Rebeldia Feminina

O que faz uma jovem de bom comportamento alucinar, perder totalmente a razão frente às luxurias da vida? O inquietante filme Aos Treze é um trabalho bastante cru, amargo e tangível sobre a juventude transviada. O trabalho dirigido pela então estreante Catherine Hardwicke atua como um instigante retrato da sexualidade, do consumo de drogas e do desajuste familiar. A arrepiante excursão no mundo juvenil foca no universo de Tracy Louise (Evan Rachel Wood), uma garota introspectiva, quieta e delicada que reside num bairro pobre de Los Angeles. Ela vive com sua mãe Mel (Holly Hunter), uma ex-alcóolotra que mantém um caso amoroso com um ex-drogado, Brad (Jeremy Sisto) e tem uma relação amigável com seu irmão, Mason (Brady Corbet). A aparente tranquilidade do lar se define, até que Tracy fica fascinada por uma garota da sua mesma faixa etária - ambas estudam juntas, porém Evie Zamora (Nikki Reed), ao contrário, atrai atenção de todos por ser popular e ter um estilo próprio comportamental. E é então que o roteiro escrito pela própria Hardwicke, com a parceria de Reed, direciona sua premissa. Tracy passa a fomentar sua necessidade de conhecer mais do universo atraente de Evie. Então ambas iniciam uma amizade que se torna o abalo na aparente estabilidade familiar de Tracy. A película centraliza a análise nesta amizade das duas garotas - é então que sensos de rebeldia juvenil, aflorar da sexualidade, imersão no meio das drogas e desestrutura psicológica - em meio a grandes proporções conflituosas - tornam-se evidentes. Como entender a juventude que insiste em se rebelar? O filme arde por demonstrar de maneira crua este universo de Tracy que representa um real aspecto da sociedade. É um diálogo estabelecido sobre o lado perverso da juventude imoderada - ou seria pervertida? O que pode provocar isso: Carência afetiva? Falta de confiança?

Tracy representa a juventude no universo de influências, de dúvidas e inconstâncias irremediáveis. O que simboliza ter treze anos? É a idade que se fundamenta a identidade, as percepções, o aflorar da libido e também a importância da própria individualidade. Toda garota, nessa faixa, tende a se questionar - físico ou mentalmente. O que é necessário pra ser atraente aos garotos? Como ser aceita? Qual sentido da sensualidade, segurança e beleza? Tracy idealiza sua própria aceitação e segurança no que Evie transparece - então, ela tenta sugar, a todo custo, a representação de sensualidade e popularidade que sua amiga externa. A amizade cresce entre ambas de maneira intensificada. Tracy troca seus ursos de pelúcia, suas roupas infantis, por piercings e vestimentas que expressam seu novo comportamento sexualizado. Ela passa a usar roupas sensuais, maquiagens densas para expressar uma rebeldia. Ao lado da amiga, ela sente-se incluída num universo de satisfação. Foge de sua realidade familiar para viver no universo que a amiga Evie proporciona, sem receios. O roteiro toca na ferida por expor essa trajetória das duas e mostra como a imaturidade pode levar às péssimas consequências. Como fazer para lidar com as influências? À medida que as novas texturas, cores e seduções do novo mundo de Tracy se acentua - é perceptível como envolve-se num perigoso caminho de sexualidade descuidada, uso de drogas e pequenos crimes. Como sua mãe deve lidar com esta situação? Seria ela displicente? Não é fácil ter que cuidar de uma filha sozinha, visto que o pai de Tracy é omisso, ausente.

