Martin) - este sente, posteriormente, inicia uma relação com o transexual Angel (Wilson Jermaine Heredia). O que torna pessoas tão distintas próximas? O elo de amizade, a sentimentalidade que evolui ao passo que amadurece uma sintonia grupal, é através desses personagens que o roteiro pauta contextos de sexualidade, revolução comportamentais e problemáticas da solidão, envolvimento com drogas e preconceitos sociais diante da AIDS. O filme exerce um ritmo ágil, através da linguagem adotada é que os personagens expressam suas opiniões, anseios e desejos. O roteiro de Stephen Chbosky alia-se das canções (que, por sinal, são constantes e consumam com vigor quase todo o aspecto da narrativa) para verbalizar as representações de jovens que lutam para conseguir se integrar numa sociedade tão predatória, insensível e conservadora. Como estabelecer um elo contra essa limitação imposta pela sociedade? Como lidar com dificuldades financeiras também?
É um belíssimo trabalho que acentua sua febre em canções interpretadas pelo grupo principal, tornando um trabalho digno que transpira energia. É interessante que o filme cumpre com sua premissa em apresentar o cotidiano de jovens que se misturam em poder da vaidade, da casualidade do sexo e da cumplicidade de uma amizade. O filme consegue ser tangível por lidar com problemas bastante reais - a esfera da homossexualidade, da maneira como jovens tendem a sair de casa mais cedo por não terem, dentro do seio familiar, o respeito às opções sexuais. É nítido que todos os 8 jovens representam, obviamente, esses arquétipos de desajustes - mas, serve como, também, uma maneira evidente de expressar a eterna carência juvenil no período da puberdade. E, com bastante ousadia, o filme lida com esses sensos que fazem parte do submundo social. E ainda traz um olhar delicado, acima de tudo humanitário sobre a realidade dos portadores de HIV - praticamente quase todos os personagens do filme trazem esse aspecto. E têm que lidar com a doença, com as fragilidades, com os traumas que a vida exerce. Como entender que a vida pode ser breve? Os jovens questionam essa brevidade, o tempo todo. É emocionante como eles, ainda que acometidos pelos vícios e doenças, não perdem tempo em viver tudo de uma vez - sugam a vida, são eufóricos e externam a libido. Evocam um espírito de festa que simbolizam sua intensidade por viver. E o arrependimento dos erros? E o amadurecimento torna-se plausível depois. Mas, AIDS torna-se um assombro à resolução dos sonhos - como viver sem medo da morte? Como conseguir realizar tudo que se quer? Os jovens em sua forma enérgica jamais querem ser operários de um sistema - mas, vozes ativas de vidas escolhidas.
Através de canções - que, como em todos os musicais, funcionam como diálogos reais, os personagens comungam com a própria existência da liberdade sexual. O tom sensual do filme é provocativo, visto que são personagens na ebulição da sexualidade - a libido explode, é perceptível sentir cada orgasmo em muitas canções expressas. A passionalidade é extensa. Há também canções de amor, de revolta, de tristeza. São jovens à margem do sistema, numa epidemia, até então, fora de controle - no fim da década de 80, a AIDS tornou-se notória e o desespero era grande. O filme mostra também uma juventude que não acata tudo que a sociedade impõe. Por isso, os 8 personagens, representam pessoas que mostram o que desejam: há um casal lésbico em constante trajetória de ciúme, tesão e desentendimento (Joanne e Maureen); há o casal heterossexual (Mimi e Roger) que tentam lidar com as diferenças, além do aflorar do sentimento; há o homossexual que se depara com um amor platônico de grande sensibilidade pelo drag-queen (Tom e Angel). Enquanto explodem as camadas sexuais, sentimentais e relacionais de cada um - o filme se mantém bastante prazeroso. Todos os personagens cantam, dançam e se exibem de maneira expressiva - poucos musicais tem esse ritmo efervescente. Este consegue agir pelo tom sempre emocional. É instigante como os personagens são libertários, hiperativos, inquietam-se com suas vidas a ponto de querer viver sem limites. Toda cura para todo mal? Ainda que certas situações vividas por eles possam gerar controvérsias, são personagens cativantes.
