Tesão Existencial?

Arnaldo Jabor viabiliza um estudo íntimo com seu provocante filme Eu te amo. O trabalho tornou-se um sucesso no princípio da década de 1980, por exibir uma sensualidade explícita, o próprio autor proferia que seu trabalho beirava ao pornográfico. Porém, a trama vai além da esfera sexual, por conter um roteiro que discute os vícios e amarguras das relações amorosas; das dores sentimentais e os mistérios dos desejos que rondam as mentes pervertidas dos seres humanos. O existencialismo libidinoso exerceu um fascínio, pois atuou como embalo romântico e funcionou como um retrato do delírio psicológico humano, visto que o texto é extremamente teatral e reflexivo, numa espécie de monólogo. O filme é uma fantasia erótica intelectual sobre desejo e não se caracteriza como um exemplar da pornochanchada. A trama é o encontro de dois desconhecidos, dentro de um apartamento no Rio de Janeiro, onde toda a narrativa se estabelece. Maria (Sônia Braga), uma ex-comissária de bordo que não consegue recuperar-se do término de uma relação com um comandante casado. Paulo (Paulo César Peréio) é um industrial falido que não tem mais prazer em viver, desde que sofreu com as frustrações sentimentais ao ser abandonado pela esposa. O que une esse casal? Arnaldo Jabor retrata um homem e uma mulher que desejam se amar, na busca pela satisfação do prazer em meio a realização de fantasias eróticas íntimas.

Este filme de Arnaldo Jabor aproveita-se da figura sexual de Sônia Braga, naquele período, para sustentar uma overdose libidinosa que o roteiro transparece. A atriz mantinha uma imagem bastante sensual, no frescor de seus trinta anos, além de forte identificação com o público masculino. Sua personagem sustenta o teor sensual e explícito que a película incita. A caracterização de uma mulher dotada de feminilidade e liberdade sexual é um fetiche que instiga o masculino. Em função disso, Jabor concentra seu esforço em exibir uma sexualidade sem inibição da figura desta mulher, coloca-a deliberadamente a favor de sua expressão própria de libertina sedutora. Como um filme tão sensual pode ser existencial? A trama toda é centrada dentro do apartamento, num ambiente claustrofóbico. É onde dois personagens se encontram para festejar a ebulição carnal da sexualidade; do encontro secreto a dois, sem aparente relação sentimental. É uma mulher e um homem que buscam o sexo, como forma de se livrar da dor — é a visão provocadora de Jabor, mostra como o ser humano sofre a perda ao inserir o sexo com outrem como o condicionamento de uma superação pessoal. Os personagens de Maria e Paulo buscam o sexo como forma de fuga, já que não se enquadram num mundo onde não esquece paixões do passado.

A fina ironia e as indagações que permeiam os diálogos do casal central refletem bem a intenção de Arnaldo Jabor em desmascarar as vicissitudes humanas, a hipocrisia e o falso puritanismo social. E há citações paralelas de homossexualidade, machismo e prostituição. O interessante é expor não só a sexualidade através do encontro de dois estranhos — é o texto teatral e delirante que permite diversas discussões. Jabor constrói os diálogos do casal da maneira mais densa possível, vai do senso psicológico ao humor tragicômico. O casal expõe seus problemas, anseios e delírios humanos; o sentimento à flor da pele que não consegue se calar. Jabor recheia seu roteiro com falas que mantém a tensão da sexualidade, emulando cenas de transas do casal: há seqüências explícitas de sodomia; oral e nudez expressa pelos atores. Enquanto dialogam sobre o encontro casual, incitam discussões filosóficas sobre questões da vida; dos medos e também dos desejos mais perversos. Nota-se que não há uma inibição, tanto nas cenas de sexo, quanto nos diálogos que dimensionam o teor pervertido da sexualidade obscura. O casal demonstra, mutuamente, o ardor libidinoso por um sexo imoderado, isento de conservadorismo que tanto a sociedade padroniza.

