Insensatos Corações?

Como conter um desejo que pode arruinar as vidas de todos que ama? Há sentimentos que não se explicam, são de acordo com os impulsos da paixão. E quase sempre, um sentir passional, é capaz de causar inevitáveis consequências onde o prazer torna-se uma aflição. Lendas da Paixão é um ícone do romantismo, apoiado por uma trama dramática. Dirigido por Edward Zwick, é um trabalho sensível, imponente e com nítido tom emocional humano. O terreno centra-se na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá, em 1913. Nas Montanhas Rochosas reside a família Ludlow. O patriarca de uma família, o coronel Coronel William Ludlow (Anthony Hopkins), é um homem que tem a tarefa de cuidar de seus três filhos quando sua esposa abandona o lar. O mais velho é Alfred (Aidan Quinn), com ambições e convicções políticas, típico responsável que mantém um jeito reservado; Tristan (Brad Pitt) é o irmão do meio que recebeu educação e costumes dos índios, por isso tende a ser mais selvagem e destemido; e Samuel (Henry Thomas), o caçula protegido e formado em medicina — quando ele leva a sua namorada Susannah (Julia Ormond) para passar um final-de-semana, eis que toda a vida de sua família transforma-se. A jovem mulher causa um conflito incontornável ao envolver-se num súbito desejo por Tristan, além de ser alvo de interesse de Alfred. A situação familiar torna-se tensa, num grave desespero por conta do clima de instabilidade emocional que se estabelece dentro da casa. A partir dessa situação provocante é que o filme garante o seu sustento narrativo: como lidar com as reviravoltas do destino? Estaria essa família predestinada às tragédias? O filme mostra como uma mulher provoca o flagelo, a desunião familiar, a inquietação na harmonia dos irmãos por apenas ser o foco feminino de desejo dos três homens.

Por ser um filme representativo que mostra a existência da força do desejo — Edward Zwick concentra o melodrama em certas situações, porém o texto original baseia-se na obra de Jim Harrison que já exercia um papel fundamentado na tragédia familiar. A partir que Susannah entra na vida e todos, o âmbito familiar torna-se tenso. A mulher de beleza frágil, que exala uma sensualidade natural , agita a testosterona de três irmãos de personalidades distintas. E o filme mostra como pessoas do mesmo sangue são capazes de disputar um sentimento/desejo; tornam-se inimigos diante de interesses sexuais. Afinal, existia a condição também limitada de uma mulher no tempo que o conservadorismo social punia a liberdade do desejo feminino; como ter voz própria diante do que sente? Seria possível mostrar que deseja sexualmente um homem ao invés de outro? O contorno emotivo do desejo prevalece no filme, ao colocar esses três irmãos rivalizarem o amor da jovem que chega ao rancho para estremecer com os brios de todos. Amar é uma dor, paixão é um sufoco — Zwick foca nesse drama da relação de Tristan pela namorada de seu irmão, no qual drásticos acontecimentos se somam aos conflitos já existentes. Enquanto o filme segue na relação permeada de sentimentos díspares dos irmãos, a trama também abarca sensos de ciúmes e relações familiares também. Há demonstrações de carência afetiva; pai que predileta um filho ao outro e traições parentais.

Não só Susannah estabelece o contato com a sexualidade. Tristan condiciona o desajuste por conta de sua libido: o homem nutre o comportamento rústico, viril e dá o tom de masculinidade à narrativa. A hipermasculinidade desse personagem eleva o tom denso de certas cenas, simboliza o caráter passional humano. Além, o roteiro trata de acentuar o melodrama diante das aflições dos personagens; da insegurança feminina da personagem Susannah que causa o abalo de toda uma família e da maneira como o desejo humano é incontrolável. As lentes perfeitas de John Toll, premiada com o Oscar de fotografia, contornam cenas de sexo avermelhadas de Susannah e Tristan — ademais, capta todas as paisagens do clima bucólico do rancho e intimista dos personagens melancólicos. Edward Zwick conduz suas cenas com o apelo cuidadoso do dom romântico e adiciona mais elementos de emoção, adornados pela trilha sonora inspirada de James Horner que tempera o filme com uma sonoridade encantadora.