O aspecto musical do filme é da esfera da realidade - os personagens cantam no próprio âmbito real, não imaginam que estão em outro plano. Através das músicas, nota-se um partido à favor da sexualidade libertária - um catálogo de ideias, sabores e atitudes. Há nas letras das músicas os anseios de uma sociedade que precisa ser mais livre, sem medos, isenta de tabus irremediáveis. Nota-se que os jovens, além da intensa insatisfação contínua que sentem pela vida, gritam pela própria chance de viver como querem - afinal, não se deve questionar o desejo de escolha sexual e também de vida que decidiram para eles. Há uma naturalidade em abordar as ações impulsivas de comportamentos sexuais: a homossexualidade é vista como natural por todos, ainda que cause a alguns preconceitos evidentes. O personagem Angel representa o aspecto que a sociedade considera mais "destoante", o transexualismo. E ele é um personagem bastante expressivo - tanto no teor melodramático, quanto no humor acentuado em algumas cenas. A direção de Columbus conseguiu tornar o filme bastante harmônico, coeso. Há cenas sensuais, mas há bastante tristeza amorosa também exposta. E as músicas grudam na mente, facilmente. Os personagens não parecem coreografados em cena, mas concebem uma bela química-sexual-musical que viabiliza uma articulada dinâmica - é a misê-en-scène bem proposta através do ótimo timing do cast. Empolga, ousa, vicia. É rock, é blues e pop music que concebem sustância às cenas. Em suma, são jovens que tentam se buscar - sentimento, existencialmente. Eis um apetitoso musical que deve ser degustado por todos.
Rent (EUA, 2005)
Direção de Chris Columbus
Roteiro de Stephen Chbosky, baseado em musical de Jonathan Larson
Com Anthony Rapp, Adam Pascal, Rosario Dawson, Jesse L. Martin, Wilson Jermaine Heredia, Idina Menzel, Tracie Thoms, Taye Diggs
34 opinaram | apimente também!:
Taí um filme que eu gostaria muito de assisti esse filme, não sei porque ainda não o fiz.
Cris, abrax.
Musica é uma forma de conversa, de conexão, de transmitir emoções e sensualidade e este é a maior prova de tudo.
Perfeito!
Ah, falar de Rent pra mim não é justo por que é o meu musical favorito. Quando vi a Mimi pela 1º tendo o mesmo apelido que geralmente me chamam e com toda ousadia que às vezes quero ter... Resumindo, sou apaixonada pelo casal Mimi e Roger e principalmente pelo filme que trata da homossexualidade de forma natural e não como algo que tenha que ser escondido, é assim no meu cotidiano e por isso me identifico muito com filme.
Columbus acerta em mostrar a verdadeira Nova York e tirar aquele glamour que as pessoas têm em mente. Pra mim o filme é perfeito como musical, sem estereótipos sobre o gênero e contado a verdade. Adoro tanto que já sei todas as músicas de cor rsrs. Beijos Cris ótima crítica, adorei mesmo.
muito bom.. vou baixar agora!
Eu lembro que assim que assisti a esse filme fui correndo comentar com você. Fazia pouco tempo que nos conhecíamos. E você não tinha assistido ainda. Ainda bem que gostou da minha dica. ;) Amo demais a trilha sonora. Vício!
Eu não só vi o filme como, tempos depois, a HBO exibiu na íntegra a montagem na Broadway (inclusive alguns atores do filme estavam no elenco). Filmaço! Tá na minha coleção particular.
Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com
Sempre adiava assistir esse filme, mas depois de ler seu texto, darei uma chance. ;)
Este musical eu vi uma vez aquiem Fortaleza onde um grupo de teatro tentou apresentar...
Achei a história massa, mas a produção e os atores deixaram muuuito a desejar... Principalmente as adqaptações das musicas ficaram péssimas...
Vou tirar o trauma vendo este filme... Valew a dica!
:-)
Definitivamente meu musical preferido, mas o filme nem se compara com a energia que a peça passa (ainda em DVD! Imagine ao vivo). Um musical que também fala desses temas é o "O Despertar da Primavera", bem mais sensual na verdade...
A história pode ser legal. O filme pode ter canções muito boas, mas o Chris Columbus é um diretor muito irregular e isso está totalmente evidenciado por "Rent", que chega a ser um filme muito chato, em certos momentos.
Puxa, eu odeio esse filme... Sério! Chris Columbus pra mim é o roteirista de "Gremlins" e "Os Goonies". E diretor de "Uma Noite de Aventuras", "Esqueceram de Mim" e "Uma Babá Quase Perfeita". Como pode ver, reconheço sua importância para o cinema. Mas foi só até aí.
Abs! Belo texto! Parabéns!
Nossa Cris!!
Nem sabia desse filme, ja to atras pra baixa-lo (tá, não do lucro pra locadora) e vou assitir!!
