Cidade do Pecado

Ironicamente, a metrópole que se intitula como cidade dos anjos esconde uma teia lasciva de corrupção e violência exponencial que nada se assemelha à noção angelical presumida. E foi nos anos 50 que houve uma maior euforia de criminalidade, traições e luxúria que fomentaram a máfia que imperava e ditava regras este mundo tão perigoso. O instigante thriller Los Angeles, Cidade Proibida traz à tona toda a problemática e exprime com veracidade o terreno social de uma cidade onde o luxo se misturava à ganância; a maldade prevalecia junto com delitos desenfreados. Adaptação eficaz do livro de James Ellroy, esta película tem uma direção cuidadosa de Curtis Hanson. O centro narrativo contorna três personagens, os detetives do Departamento de Polícia de Los Angeles — após um brutal homicídio múltiplo, os homens convergem numa trama de investigação que pauta esquemas de depravação criminal e uma agência de prostituição que coloca mulheres como sósias de famosas estrelas de Hollywood. Três detetives, três diferentes personalidades: Ed Exley (Guy Pearce) é o correto, contido e introspectivo jovem que ambiciona uma posição melhor; Bud White (Russel Crowe) é o selvagem que não consegue conter os ímpetos agressivos, a personalidade forte e a rebeldia que soma-se a uma violência comportamental; Jack Vincennes (Kevin Spacey) alia-se de um repórter sensacionalista (Danny DeVito) para firmar flagrantes armados de pessoas ligadas ao cinema em situações comprometedoras. Numa trajetória que externa as corrupções policiais, bem como o universo repleto de desonestidade e conspirações, esses homens infiltram-se num jogo onde nada é o que parece ser. Muita sujeira, insegurança e incerteza percorrem o tenso caminho das investigações que levam a uma prostituta de luxo misteriosa, Lynn Bracken (Kim Basinger). Seria ela a chave de todo o mistério? Quais os esquemas sórdidos por trás dessa cidade mascarada? O que esconde uma sociedade que exterioriza uma beleza inexistente? Por trás de uma cidade de plástico, existe um reinado de drogas, sexualidade desvirtuada e muita violência descomunal.

É um filme que reforça o estilo noir, visto que homenageia o gênero ao colocar elementos visuais e personagens com características deste senso. O roteiro consegue intrigar na objetividade, ainda que existam vários personagens complexos que se mesclam como forma de sustentar um panorama convicto da criminalidade e corrupção daquele período. Contextos de traições no meio policial são reforçados pelo aspecto cru de como esse sistema, além de bruto, torna-se sufocante. E o diretor Curtis Hanson lida com as personalidades distintas de seus personagens, num suspense gradual, aproximando-os ao passo que o cenário noturno de Los Angeles é desconstruído com muita malícia — por que tanta violência? Quais os esquemas mais sujos são segredados? O que uma rede de prostituição tem a ver com tantos crimes? As inúmeras questões são formuladas, respondidas. A narrativa é febril e as maneiras como os fatos se costuram são impactantes. A trilha sonora de Jerry Goldsmith é marcante, pois sonoriza com uma melodia excepcional as seqüências elétricas de suspense e momentos de sensualidade.

A sexualidade é evidente na contextualização da prostituição; as mulheres sedutoras, envolventes e libidinosas que imitam as atrizes de Hollywood. Há sósias de Marilyn Monroe, Rita Hayworth e Veronica Lake — esta personagem concebe toda a carga de sensualidade no filme. Há todo um glamour, um aspecto sexy e contorno dúbio em torno de sua personalidade, bastante condizente com o universo malicioso do roteiro. Lynn é a prostituta de luxo que mantém o diálogo da sexualidade com os homens — usa de seu poder feminino e beleza proeminente para promover os momentos mais provocantes. E Kim Basinger retrata o símbolo do prazer; da sexualidade de alta classe, numa mulher que usa do corpo para atrair e persuadir outrem. É a prostituta misteriosa que personifica uma estrela de cinema, com toda a sedução de imagem física e construção sexual que modela este senso. O roteiro a coloca em posição de desejo, foco de tesão dos detetives que não conseguem abster-se da libido própria da testosterona na sua presença. Sedução feminina, loira fatal, transpira luxúria. E ainda há espaço para paixão ao colocar um envolvimento de Lynn com o policial Bud White, por sinal os momentos do casal trazem uma carga emotiva e evidencia um certo caráter romântico ao filme.

