Poetas do Desejo

A homoafetividade é tratada com poder irretocável, sensibilidade e expressão no belo Eclipse de Uma Paixão, filme dirigido por Agnieszka Holland. O trabalho prioriza o relacionamento proibido homossexual dos poetas franceses Paul Verlaine (David Thewlis) com Arthur Rimbaud (Leonardo DiCaprio). O roteiro de Christopher Hampton, sustentado com base nos diários, cartas e poemas dos dois escritores, foca na tempestuosa relação desses dois homens que provocaram uma sociedade conservadora do século XIX. Rimbaud, com então dezesseis anos, exibia um precoce talento pela escrita, revolucionou a poesia daquele período e foi alvo de muita polêmica pelo comportamento transgressor e arrogância acentuada. Verlaine mantém um casamento aparente com Mathilde Maute (Romane Bohringer), onde é sustentado pelo pai dela. Quando decide apadrinhar o jovem Rimbaud, Verlaine transforma sua vida num inferno: a admiração entre ambos é gradual, do encantamento inicial e admiração intelectual, surge um desejo avassalador. Como conter esses impulsos? Será que apenas o tesão é o único elo que situa esse envolvimento de dois grandes poetas? Centrando-se nessa problemática da homoafetividade e do desejo entre dois homens, Holland articula um filme que não só retrata turbulentos fatos reais — é um exímio trabalho cinematográfico ousado, recobre com sensualidade e poesia a atmosfera carnal de um relacionamento selvagem entre duas pessoas sob as amarras predatórias de uma sociedade preconceituosa. Não existe maior adversidade que os próprios impulsos do desejo. A vida torna-se um martírio e nem sempre é algo compreensível.

A homossexualidade não é um suporte dentro do recorte que prioriza as trajetórias desses dois poetas — torna-se o foco principal, é através desse senso sexual que o filme se sustenta. O roteiro, totalmente provocante e com diálogos poéticos, acentua a estranha e intensa relação de Rimbaud e Verlaine. Há cenas que demonstram o gradual envolvimento de ambos, inicialmente com as trocas de olhares para o interesse sexual mútuo. É a típica história, tão recorrente do universo gay, sobre as impossibilidades de um relacionamento entre dois homens que precisam manter as aparências sociais. O conservadorismo cruel do século passado considerava uma afronta à religião; aos rigores sociais e ao falso puritanismo que pune com veemência as adversidades sexuais — a relação dos poetas nasce no segredo e é difícil ser alimentada dessa maneira. Interessante que ainda que com personalidades distintas, esses dois poetas encontraram na paixão algo a ser compartilhado. E o filme exerce esse fascínio polêmico, pois incuti um tom sadomasoquista e violento na relação de desejo e convivência dos amantes. O desejo alimenta-se da emotividade, para tanto o teor passional comportamental é evidente na condição relacional dos dois. A prioridade do roteiro é caracterizar essa relação homossexual dos dois, dando pouco espaço para subtramas sobre a questão literária de ambos ou focos familiares. O tom sentimental é mais nítido, visto que a trama acentua esse relacionamento masculino sedutor.

As constantes cenas de sodomia praticada pelos poetas elevam a sensualidade da trama, a direção prioriza algumas cenas de sexo entre os dois. Além, exibe sequências onde os atores despem-se fisicamente e em diálogos sexualizados. Há ainda um tom íntimo e provocador, pois explora o contato dos personagens em cenas de beijo e afetividade. E é o sexo que vai demonstrar questões bastante preocupantes daquele período: Verlaine é acusado de adultério pela sua esposa que não se conforma em ser uma mulher rejeitada pela sociedade; a típica representação feminina que sabe das preferências sexuais do marido, mas não consegue se expor perante uma sociedade, aqui encontra um caminho inverso. Verlaine não sabe lidar com seu casamento, nem mesmo manter a infidelidade como alternativa — então, habitualmente, abandona sua esposa em diversas situações, apenas para intensas noites de sexo com seu amante Rimbaud. A homoafetividade é o foco, ainda que Verlaine assuma ter um tesão irrefreável pelo corpo de sua mulher. Inclusive, o roteiro mostra o tal conflito do poeta que parece sentir necessidade de um coito com o sexo feminino — seria a bissexualidade em seu aspecto tangente. Mas, ora, existem regras e rótulos para a sexualidade?