As garotas são totalmente impulsivas, onde o vício pela rebeldia parece fazer parte de um estranho lema de vida. Tracy, em seu anseio de ser reconhecida e parte de um grupo juvenil - Evie a coloca neste contexto - torna-se mais rebelde: afasta-se dos estudos, não consegue mais manter um elo natural de cumplicidade com sua mãe e vê na família uma concepção de negativismo, apenas. Para ela, viver resume-se nas roupas que compra, nas drogas que usa diariamente, na possibilidade de furtar dinheiro alheio para sustentar suas escolhas insanas. Bem verdade, Evie torna-se sua mentora - é através dela que todo este novo mundo se torna possível. Nota-se em Tracy uma perda de sua fragilidade, sensibilidade e pureza - visto que se permite às mudanças ao adentrar neste lado alternativo de sua vida. E ela é vulnerável, pois é comandada pela amiga sempre. O aspecto do uso de drogas demonstra a mensagem que o filme quer passar: jovens, perdidos e sem perspectivas, transformam-se e caem em diversas armadilhas. Tracy embarca numa viagem sem volta, seu histerismo é sem limites. Até que ponto um jovem pode não ter mais retorno? O que fazer para trazê-lo de volta à tranquilidade? Estar livres de más influências é agir com sensatez? É doloroso observar como Tracy atenua sua ansiedade, suas frustrações e tristeza com o manifesto da dessacralização corpórea: ela comete a autoflagelação - ela corta seu pulso levemente como uma estranha forma de prazer e alívio. A dor provoca uma fuga da própria realidade? Ou seria um aspecto do masoquismo? São sensos do mundo contemporâneo, de jovens que sentem prazer na própria auto-destruição e na maculação do corpo.

O roteiro de Hardwicke não esconde sintomas sociais ao mostrar as garotas na busca eufórica de sexo. Tracy e Evie flertam com garotos da mesma idade, externam a libido feminina que se apodera da carne: em meio às drogas, praticam iniciação sexual com bastante desejo. Beijam vários garotos, usam da própria malícia para constituir um cenário de luxúria no mundo que criam. É sexo sem moderação? É apenas a vontade de experimentar um prazer sem limites? As duas agem sem postura ao procurar o sexo sem comprometimento - inclusive ao descuidar-se no sexo oral com vizinhos. E o roteiro abstém-se de julgamentos ao expor esta trajetória de libertinagem, apenas expõe o universo das duas de maneira crua. Eis o início da vida sexual prematura que faz parte de tantos jovens no seio social, consequências dos reflexos reais que infestam o âmbito global. O sexo desenfreado caracteriza os princípios adotados por essas garotas, inclusive ambas até se experimentam sutilmente. E a trama aponta os culpados - não só os pais, muitas vezes ausentes e distantes da realidade dos filhos - sendo família, amigos e até as próprias garotas. É algo complexo pra se julgar, é um processo enraizado que deve ser compreendido sem preconceitos. A câmera nervosa, o tom da iluminação e a boa percepção da fotografia de Elliot Davis revestem o filme num tom quase documental - é como se o público observasse bem de perto os impulsos das duas garotas, de todos. O tom realista é violento. Os diálogos são crus em certos momentos onde a emoção transpira pelas interpretações densas de Reed e Hunter, porém é Evan Rachel Wood que se destaca pela composição visceral que verbaliza. Sua interpretação incomoda, causa pena e serve de alerta. É um personagem real. Sua Tracy exerce um turbilhão de sentimentos complexos, mas verdadeiros. Não há teor apelativo, mas sim uma problemática crível da atualidade - por isso, de fato é um filme onde a aridez dramática torna-se necessária. Exemplo de trabalho que causa reflexão. Pais e filhos, reflitam.

Thirteen (EUA, 2003)
Direção de Catherine Hardwicke
Roteiro de Catherine Hardwicke e Nikki Reed
Com Evan Rachel Wood, Nikki Reed, Holly Hunter, Jeremy Sisto, Brady Corbet

32 opinaram | apimente também!:

Kamila disse...

"Aos Treze" é um filme sensacional e sua análise da obra foi muito boa. O que me chama a atenção neste longa é o retrato cru mesmo de uma adolescência sem referências ou valores. O pior é imaginar que existem muitas Tracys por aí. Porque, hoje em dia, tudo é tão precoce e as pessoas têm tanta pressa em vivenciar sensações que deveriam ser vividas a seu tempo.

Falando menos sério agora, as atuações de Holly Hunter e, especialmente, Evan Rachel Wood são simplesmente SENSACIONAIS!!!!

cleber eldridge disse...

A única coisa que posso dizer, é que esse filme causa varias reações, todas diferentes. Me agrada bastante, apesar de ter um roteiro meio furado, mas, as personagens são ótimas Rachel Wood fantástica.

Mayara Bastos disse...