Curtis Hanson talvez nem imaginasse, mas concebeu uma obra-prima capaz de promover inúmeras revisões, sem perder a áurea charmosa que a película confere. Sua sensibilidade e até inteligência em articular discussões, através do febril roteiro, sobre questões referentes à violência e toda a podridão humana que se acumula dentro de Los Angeles é mais que plausível. Polêmicas sobre assassinatos; corrupções e métodos não ortodoxos do sistema policial; prostituição ou mesmo "homocídio" — termo citado em dado momento ao dar contorno sobre relações de crimes que envolvem homofóbicos/homossexuais — são bem exploradas no escopo argumentativo. E não só Basinger promove uma hipnose em cena, pois as interpretações louváveis de Russel Crowe bem como de Guy Pearce incutem toda a excitação que é fecundada nessa obra cinematográfica. A direção explora ao máximo os meandros interpretativos do elenco (a voluptuosidade de Basinger com Crowe em cena, principalmente), somado ao requinte de fotografia, montagem e direção de arte. Inúmeras reviravoltas, provocações e eletrizante tensão promovem uma atmosfera angustiante nos minutos finais. E é quando os personagens atingem suas faces verdadeiras; a verdade vem à tona e as decisões são tomadas de acordo com as transformações de cada um. Cínico, sangue, sexy e provocativo!

L.A. Confidential (1998, EUA)
Dirigido por Curtis Hanson
Roteiro por Curtis Hanson e Brian Helgeland, baseado no livro de James Ellroy
Com Russel Crowe, Kevin Spacey, Guy Pearce, Kim Basinger, Danny DeVito

22 opinaram | apimente também!:

Amanda Aouad disse...

Adoro o filme, o clima, o estilo. Ótimo texto para um filme tão Apimentário.

bjs

Rodrigo disse...

Devido a alguns problemas durante a semana, ainda não vi o filme, portanto cancelarei a postagem. Mais do que me falaram, o longa é sensacional. Uma pena mesmo. Abraços.

Clenio disse...

Este é simplesmente um dos meus filmes preferidos, com um roteiro que fica melhor a cada revisão e um clima de tensão e sedução em todas as cenas.
Russell Crowe tem aqui a melhor atuação da sua carreira, e é preciso dizer que o filme é melhor que o livro que lhe deu origem, porque é mais conciso e direto.
A tensão sexual entre Crowe e Kim Basinger é palpável e a reconstituição de época é de encher os olhos.
Violência com classe e categoria! Um dos melhores filmes dos anos 90 e da história do cinema.

Abraços
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

renatocinema disse...

Seu texto foi perfeito como uma produção maravilhosa como essa merece.

Concordo com seu ínicio (triller instigante);
assino embaixo no meio de seu comentário (roteiro intrigante);
e bato o martelo com seu final primoroso (entendo que Curtis Hanson nem imaginava a obra-prima que estava criando).

Um filme obrigatório para quem diz amar o cinema.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Amo esse filme, Cristiano. Obra-prima do cinema noir, como você bem disse, filme tenso, sexy e dramaticamente muitíssimo bem construído. Apesar de achar que os verdadeiros donos do filme são os 3 protagonistas (Pearce, Crowe e Spacey), é interessante notar como a personagem de Basinger os domina, os conduz para onde quer. A presença carregada de sexualidade da personagem é fundamental para o filme dar tão certo.
Ah, uma curiosidade: a cena que mais me marcou em L.A. CONFIDENTIAL, e que até hoje me impacta quando revejo o filme, é a conversa entre os personagens de Kevin Spacey e James Cromwell, na casa deste segundo, que termina, bem, você sabe como. Ali ficou claro para mim como Hanson e Helgeland conseguiram fazer com que nos importássemos com aqueles personagens, mesmo sabendo de suas mazelas. Obra-prima, que talvez até seja melhor que TITANIC (seu "algoz" no Oscar 1998). Mas aquele ano era mesmo do filme do Cameron, não tinha jeito...

Adecio Moreira Jr. disse...

O pessoal tem idolatrado esse filme. Eu sinceramente acho exagero, embora goste muito das atuações nele presentes.

Mas, como muita coisa é inexplicável nesse mundo do cinema, respeito essa idolatria. hehehe

^^

Mateus Denardin disse...

Belo texto para um excelente filme. Daquelas obras em que a contribuição de cada elemento é indispensável para o clima da história. Não à toa, conseguiu seu um noir exuberante quando nem mais "existia" o gênero.

Fernando Fonseca disse...