Uma paixão que explode em aflição? O desejo que se concentra só no sexo? E o amor surge como turbulência? O filme fundamenta-se como retrato de dois homens que se amam, imersos na dor de uma sociedade que não permite que eles se assumam. É um recorte sobre a arte, dor e prazer. Leonardo DiCaprio mergulha na sua composição de poeta libertário e libertino, seu talento exibe as chagas do homem que sofre por amar e as agruras de ser um homossexual naquele período. Suas cenas homoafetivas, junto com o expressivo David Thewlis, reforçam a provocação sexual da película que reflete uma instigante trajetória real. Agnieszka Holland prioriza a química vibrante desses dois personagens, ainda que revelados em muitas discussões e brigas constantes — há cenas que apenas sua objetiva se concentra nos rostos dos atores, permitem que eles direcionem os elementos de emoção e sensualidade. É um filme sombrio que expõe a sexualidade, a obscuridade do amor e a relação da inocência com a malícia. A sentimental combinação de Rimbaud com Verlaine é da paixão embrutecida; um envolvimento tão avassalador como incontrolável. A bela trilha sonora de Jan A.P. Kaczmarek reconta em melodia este caso de amor turbulento, tão importante para a história do universo homossexual social. É um trabalho cinematográfico que merece ser sentido. Tocante, sentimental, emocional.

Total Eclipse (EUA, 1994)
Direção de Agnieszka Holland
Roteiro de Christopher Hampton
Com Leonardo DiCaprio, David Thewlis, Romaine Bohringer, James Thieree, Emmanuelle Oppo

31 opinaram | apimente também!:

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Rapaz, eu gosto muito desse filme, mas você parece que gostou DEMAIS. =)

Esse filme e "Ligadas pelo Desejo" dos irmãos Wachowski foram os primeiros com temática homosexual que eu vi na minha vida, e ainda tenho muito fortes na memória as histórias.

A química entre DiCaprio e Thewlis é incrível. O filme REALMENTE é pra ser sentido.

renatocinema disse...

Esse filme nunca tinha chamado minha atenção.......até ler seu texto.

Belo texto para uma ótima opção cinematográfica.

Evandro Oliveira disse...

Um dos primeiros filmes com esse tema que vi na vida, lembro que fui ao cinema escondido,rs
Me marcou profundamente.
Dicaprio está completamente tomado pelo personagem e apresentou um trabalho irretocavel.

Abraços e aparece lá no blog.

Edson Cacimiro disse...

Um filme fabuloso, já vi e revi inumeras vezes e nunca me canso.

Kamila disse...

Que texto maravilhoso! Tem muita gente boa envolvida nesta obra, a qual ainda não conferi. Anotei a dica aqui!

AnnaStesia disse...

Um filme muito bom que foi rechaçado na época pois DiCaprio resolveu sair do estereótipo do galãzinho em ascensão. Com muita coerência escolheu um papel (e filme) que desafiava seu talento e o levava a outro patamar. Recomendo.

Hugo de Oliveira disse...

Gostei muito desse filme. Foi o único filme que gostei da atuação do DiCaprio.


abraços

Cristiano Contreiras disse...

LUIZ SANTIAGO: Eu, realmente, amo esse filme. Uma pena que poucos conheçam. Ah, falando nesse filme dos irmãos Wachowski, eu vou revisá-lo e em breve estará por aqui, viu?

É verdade, a química de DiCaprio com Thewlis ajuda muito na composição sexual desse filme! abs!

RENATOCINEMA: Pois, se puder, corre atrás dele. É um filme pra ser sentido.

EVANDRO OLIVEIRA: Eu não vi ele escondido, mas me recordo de ter visto ainda criança, lembro que me choquei com certas situações. Revisei ele recentemente! É mesmo um belo filme!

EDSON CACIMIRO: Concordo contigo!

KAMILA: Obrigado, Ka! Eu gosto muito do filme, se puder procure ele, espero que aprecie.

ANNASTESIA: Ao meu ver, DiCaprio sempre foi um ótimo ator. Obviamente, seus filmes pós-2000 são mais interessantes, ou melhor: mais versáteis, coisa que permitiu melhores desempenhos fora do limitado posto de 'galã'. Lembremos que anets desde filme, ele havia sido feito uma ótima atuação no "Gilbert Grape", filme por qual teve sua primeira indicação ao Oscar. É um ator que mergulha totalmente em suas composições, admiro muito ele.

HUGO DE OLIVEIRA: Ah, há muitos filmes do DiCaprio que eu aprecio! Muitos mesmo.

Brenno Bezerra disse...

Ouço falar dele desde a infância, mas nunca pude conferi-lo. Um dia, quem sabe.

Mayara Bastos disse...

Adorei o texto! Não conhecia esse filme, mas fiquei curiosa. Não conhecia essa faceta do DiCaprio. rsrs. ;)

Anônimo disse...