Falei que vouusar seu blog pra reassistir tudo... vc me entusiasma com filmes que nem lembro mais!
Beijos Cris
Cristiano,
Esse filme eu não assisti ainda. Mas fiquei muito curiosa. Um abraço.
Oi Cristiano,
muito legal teu blog. Já o linkei lá no meu!
abraços
Pra ser muito sincera, musicais não são dos meus fracos mais fortes, mas depois dessa tua resenha, fiquei com vontade de ver, principalmente porque vc diz que "O aspecto musical do filme é da esfera da realidade - os personagens cantam no próprio âmbito real, não imaginam que estão em outro plano." Prefiro assim.
Obrigada e beijokas.
Eu gosto desse estilo de filme, taí, vou assistir.
BeijooO*
amei seu espaço!!!
Oi Cris!
Não tinha ouvido falar desse filme ainda. Entrou na minha listinhas de próximos pra ver =)
Bju!
Não vi esse filme, mas vou procurar pra baixar. Parece interessante.
http://omundodoscinefilos.blogspot.com/
Um musical encantador!
Parabéns pelo blog - uma vez visitou o meu blog (comuniccar.blogspot), agora retorno a visita!
Bjs
Caramba cris, aluguei esse filme ontem, se tratando de musical já chama a minha atenção! Vou ver com calma e faço um comentário melhor ;)
abraço
Não conhecia este filme, mas confesso que fiquei com muita vontade de ver. Mais um para a minha lista que não pára de aumentar!
Beijos
musical nao me agrada muito nao...
sou chatinho as vezes. eheheh
Preciso conferir, já que adoro musiciais.
bjs
O que torna pessoas tão distintas próximas?
A pergunta me instigou. Sim, o comentário, todo ele, também. Quero assistir.
Beijos
Ual! Que história frenética, hehehe
Assim como a crítica da Mirella no blog dela, fiquei muito entusiasmado em conferir o filme. Parece ser mesmo um excelente musical =)
Abs.
Gostei e te sigo...
Beijooo
Adoro a Tracie Thoms, ela tem estilo (também como policial na série Cold Case) e principalmente como a dublê em À Prova de Morte. Mas o Tarantino não fez dela uma lésbica (seria o caso) como nesta fita, rs!
Columbus prova que sabe fazer outras coisas além de Harry Potter e fitas juvenis leves.
Gostei!
Abraços
Rodrigo
Fiquei muito curioso em assistir,CRIS.
Saudades daqui.
Tudo bem com vc?
Abração!
Oi Cris,
Enfim apareci...desculpa o sumiço!! Prometo que estarei sempre aqui...
Fico muito intrigado (e envolvido) com musicais que não se dedicam a apenas exaltar momentos alegres, situações felizes, ambientes mágicos, floridos, mas que mesclam crítica social e cenários/ personagens hostis a cantoria (é o que acontece, por exemplo, em Amor, Sublime Amor e Sweeney Todd)...só esta premissa já é atraente e faz com que valha a pena conferir a obra...
Gostei do seu texto e espero ver logo Rent...parece ser bem interessante...valeu pela dica!!
Abrs
Cris,
adorei o texto. Achei-o tão ritmado quanto o filme. Vou ficar com mais essa indicação. Bjo.
' Oi :)
não vou comentar do post. É que do nada apareci em um blog que eu tinha faz tempo, ai eu o vi no comentário. Foi mês passada, no blog AmandaPipoka (nem sei direito), mas já ri mt do blog.
Estou te seguindo nesse, aquele era quando eu era pirralha (não deixo de ser ainda), mas entendeu rs!.
Beijão, dps apaga se quiser!
http://gerandodiasmelhores.blogspot.com/
RENT é fantástico. As músicas, os cenários, as atuações... TUDO! Não sei como pode ser um filme tão 'apagado' assim. Já assisti muitas vezes, o filme parece que fica melhor a cada vez. Super indicado, especialmente para quem gosta de musicais.
Um grande abraço...
Não posso falar muito do filme. Comprei ele há pouco tempo e ainda não pude vê-lo. Dele, só tenho a trilha sonora no computador. Mas do que já vi de outras adaptações de RENT, do que li do teu texto - uma ótima escolha pro Apimentário, cheio de tensões sexuais espalhadas pela trama - e do que ando ouvindo toda noite, já dá pra ter uma ideia do que é o filme. Estou com uma expectativa bem alta e gosto do modo que eles dialogam por meio da música.
Abração!
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