Um filme com um roteiro forte e bem construído, retratando uma cidade ocultada pelo american way of life, que mantinha uma aparência de beleza e inocência. Mas, na realidade, imperava o sexo, a corrupção e as drogas - não muito diferente de hoje em dia.
Mas é na força das atuações que esse filme se torna um gigante, mas não chega a uma obra-prima. Um bom filme, que foi ofuscado por um certo navio que naufragou.

Fábio Henrique Carmo disse...

Esse é um daqueles filmes que talvez eu não tenha gostado tanto pelo excesso de expectativa. Sempre me falavam que era um filmaço. Daí, quando finalmente vi, não achei essas coisas todas. É bom, mas não uma obra-prima. De qualquer forma, seu texto está ótimo. Abraço!

Kamila disse...

Acho este filme muito charmoso, apesar de retratar uma trama muito difícil. Mas, adoro a reconstituição de época e o retrato que faz de um momento particular de Los Angeles.

Ricardo Morgan disse...

É um dos melhores filmes policiais pós "O Silêncio dos Inocentes" e "Seven". O longa foi, inclusive, indicado ao Oscar em 1998 e mereceu o prêmio de melhor filme, levado por "Titanic". Pelo menos ganhou como atriz coadjuvante, numa ótima atuação de Kim Basinger, e roteiro adaptado. Abraço!

Gabriel Neves disse...

Adorei esse filme, só agradeço por ter me indicado. Adorei as atuações, o clima tenso e remetendo ao noir, a fotografia, e a trama da história é uma das melhores ao retratar a Los Angeles proibida, atolada numa rede de mentiras e crimes.
Abraços.

Mirella Machado disse...

Impressionante como você consegue pegar uma grande lista de filmes que nunca vi... Mas o filme me parece interessante já que tem um estilo noir e com tanta trama pra pano de fundo, ainda bem que as atuações não são falhas por que se fossem com um enredo desses o filme seria trash, vou procurar em algum lugar pra assistir. Bel resenha Cris, abraços.

Reinaldo Glioche disse...

belo texto Cris. Para mim foi o melhor filme daquele ano. Mas Titanic era o mais pop...
Gostei da forma como vc desalinha a trama policial e o forte componente sexual intrínseco a ela. Kim Basinger está muito sexy nesse filme, mas não daria o Oscar a ela por isso...
abs

Rafael Moreira disse...

Gosto desse filme. Inclusive tenho até o dvd dele aqui em casa. Acho a trama tão envolvente e cheio e atuações ótimas, mesmo achando que o Oscar de Kim Besinger nem foi tão merecido tendo Julianne Moore no páreo daquele ano. O epílogo é tão sensasional que só de lembrar já dá vontade de rever o filme.

Otavio Almeida disse...

Melhor filme de 1997???? Ou será que a Academia acertou ao premiar "Titanic"?

Abs!

Henrique dias disse...

Olá! gostei muito dos seus textos, encontrei seu blog
nua lista de um amigo, já sou seu seguidor.

E adorei o desgner do seu cantinho, bastante agradável.
Com certeza irei ler belas artes.

Já estou colocando em meu blog, um direcionamento do seu
link (na lista de blogs parceiros) para que através de
suas atualizações eu esteja te acompanhado.

Luz na sua vida.
http://Umguiadecomoviverbem.blogspot.com

"Antônio Henrique"

Ulisses disse...

Puxando coisas do fundo do baú? Experimente, então, "A Excêntrica Família de Antônia", caso ainda não tenhas visto. Esse nada tem a ver com o LA, mas me ocorreu agora, já que do baú ele também vem. E depois me lance sua crítica.

Dewonny disse...

Excelente filme, trama envolvente do começo ao fim, ótimo elenco!
Lembro de ter gostado bastante!
Adorei seu texto!

Cara, vê se aparece = http://www.cinedewonny.blogspot.com
Abs! Diego!

pseudo-autor disse...

Apesar do livro ser mais anárquico, adoro o filme. Hollywood deveria continuar adaptando mais obras do James Ellroy. Ele é fantástico!

Cultura na web:
http://culturaexmachina.bogspot.com

Mayara Bastos disse...

Filme muito bom, não só pelas atuações, mas também de como a narrativa foi contada. Estou meio que curiosa pelo livro, mas não sei se vende por aqui.

Beijos! ;)

Matheus Pannebecker disse...

Gosto bastante do filme, mas o maior absurdo foi ter que ver Kim Basinger sendo celebrada. Pelo menos para mim ela não faz absolutamente nada aqui!

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