E se eu te falasse que nunca nem ouvi falar desse filme? UHAHUAHUAUHAUHAHU!

Mas pelo teu texto, como sempre, fiquei com vontade de assisti-lo! Continue assim, amigo, que vc vai longe!

Ps: Passa lá no Cinefreaks! Tem umas 3 críticas novas, :)

Flávio disse...

Ja vi este filme. É tudo o que vc disse... a relação ali é literalmente poesia.

Ricardo Morgan disse...

Não conheço o filme. Boa dica! Um abraço

O Neto do Herculano disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

O filme é bom, mas Leonardo DiCaprio é estupendo! Embora a Academia não concorde comigo...

E David Thewlis não teve tanta sorte. Achei que ela ia estourar com esse filme.

Abs!

Unknown disse...

Lembro perfeitamente de quando eu era bem novo, uns 12 anos, acho, e observei esse filme na videolocadora, perguntando pro rapaz que trabalhava lá se era bom. Ele virou pra mim e disse: "esse filme não é bom pra meninos, não". Hoje fico pensando como as pessoas tem preconceito...
Mas veja só... Anos se passaram e ainda não procurei por ele outra vez. A história sempre me pareceu encantadora, e seu texto deixou claro que apesar de abordar a sexualidade com alguma intensidade, não fica vulgar. Parece muito bom. Preciso procurá-lo.

Cristiano Contreiras disse...

BRENO BEZERRA: Pois, é um bom filme que merece ser conferido, viu?

MAYARA BASTOS: Eu acho que você poderia ver e até postar sobre esse filme, DiCaprio está excepcional!

RENATO TAVARES MAYR: Ah, acredito! Eu acho que você pode gostar do filme, ainda que seja um tipo de abordagem que, pelo meu ver, você não seja fã. Verei seu blog sim, ando em falta mesmo.

FLÁVIO: É uma relação mais turbulenta, eu diria! mas, a poesia é sim parte da sexualidade deles. rs

RICARDO MORGAN: Então, pode conferir hoje?

POR QUE VOCÊ FAZ POEMA?: Eu acho que DiCaprio nunca teve maneirismos. É um ator versátil até, excepcional!

OTAVIO: Eu nunca achei que esse filme faria tanto sucesso, é difícil trabalhos pautados na sexualidade homo ter retorno assim, convenhamos.

WEINER: Acredito que pode gostar mais, na revisão. Mas, é óbvio que a força desse filme é mais pelas atuações, pois é um trabalho sensível e com um roteiro simples, não acho que isso prejudique. Confira e depois faz um texto, quero ler.

Rodrigo disse...

Belo texto, cara, mas infelizmente não conheço e nunca vi praticamente todos os filmes do seu blog, por isso que não havia comentado antes. Espero, no futuro, que isso mude. Abrass

joyce Pretah disse...

cris,vc é impecável em seu jeito de traduzir o filme em letras.


o que me chamou a atenção neste filme foi esse lance de como um homossexual vivia em pleno seculo 19,onde o repúdio era imensamente maior...

amei o jeito ''de peito aberto'' com que leonardo di caprio interpretou rimbaud,um poeta tão intenso.

as cenas de sexo lindíssimas e,devo confessar que além de verlaine,eu tbm pirei no corpo de matilde.....rsrsrs

bom voltar aqui,te recomendo sempre,cris!

ps : tenho o filme aqui em casa,vou rever!

Elton Telles disse...

Caramba... eu já vi a capa desse filme na locadora, e aparece DiCaprio com cara de piá e um céu azul no fundo, com letras garrafais "DiCaprio está fenomenal" ou algo do tipo, e não dei um tostão por ele rs. Achei que fosse um filme fracassado que encontrou na figura do ator o merchan ideal para despertar interesse do público.

A capa não me chamou a atenção, portanto nem tive curiosidade para ver do que o filme se tratava, mas enfim. Parece algo bem sensual pelo texto. O ator já mostrando as garras...rs. Não sou muito fã do David Thewlis. Acerta, mas erra na mesma proporção, não é um ator que me interesse muito.


abs!

Reinaldo Glioche disse...

Belo texto Cris. Não me lmbro muito do filme. Já vi faz tempo.Mas me recordo de que gostei bastante. Seu texto me provocou a vontade de revê-lo.
E por falar no seu texto, vc lança questionamentos muito interessantes sobre a sexualidade que merecem atenção em uma revisita ao filme.
Abs

Xxx disse...

Saudações,

Este filme é fantástico. Aquele tipo que se vc gosta de literatura e psicologia deve rever sempre... por desejo mesmo... rs...