Sexualmente verborrágico, existencial e ousado, é um filme que aborda temas diversos da problemática brasileira — e ainda se mantém atual, verdadeiro. A relação sexual de Maria e Paulo, bem interpretados por Sônia Braga e Paulo César Peréio, é crível ainda que tenham momentos surreais e divagadores. A direção de Arnaldo Jabor procura externar mais esse tom teatral em cenas que concentram diálogos constantes, as ações interpretativas são emolduradas dentro do apartamento onde o casal costura suas cenas eloqüentes. Porém, há desdobramentos, que mostram situações diversas do passado dos dois personagens centrais, em outros locais — Vera Fischer interpreta a ex-mulher de Paulo, uma mulher que também exerce uma representação sexual. As cenas que ela aparece são para sustentar a atmosfera ousada que o filme flexiona. E Tarcísio Meira é o homem que rejeitou Maria, visto que ela era sua amante. Com músicas de Chico Buarque e Tom Jobim no background sonoro, o filme transcorre nesse sentido de diálogos e cenas de sexo para promover sua análise discursiva sobre o amor. A evolução do erotismo inicial para a esfera romântica é gradual, aos poucos se entende que esse casal procura não só viver de sexo, mas sim de renascimento diante de um amor inesperado.

Eu te amo (BRA, 1981)
Direção de Arnaldo Jabor
Roteiro de Arnaldo Jabor
Com Sônia Braga, Paulo César Pereio, Tarcísio Meira, Vera Fischer

30 opinaram | apimente também!:

renatocinema disse...

Para questionar a hipocrisia e o falso puritanismo, como você mesmo disse não vejo ninguém melhor que Nelson Rodrigues dentro da cultura nacional.

Não sou fã do cinema de Jabor e sou um "inimigo" cinematográfico de Sonia Braga, por isso que nunca tive desejo de assistir essa produção.

Quem sabe um dia.....talvez.

Apesar do seu ótimo texto e sua ótima análise, não me anima assistir esse longa-metragem.
Abraços

Nelson L. Rodrigues disse...

um dos melhores textos que já neste blog. Parabéns!

pseudo-autor disse...

Eu não sou um grande admirador do cinema do Jabor, mas fiquei curioso pra ver esse! Tem tempo que eu não vejo nada com a Sonia Braga.

Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Gilberto Carlos disse...

Sonia Braga é uma de minhas atrizes preferidas e "Eu te amo" é um filme que também adoro, bem como a bela música homônima cantada por Chico Buarque. Para ver e rever...

Ricardo Morgan disse...

Tenho curiosidade de vê-lo, mas sempre esqueço de assistí-lo. O foda também que na locadora perto da minha casa não investe em filmes dessa 'categoria'.

O texto, como sempre, 'excitante'! Foi até elogiado pelo Nelson Rodrigues kkkkkkkkkkkk

Abraços

Anônimo disse...

Nao tinha ouvido falar neste filme. Há um tempo atras comecei a assisti um outro do Jabor (Eu sei que vou te amar). Parei logo no começo (nem lembro porque) mas me pareceu interessante. Imagino que a linguagem que ele trata os filmes devem ser mto similares como a forma que ele trata nos livros...

Dificil vai ser achar esse filme ae pra assistir ne? Acho que vale a pena eu conferir =)

Bjs

O Maldito Escritor disse...

Bela capa.

Luiz disse...

Fiquei feliz de você resgatar o trabalho do Arnaldo Jabor com sua análise. Gostando ou não do cinema dele, temos que admitir sua importância. Um abraço!!!

Cristiano Contreiras disse...

RENATOCINEMA: Eu acho que Nelson Rodrigues ainda é mestre, apesar dele só tecer um lado negativo da sociedade...com seus vícios, sujeira moral, sexo corrompido.

Acredite, este filme tem seus méritos e também não sou fã de Sônia Braga.

NELSON L. RODRIGUES: Obrigasdo!

PSEUDO-ATOR: Eu também não gosto muito de Jabor não. Mas este filme e outro em especial, "Eu sei que vou te amar", são bons filmes com a evidência da sexualidade. É por isso que este está aqui.

GILBERTO CARLOS: Não é das minhas atrizes prediletas, na verdade acho que, hoje em dia, Sônia Braga "desaprendeu" a atuar...por que será? Mas, seu simbolismo feminino sexual se mantém clássico. Neste período, ela estava em seu auge.

RICARDO MORGAN: Se puder, procure o filme. Não é difícil de encontrar, foi relançado em dvd - essa imagem da capa foi modificada, inclusive, pra uma mais 'comportada'. Mas, este é o poster original de cinema do filme.