Adoro esse filme, por abrir essa discursão sobre comportamento e realidade dos jovens, que para mim, esta geração está dando medo (e olha que tenho 18, rsrsrs).

Beijos! ;)

Anônimo disse...

muy bien, contreiras, pero todavía espero "fucking amal".. Abrazo!

leo disse...

Aos Treze é um filme interessantíssimo,ótimo e eficiente na mensagem que passa.
Evan Rachel Wood divina como Tracy e quando descobri que Nikki Reed tinha escrito o roteiro também fiquei impressionado como uma mulher tão nova fizesse um roteiro tão bom.
ótimo filme e elogiar texto por aqui fica chato né,sempre faço isso,então.

M. disse...

Realmente é um filme de abordagem polêmica, mas muito sério. Seu texto como sempre é competente e certeiro. Um grande abraço.

Emmanuela disse...

Cristiano, seu texto me relembrou o conteúdo agressivo deste filme, tão incrivelmente rotineiro apesar da camuflagem.

Preciso revê-lo, anos se passaram desde que assisti pela primeira vez.

Um abraço!!!

Endim Mawess disse...

apesar de ter receio desse genero de filme gostei bastante da sua cronica como sempre

Edson Cacimiro disse...

Esse filme resume bem a fase adolescente, CHATO DEMAIS!!! Holly Hunter se salva no filme por que afinal de contas ela é Holly Hunter mas de resto...

Rodrigo Gerace disse...

Interessante sua análise, bem melhor que o filme.... A juventude já não é mais sonhadora....

Gui Barreto disse...

Gostei da dica...ainda não assisti, mas achei interessante a complexidade dramática do longa...seu texto como sempre é esclarecedor e instigante...

OBS: Deve ser verdade que garotas amadurecem mais cedo, porque aos treze eu e meu grupo de amigos só pensávamos em curtir brincadeiras pré-adolescentes, de fim da infância...


Abrs

TH disse...

Mais uma dica cinematografica anotada :)

Foose disse...

"Thirteen" é um dos melhores filmes americanos de 2003.A abordagem do filme em torno dos passos dados pela personagem central, Tracy(muito bem interpretada pela Evan Rachel Wood), abre espaço para várias discussões(o que falta muito em filmes atualmente)e revela um cenário de possibilidades para explicar suas escolhas.Se é que isso é possível,pois a mente humana é inexplicável. E o filme não se esquece disso, pois em nenhum momento tem a pretenção de dizer o que exatamente influenciou aquela jovem nas suas atitudes, principalmente no seu auto-flagelo. Mas sem dúvida, cita inúmeros detalhes que se somam e montam um quebra-cabeça:a díficil fase da pré-adolescência em busca de auto-conhecimento e aceitação, levando uma pessoa a ser o que não é de fato, falta de personalidade, carência do pai, falta de auto-confiança, fácil acesso às drogas(num parque,onde supostamente aquelas crianças deveriam estar brincando), culto a beleza e toda a pressão em cima do padrão estético, ideologia do consumo empregnada na sociedade, banalização da sexualidade penetrada na cultura jovem,(quando tracy canta para sua mãe, brilhantemente interpretada pela Holly hunter, o trecho de uma música indecente é como as nossas crianças rebolarem ao som de musicas pejorativas),o que leva a personagem a descobrir sua sensualidade como meio para tantas finalidades. Também pode-se mencionar a displicência da mãe, a não-aceitação do relacionamento desta com o namorado,etc... Tudo isso junto e mais um pouco, monta a dinâmica não só da Tracy, mas da juventude de hoje, na qual o acesso à tantas coisas impróprias é ilimitado e o questionamento se perdeu. Dessa forma um simples vínculo ou uma circunstância pode desencadear o círculo vicioso demonstrado no filme. Aconteceu com a Tracy e poderia acontecer com qualquer um!
Belo post... belo texto! Desculpa se me alonguei, mas seu brilhante texto me fez pensar muito enquanto eu estava lendo! Adorei o espaço,estarei sempre aqui parabéns!:-)

Um grande abraço...

pseudo-autor disse...

Aos Treze é fantástico! A mesma diretora (que depois cometeu a loucura de ir dirigir Crepúsculo) fez o Lords of Dogtown, com Emile Hirsch e o Heath Ledger, que é simplesmente extraordinário. Procure!

Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

chuck large disse...

Já tem um tempo que assisti 'Aos Treze' mais o longa, se mantém firme e forte em minha memória. Não sabia que Nikki Reed havia ajudado no roteiro, pelo visto a ajuda foi certeira, afinal que é melhor do que uma própria adolescente do que fazer filmes para adolescentes, muito bacana.

RENATO disse...

Aos Treze é uma ótima produção para quem gosta de reflexão sobre o comportamento humano, principalmente, na adolescência. Uma aula de cinema e de vida.

Luiz Neves de Castro disse...

Cristiano, seu texto como sempre: um primor, "não há considerações gerais a fazer, tá tudo aí".
Sou seu seguidor de longa data. Um abraço.

Marcio Melo disse...

Gosto muito deste filme. Vi no cinema na época e sua leitura como sempre é genial.

[]´s

Elton Telles disse...

Eu tinha exatamente 13 anos quando assisti "Aos Treze" e esse filme, eu me lembro, foi uma febre. Todas as menininhas da minha classe colocaram piercing no umbigo depois e ficaram rebeldezinhas, ai ai.

Eu achei muito pertinente o retrato de Hardwicke ao comportamento "perdido" frente às seduções que a juventude oferece aos adolescentes - embora demonstre a mão pesada demais em algumas cenas, como o confronto entre mãe e filha. Fora isso, grande atuações em um filme inquietante e tendencioso.


abs!

Gustavo disse...

Como bem notado, é cru (não no sentido pejorativo, claro) e não poupa o espectador da fossa adolescente e familiar. Se eu fosse pai, teria ficado ainda mais impressionado.

Vitor Silos disse...

Um ótimo filme, a atuação da Rachel Wood é a melhor de sua carreira, com certeza.
Ótimo texto!

Vitor Silos
www.volverumfilme.blogspot.com

Natalia Xavier disse...

Cris!!

Seus textos fazem eu ficar com curiosidade de ver os filmes que ainda não assisti! E minha lista tá crescendo, hahahahaha

Bjo!

Thiago Paulo disse...

Eu adoro "Aos Treze", é um dos meus filmes favoritos. E tamb´pem considero como um dos melhores do tema, o elenco é muito bom, o ponto forte na minha opinião.

Vale muito a pena conferir esse filme.

Ah, você comentou lá no poste do Anselmo Duarte, deu a entender que você pensa que ele ainda é viva, mas infelizmente já faleceu.

Abraço.

Juninho disse...

Esse filme é muito bom!

Mirella Machado disse...

Com tantos comentários enormes fikei com vergonha de comentar.
Sua crítica está marvilhosa parecia contar o filme

Mirella Machado disse...

Ta meu comentário foi meio imcompleto. Continuando... Esse filme é muito bom mostrando as diversas dificuldades que adolescentes principlamente meninas tendem as se firmar nessa idade. Todas querem chamar atenção e Aos 13 colocou isso no filme de uma forma bem realista

Tiago Britto disse...

Estamos diante de um trabalho que eu não gostei...tudo bem que me lembro de ser muito menino quando assisti, mas recordo que achava que o tempo não passava a trama tentava ser sensacionalista e não conseguia me cativar. Lendo seu texto até tive vontade de reassistir, mas nha...não sei!!!

Saudades dos papos ! abs

Wally disse...

Ainda me recordo de forma muito vívida o quanto as atuações neste filme são maravilhosas. O texto também, ótimo. Muito boa sua análise, como sempre. ;)

Luciano Azevedo disse...

Já passei este filme várias vezes para meus alunos. Ele apresenta vários quadros, de modo que vc pode trabalhar vários aspectos do comportamento humano. Agora, uma pergunta: por que vc colocou "lesbianismo" nos marcadores do filme? Mais um vez, um texto brilhante.

Anônimo disse...

filmaço, nunca esquecerei...

Manuela disse...

O teu texto resume na perfeição toda a história e abordagem da película que, enfim, trata na perfeição muitos dos problemas da juventude.Parabéns!

Edson Coelho disse...

é um daqueles filmes que vem pra lembrar que ser adolescente é viver no inferno.
recomendo.

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