Belo texto escrito por vc, parabéns...

Até mais...

Richard Mathenhauer disse...

Gosto do filme, e o tenho em casa. Sinto-o um tanto angustiante.

Houve, na minha opinião, talento suficiente entre os atores Di Caprio e D. Thewlis para dizer que fizeram uma ótima atuação, com exceção de D. Thewlis na velhice.

Abraços!

Cristiano Contreiras disse...

RODRIGO: Obrigado! Então, espero que assista algum dos filmes que resenho por aqui.

JOYCE DOMINGOS: Eu tento vivenciar muito o que o filme diz. E esse trabalho, além da bela atuação de DiCaprio, é um forte representante sobre aspectos do universo homossexual no século 19 mesmo. E isso é válido. Também acho que as cenas de sexo são interessantes, de fato Romaine Bohringer tem um corpo bonito e no filme fica evidente esse lado mais sensual dela. Reveja, sim! Obrigado pelo comentário.

ELTON TELLES: Realmente, essa capa do dvd é podre, é bizarra! É a mesma do meu aqui. A capa que ilustra meu post é bem melhor, é a versão da capa americana, bem mais sensual e instigante. Confira o filme, acho um ótimo trabalho. E também nem sou fã de Thewlis, mas aqui ele convence.

REINALDO GLIOCHE: Obrigado! A sexualidade sempre vai prevalecer aqui neste espaço, ainda mais num filme tão sedutor.

KLEBER GODOY: Sim, o filme tem um bom estudo sobre a sexualidade e a psicologia mesmo, concordo! Obrigado pela visita.

RICHARD MATHENHAUER: Eu também acho esse filme meio tenso, muito angustiante, pelo amor firmado em ódio e sexualidade problemática dos dois homens. E as atuações são mesmo intensas!

Gabriel Neves disse...

Gosto do DiCaprio, acho ele um bom ator, e adoro quando o tema do homossexualismo é retratado em filmes. Com ele em foco, ou o filme é muito bom ou é muito ruim, e pelo teu ótimo texto dá para ter uma ideia disso. Esse lado preconceituoso de uma sociedade sempre é bom para se rever e gerar boas discussões. Vou conferir.
Abraços.

AnnaStesia disse...

Cristiano, sempre gostei muito de DiCaprio. Tive a sorte de conhecer seu trabalho desde O despertar de um homem, pois sou fã de De Niro. Realmente, em Gilbert Grape ele está sensacional. E quase ninguém lembra dessa indicação. Infelizmente a "Academia" desenvolveu uma má vontade quase intransponível com Leonardo. Vide esse ano. Duas atuações excelentes e nenhuma indicação. Mas o dia deles vai chegar e terão que se render.

Amanda Aouad disse...

Taí, um filme de Leonardo DiCaprio que nunca vi, na época que foi lançado não me interessei e depois fui esquecendo na memória. Adorei seu texto, vou dar um chance ao filme.

bjs

Anônimo disse...

Um filme fantástico...!!!já vi várias vezes...bjus meus!!

Cristiano Contreiras disse...

GABRIEL: Eu também gosto de DiCaprio, sempre apreciei. Este filme, além de interessante, expressa a homoafetividade de maneira muito densa e problemática, acho que você vai gostar dele. Se puder, assista o mais breve, tá?

ANNASTESIA: Eu acho "O Despertar de um homem" um ótimo trabalho de DiCaprio, ele afronta Robert De Niro, é um bom duelo interpretativo, né? Uma pena que poucos conheçam aquele filme. É triste observar mesmo que a Academia não reconheça o talento de DiCaprio, mas espero que um dia eles "acordem" pra isso, sinceramente.

AMANDA AOUAD: Então, procura logo! Esse filme é bem interessante, espero que um dia você comente sobre ele em seu blog.

Fernando Fonseca disse...

Eu vi esse filme tinha 13 para 14 anos, foi uma semana após ver Titanic. E pude perceber desde cedo o talento do jovem DiCaprio, que transita mto bem nesse papel homoerótico, afinal, era miúdo e as curvas delicadas lembravam uma mulher (mulher padrão americano, sem bunda). David Thewlis, que eu acho um bom ator, dá dignidade e vivacidade ao papel (saber que ele é adorado por crianças hoje em dia, por conta de Harry Potter, apesar de nem lembrarem o nome dele), e percebe-se o tesão que nutre pelo Léo.

Vael disse...

Eu confesso que comecei a ler Rimbaud depois desse filme que eu vi a uns oito anos.Muito bom!

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