LEMATINEE: É um filme pouco conhecido, hoje em dia. Mas, teve seu sucesso nos anos 80, como disse no texto. Você acha este filme e qualquer outro de Jabor em diversos sites por aí, ou pesquise em sua locadora, rs

GUILHERME SAKUMA: É uma instigante capa mesmo!

LUIGI: Obrigado pela presença, é sempre válido resgatar filmes que são pouco apreciados, né mesmo? Jabor sabe falar de sexo, muito bem.

Rodrigo Mendes disse...

Ele não pesava a mão nas cenas...como fez agora com A Suprema Felicidade. Eu gosto mais de 'Eu Sei Que vou Te Amar' sua última fita antes do hiato, que deu o prêmio merecido de melhor atriz em Cannes para Fernanda Torres.

Jabor e seu cinema teatral, eu gosto!

Abs.
Rodrigo

Wallace Andrioli Guedes disse...

Muito legal você abrir espaço pro cinema de Jabor, e, de forma mais ampla, pro cinema brasileiro (minha grande paixão). EU TE AMO é um dos poucos filmes de Jabor que ainda não assisti, mas como gosto muito de sua carreira, tal obra permanece na lista das que mais quero assistir. E depois do seu ótimo texto, essa vontade aumentou. Gosto muito da forma como o cineasta trata das questões do sexo e do amor, vide TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA e EU SEI QUE VOU TE AMAR.

Amanda Aouad disse...

É, nunca fui muito instigada a ver esse filme, mesmo gostando de algumas coisas de Jabor. Mas, seu texto está muito bom e acaba despertando esse curiosidade.

bjs

ANTONIO NAHUD disse...

Cristiano, revi EU TE AMO recentemente, filme que tinha boas lembranças. Mas não gostei. Achei-o pouco consistente. Vale por Pereio e o carisma de Sonia.
Abraços.

www.ofalcaomaltes.blogspot.com

Kamila disse...

O único filme do Jabor que eu assisti foi "A Suprema Felicidade". Que horror! Mas, filmes com o Pereio são BEM pesados! rsrsrsrsrs

Alan Raspante disse...

Até hoje não vi nada do cinema de Jabor, mas também nem tenho grande curiosidade. Não sei explicar, se ver algo dele um dia será mesmo por oportunidades, rs

Ótimo texto, Cristiano!

Luis Galvão disse...

Esses momentos divagadores de Jabor sempre foram interessantes. E é incrível como ele tinha um talento na criação do roteiro de um filme que, aparentemente, não revelava muita coisa. Enfim, gosto muito, mesmo não sendo o meu preferido dele.

Luis Galvão disse...

Esses momentos divagadores de Jabor sempre foram interessantes. E é incrível como ele tinha um talento na criação do roteiro de um filme que, aparentemente, não revelava muita coisa. Enfim, gosto muito, mesmo não sendo o meu preferido dele.

Gabriel Neves disse...

Esse parece ser melhor do que o novo dele, haha. Mas eu gosto do Jabor, quem sabe um dia eu veja esse Eu Te Amo...
Abraço.

Cristiano Contreiras disse...

RODRIGO MENDES: Eu não acho que Jabor esteja tão "bom" quanto antigamente, sei lá, prefiro seus trabalhos de outrora...e "Eu te amo" ou "Eu sei que vou te amar" são belos filmes; com ótimos textos e sentidos. E ele é bem teatral mesmo, é verdade. Gosto disso...abs!

WALLACE ANDRIOLI GUEDES: Eu acho que Jabor precisa ser reconhecido, sempre. E é claro que ele tem espaço aqui neste espaço. Se puder procure "Eu te amo" que encontra sua força mais no texto mesmo que na técnica e produção, pois é um filme que envelheceu bastante. Mas, recomendo! Vou rever "Toda nudez será castigada" em breve e "Eu sei que vou te amar". Aguarde eles aqui! :)

AMANDA AOUAD: Ah, reserve um tempo pra este filme! rs

ANTONIO NAHUD JÚNIOR: Eu revi e acho o filme o mesmo - com seus problemas técnicos, bem como os filmes da década de 80, onde se existia as limitações de produção. Mas, a força é o texto e as atuações. O sentido do filme em si.

KAMILA: Eu recomendo este filme!