A densidade, romantismo e o tom melancólico permeiam o filme todo. É interessante que os personagens são próximos da realidade humana, por explorar os atos imperfeitos comportamentais — o roteiro investe na caracterização inconstante do temperamental personagem de Brad Pitt, aqui numa de suas melhores interpretações. O ator provoca com uma personificação agressiva, selvagem e até sensual. E seu personagem é o centro de admiração de todos, pela expressividade e intensidade que exerce fascínio geral. O elenco traz atuações precisas de Julia Ormond como a mulher predestinada ao desejo e ao sofrimento; há um Henry Thomas que eleva o tom emocional do filme e prestações críveis de Anthony Hopkins e Aiddan Quinn. A maestria interpretativa encontra vigor pela direção correta, porém íntima, de Edward Zwick. A atribuição do romantismo no filme é primordial, ainda que haja a graduação do drama trágico ao decorrer das cenas finais. É uma película carregada de desejo, de tristeza, de reviravoltas procedentes das mágoas dos personagens. E é impossível não refletir diante das situações apresentadas: nem sempre um desejo pode conceber somente prazer aos amantes apaixonados; há muita dor e muito dissabor, capaz de diluir qualquer sentido de contentamento vital. E o filme expõe esse lado negativo que culmina em emoção incessante. Um recorte que retrata a saga de uma família americana, mergulhada em agruras na virada secular. Eis um trabalho cinematográfico, incrivelmente belo, que evidencia o caráter mais insensato da paixão. "Algumas pessoas ouvem suas próprias vozes interiores e vivem de acordo com o que ouvem, essas pessoas tornam-se loucas ou lendas".

Legends of the Fall (EUA, 1994)
Direção de Edward Zwick
Roteiro de Susan Shilliday, William D. Wittliff, baseado no livro de Jim Harrison
Com Brad Pitt, Anthony Hopkins, Aidan Quinn, Julia Ormond, Henry Thomas

28 opinaram | apimente também!:

renatocinema disse...

Filmaço......Assisti no cinema e realmente foi construido de forma rica para mostrar o sofrimento e a tragédia familia movido pela paixão, pela sensualidade e erotismo.

Reinaldo Glioche disse...

Belo texto Cris. De fato um poderoso filme. Um ícone romântico por excelência. Zwick, como vc bem observou, captura o desejo com agudez.
Abs

PS: O título casou perfeitamente, boa analogia com a novela...

cleber eldridge disse...

Lindo filme, uma fotografia excelente, com um elenco excelente! Apesar de não me entender com Zwick, esse é o seu melhor filme!

Natalia disse...

Lembro desta frase do filme, rs. Tai um longo que eu tenho vontade de rever qualquer dia. Assisti várias vezes há muito tempo atras, eu era novinha ainda, pra mim o foco era Tristan e Suzanna e o resto que se exploda, rs. Sei que há estes conflitos por conta da mulher em relação aos homens cujo laço fraternal era mais forte quando esta não havia entrado em suas vidas. Seria legal rever para analisar mais por este angulo.

Bjo!

Amanda Aouad disse...

Adoro. E seu texto só deu vontade de rever. O filme é puro desejo mesmo. E Brad Pitt está maravilho, hehe.

bjs

Unknown disse...

Eu amo esse filme, no sentido de absorver toda a dor que vive boa parte dos personagens. Meus preferidos são os de Aidan Quinn (que você chama de prestação crível, e eu de excelente atuação) e Julia Ormond (linda e ótima atriz aqui). Brad Pitt, como de costume à época, está bem ruim, discordo de você; há cenas em que ele chora, por exemplo, e não me passa verdade alguma. Mas o roteiro favorece Tristan e faz dele um elemento carismático dentro da história, devo admitir. Uma história forte, que emociona em sua essência.
Também amo a trilha de James Horner, especialmente o tema The Ludlows.

Emmanuela disse...

Não sumirei mais, seguirei o conselho, vou ver este filme o mais rápido possível! Brad Pitt é um grande ator de sua geração. Não sabia que este filme é de Edward Zwick. Melhor ainda!

Flávio disse...

Muita jóia o texto Cristiano. Ainda não vi o filme, mas vou colocá-lo na lista aqui. Abs!

Cristiano Contreiras disse...

RENATOCINEMA: É um ótimo filme mesmo! Sempre gostei e na revisão percebi como se mantém forte. Há muito drama e romantismo, acho que por isso gostei, rs.

REINALDO GLIOCHE: Obrigado! É um poderoso filme mesmo, Zwick é um diretor bem subestimado por todos os cinéfilos, mas sei que alguns reconhecem que ele tem seu estilo. Já conhecia o livro e acho que este filme consegue ser ainda melhor que ele.

CLEBER ELDRIDGE: Eu não sou fã de Zwick, mas gosto desse filme. Na verdade, aprecio alguns filmes dele. Acho que "Diamante de Sangue" é outro bom material, muito forte e tem uma atuação densa de DiCaprio. Há "O Último Samurai" que, ao meu ver, é uma pérola. E "Um ato de liberdade" como fator marcante. Seu recente "O Amor e Outras Drogas" é uma boa pedida também, em breve comento aqui.

NATALIA: Reveja, eu realmente não me recordava de como era bom. Revi, me emocionei e gostei muito. O foco é em Tristan mesmo, papel que Brad Pitt soube muito bem interpretar. Mas, o filme explode com boas atuações.

AMANDA AOUAD: É puro desejo mesmo, mas há sentimento nele. Muito. Pitt está ótimo mesmo, não entendo como alguns criticam.

WEINER: Eu gosto muito de Aidan Quinn neste, acho que o ator até poderia ter tido uma nomeação ao Oscar de coadjuvante. Grande força do filme é na sua amargura, na forma como o tom emocional deste personagem fica evidente aqui. Ormond é contida, mas sua beleza aqui é nítida. Jamer Horner é um grande instrumentista!

EMMANUELA: Olá, sumida! Então, veja esse filme, pois acho que vai apreciar mesmo.

FLÁVIO: Obrigado! Pensei que já conhecesse esse. Recomendo!

Alan Raspante disse...

Já vi esse filme algumas vezes já tem um tempo. Minha mãe adorava ele na época, rs

Mas me lembro pouco do filme em si. Quase nada. Vou tentar rever!

Abs.

Kamila disse...

O amor dos irmãos pela mesma mulher não só arruina as vidas deles, como também estraga esse filme para mim. Mas, eu entendo completamente as decisões narrativas tomadas por diretor e roteirista, no caso de "Lendas da Paixão".

Ricardo Morgan disse...

Belíssimo filme. Tenho que ver novamente. Um dos melhores romances que já vi!

Wallace Andrioli Guedes disse...

Puxa, acho que vou ser o primeiro a discordar aqui: acho LENDAS DA PAIXÃO bem fraquinho. Clima melodramático à lá novela das 6h, uma história carregada de clichês e dotada da irritante pretensão de ser "um grande épico americano" - o que não é. É um novelão, isso sim. E não concordo mesmo contigo, Cristiano, quanto ao desempenho do Pitt: acho que ele simplesmente encarna o estereótipo do rebelde de bom coração fazendo cara de adolescente com raiva durante todo o filme. Pitt evoluiu demais como ator, hoje é realmente excepcional, mas nessa época (1994), era ainda apenas regular (tanto que, no mesmo ano, foi totalmente ofuscado por Tom Cruise em ENTREVISTA COM O VAMPIRO).

Cristiano Contreiras disse...

ALAN RASPANTE: Eu gosto desse filme desde criança, minha mãe também aprecia bastante. Acho que é um dos filmes que ela mais prefere. Reveja, sim.

KAMILA: Não acho que a personagem de Julia Ormond "estraga" o filme, na verdade é o conflito todo da história. Sem ela, o filme nem teria sentido pra mim...

RICARO MORGAN: É um belo e dramático romance mesmo, reveja.

WALLACE ANDRIOLI GUEDES: Eu não acho um filme fraco não, mas respeito sua opinião. Pra mim é um filme simples, sem querer ter pretensão alguma. É bem emocionante, e todos estão bem no filme. Brad Pitt é melhor ator agora, mas acho que aqui concebe uma atuação digna. E seu personagem Tristan é meu predileto deste filme. Em "Entrevista com o vampiro", ao meu ver, tanto Tom Cruise quanto ele estão bem.

Unknown disse...

Eu odeio esse filme. Gargalhei sozinho no cinema naquele final do urso, em ritmo acelerado tipo Didi, Dedé, Mussum e Zacarias fugindo do bicho. Hilário. Minha namorada na época ficou com vergonha e perguntando baixinho: "Que isso? Por que você está rindo?"

Alguns anos depois, ela me deixou sozinho no cinema vendo "Boogie Nights", porque ela ficou horrorizada com o filme. Eu fiquei até o fim.

Diga-me: quem estava com a razão?


Abs!

Gabriel Neves disse...

Agora que vi posso comentar, rs. Teu ótimo texto mostra muito bem a força do filme em retratar um desejo ardoroso que pode até vencer batalhas morais para cumprir o seu fim. A fotografia do filme é realmente ótima, e eu gostei bastante de Anthony Hopkins e Julia Ormond nesse, mais até do que de Brad Pitt.
A obra evolui muito paulatinamente, ao mostrar aos poucos a personalidade de cada um mais aprofundada, principalmente com o personagem Tristan que vai se tornando cada vez mais humano em suas ações animais ao longo do filme. Também achei Susannah a força motora da sessão, sua personagem me emocionou profundamente.
Lendas da Paixão é um ótimo filme que mostra um lado mais ardente de uma paixão selvagem, tão selvagem quanto o protagonista.
Abraços.

Fábio Henrique Carmo disse...

Cristiano, dessa vez vou ser forçado a discordar. Considero "Lendas da Paixão" um filme medíocre. Só o que se salva é a fotografia. Acho que Brad Pitt está no pior momento da carreira dele. Um novelão ruim. E olha que quando comparo a novela, não é nem a novela brasileira, mas mexicana...