ALAN RASPANTE: Se possível procure mais dos filmes de Jabor, tem textos bons, viu? Acredite!

LUÍS GALVÃO: Eu gosto muito deste e também não é meu predileto. Meu favorito é "Eu sei que vou te amar".

GABRIEL: Eu acho que este é, sem dúvida, muito melhor que os últimso filmes dele! rs

Serginho Tavares disse...

Pra mim a melhor coisa desse filme é o Pereio.
rs

Fábio Henrique Carmo disse...

Não vi esse filme, mas, pelo seu texto, ele parece muitíssimo com "O Último Tango em Paris". O que não deve ser mera coincidência.

Aliás, não gosto de Arnaldo Jabor, seja como cineasta ou "cronista". Pra mim, é só um reacionário metido a intelectual.

Cristiano Contreiras disse...

SERGINHO TAVARES: Pereio está ótimo mesmo e concordo que é o melhor do filme!

FÁBIO HENRIQUE CARMO: Eu acho que alguns questionamentos da sexualidade, e do roteiro colocar dois personagens dentro de um apartamento, torna a trama semelhante ao "O último tango em Paris" sim...mas, são filmes diferentes, no geral.

Eu também acho isso de Jabor, mas alguns filmes dele são válidos.

Evandro Oliveira disse...

Ainda não vi esse filme, mas obrigado pela dica, vou procurar na locadora amanhã.
Vi a peça em SP em novembro, o texto é uma fantasia erótica intelectual sobre desejo, concorco com você.

Vi recentemente um copo de cólera, do texto de Raduan Nassar, e confesso que esperava mais da direção e dos atores, o texto porém, também é incrível.

Abraços e te espero no blog.

EXPEDITO GONÇALVES DIAS disse...

Acho Jabor de um teatralismo exagerado no cinema. No texto constrói melhor seus personagens. Mas valeu.
O blog, no entanto é impecável, malagueta pura!... Grande Abraço!

Wesley Moreira de Andrade disse...

Adorei este post e toda a abordagem do blog focando nos filmes mais apimentados, de forte cunho sexual, porém não deixando de lado a qualidade artistica. Ainda não vi este filme do Jabor (que fez o maravilhoso "Toda Nudez Será Castigada"). Seu olhar clínico a respeito destes trabalhos é um grande diferencial no seu texto.
Parabéns!

Wesley
http://wesleyescritosebesteiras.blogspot.com/

Analista de sua própria vida disse...

Se o universo de uma pessoa só é complicado, imagine a angustia de duas pessoas! Bela análise.

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Jabor e seu cine-teatro me agradam, mas o Jabor de "Tudo Bem" e "Eu sei que vou te amar". E sem esquecer da nova cara que o diretor deu às adaptações de Nelson Rodrigues. que até ele aparecer pareciam se desculpar por existir... Não simpatizei com o seu "Amarcord brasileiro", lançado no ano passado.

Eu assisti a esse filme recentemente, por isso foi tão bom ler teu texto - ótimo texto. =)

Não tem como não lembrar da dinâmica d'O último Tango, não é mesmo?

Parabéns, rapá.

Cristiano Contreiras disse...

EVANDRO OLIVEIRA: Eu acho o filme com mais méritos que erros, por isso procure. 'Um Copo de Cólera' será postado aqui, em breve. Aguarde.

BLOG DO PROFEX: Jabor é puro teatro mesmo, mas é característica forte em suas obras. Ainda assim, o texto é interessante.

WESLEY MOREIRA DE ANDRADE: Obrigado! Eu vou rever "Toda nudez será castigada", em breve comento ele por aqui, fique atento!

THOMAS RIBEIRO: Concordo contigo!

LUIZ SANTIAGO: Esse filme tem mesmo elementos do clássico de "O Último Tango em Paris", mas prefiro esse...Afinal, Marlon Brando e Bertollucci são mágicos! rs

Anônimo disse...

"mentes pervertidas dos seres humanos"

Encontro de novo esta imagem no teu texto e me pergunto: o que vem a ser isto?

"uma mulher e um homem que buscam o sexo, como forma de se livrar da dor"

Segundo Freud, estamos todos em busca de compensações.

Logo: somos todos pervertidos.

Anônimo disse...

DESCULPE MINHA IGNORANCIA,MAS NAO ENCONTRI O LINK DO DOWLOADS

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