Rodrigo Mendes disse...

Espero que o Gilberto Braga leia o seu texto! Rs ô novelinha viu... rs

Abs.

É um clássico dos 90´s e Zwick é um ótimo artesão pra toda obra!
Vide agora Amor e Outras Drogas.

Rodrigo

bruno knott disse...

Esse é um que eu assisti. Grande filme cara, Zwick mostrando que é um bom diretor. Gosto desse ar melancolico e romantico que ele consegue impor no filme.

Cristiano Contreiras disse...

OTAVIO: Credo! Seu insensível! rs

GABRIEL: Obrigado! Concordo contigo, o filme retrata mesmo questões morais e, principalmente, desejo. E a fotografia é perfeita. Ormond tem uma atuação contida, mas é eficiente mesmo. Ótimo comentário seu!


FÁBIO HENRIQUE CARMO: Não acho um filme medíocre, nem mesmo Pitt. Novelão? É o que alguns acham, mas pra mim o filme emociona e tem uma trama sincera. Abs!

RODRIGO MENDES: Gosto de alguns trabalhos de Zwick, principalmente este e o novo "Amor e outras drogas".

BRUNO KNOTT: Concordo integralmente com seu comentário!

M. disse...

Oi Cristiano!!!!

Faz tempo que não venho aqui! Esse filme assisti nos anos 90, e realmente ele tem algo que nos prende. Sem dúvida é uma história como poucas no cinema. Um abraço e ótimo fim de semana.

José Rodrigues disse...

Este filme é uma procaria tão mal amanhada que mais vale meter a cabeça debaixo dum pedragulho do que ver este esterco. Sim, como já disseram por aí, isto tem ares de novela da noite ou das seis ou da hora que a meterem. Coisa tão irritante não é fácil encontrar. só serve pra levar uma gaja e depois come-la porque ela começa a chorar e tu choras com ela e agarras-te e o diabo a quatro, mas se fores fino fazes esse teatro aos vinte minutos do filme e depois escusas de ver o resto e tás entretido com a moçoila eheh

Luiz Neves de Castro disse...

Cristiano, comentário fora do contexto para comunicar que fiz a republicação de duas postagens do Apimentário (Preciosidade Literária e A vez do Corpo?) no Carrancas Literárias sobre os livros: A Paixão Segundo G.H. e A Via Crucis do Corpo, duas preciosidades literárias de Clarice Lispector.
Foram seguidas as orientações para republicação de textos e imagens estabelecidas no memorial do Apimentário.
Tudo de bom, um grande e afetuoso abraço

Jonathan Nunes disse...

Esse filme tem um ótima fotografia, o elenco também está muito bem, diferente de outros eu até gosto das obras do Zwick. Critiano você irá fazer algum texto sobre "Amor e Outras Drogas"?

Abs.

Cristiano Contreiras disse...

M.: Obrigado pela visita! Esse filme, ao meu ver, marcou muito os anos 90.

ZÉ BOMBA: Discordo do seu comentário, meu caro! Abraço!

LUIZ NEVES DE CASTRO: Obrigado, vou lá conferir!

JONATHAS NUNES: Eu acho que a fotografia é um grande ponto positivo desse filme mesmo. E sim, em breve publico aqui o filme "Amor e outras drogas", aguarde! abs!

Felicidade Clandestina disse...

Adorei tudo aqui :D

Eri Jr. disse...

Assisti só metade deste filme e tinha achado um saco na época!!! Mas era mais novo e ainda não tinha lido tua análise!! Me deixou com vontade de assistir de novo (e inteiro dessa vez)!! rsrs

Parece que se assitir novamente vou "enxergar" tudo isso que tu escreveu, já que eu não tinha visto da outra vez!! rsrs

Abraço

Clenio disse...

Você sabe muito bem minha opinião sobre esse filme enquanto cinema: acho um melodrama que funciona para emocionar, mas o faz de maneira um tanto exagerada. Eu gosto, particularmente, mas reconheço suas falhas de roteiro.

Não entendo a fascinação toda em torno da absolutamente sem sal Julia Ormond e acho que eles exageram na persona sexual de Brad Pitt, que acaba se tornando mais objeto do que uma pessoa.

Mas concordo com a afirmação de que o instinto sexual é tão forte que é capaz de virar do avesso até mesmo uma família unida como os Ludlow.

Abraços
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Aperitivos deliciosos

CinePipocaCult Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos Le Matinée! Cinéfila por Natureza Tudo [é] Crítica Crítica Mecânica La Dolce Vita Cults e Antigos Cine Repórter Hollywoodiano Cinebulição Um Ano em 365 Filmes Confraria de Cinema Poses e Neuroses