Orgias Dançantes?

Os anos 70 providenciou a euforia libertária da juventude que buscava transformação social, mas também fora um período onde a discoteca representava todo o ritmo vital e a pulsação musical pelo prazer — a tal febril "Era do Disco", áurea fase onde a música exercia um fascínio e lema de vida para muitas pessoas, caracterizou-se pela efervescência sonora que atiçava o lado mais sexual do ser humano. Estreante na direção, Mark Cristopher desmitifica a famosa discoteca que dá o nome ao filme, Studio 54. Lendário espaço que personificou toda a ebulição sonora, liberdade sexual pré-Aids e um reduto perfeito para homossexuais firmarem seu espaço. A pecaminosa discoteca atraia celebridades, celebrava o hedonismo desfigurado daquele período e a concreta filosofia do uso de drogas. Steve Rubbell (Mike Myers) é um empresário homossexual que cria o espaço que seria revolucionário: sem regras, preconceitos ou rótulos, celebridades poderiam conviver plenamente com pessoas comuns. O objetivo maior era promover festas que sempre fossem constantes, a típica boate dos sonhos. O roteiro centra-se na narração e ótica do frentista pobretão Shane O'Shea (Ryan Phillippe) que, insatisfeito com sua vida tediosa em Nova Jersey, parte para algo novo. É dentro do Studio 54 que ele provoca a catarse em seu mundo, vira barman e passa a vivenciar os excessos e tentações do universo sensual e glamoroso da tal discoteca. Lá ele conhece uma cantora e garçonete excêntrica, Anita (Salma Hayek) e passa a fomentar um tesão pela atriz Julie Black (Neve Campbell). O filme expõe o surgimento, o sucesso e o processo de decadência de uma discoteca que promovia orgias sexuais; era avançada para época, com pista de dança com efeitos de luzes impressionantes e os maiores DJs. Um local onde era disputado por todos e tornou-se que agitou a vida noturna de Nova Iorque. A trama percorre a ebulição da boate no verão de 1979 até seu declínio total um ano depois. Até hoje o frenesi diante da lendária discoteca se mantém.

A discoteca era uma espécie de reduto sexual, onde pessoas promoviam orgias constantes — o filme mostra como se sustentava essa situação ao colocar cenas onde indivíduos transam na própria arena de dança; na “pegação coletiva” ou mesmo no sexo oral grupal tão habitual naquele local. A sexualidade é forte no ambiente, nota-se que o local era mais uma busca para sexo casual e promiscuidade irrefreável que a própria condição de boate. A perversão é total! Decerto, o filme não procura vulgarizar as situações, nem mesmo polemiza com cenas só de sexo — o diretor opta por sustentar o olhar inocente do seu narrador-personagem, Shane, num ambiente onde só existia a celebração da sexualidade motivada pela dança. Studio 54 era o reduto de pessoas que queriam apenas se divertir, com seus vícios e seus excessos pelos prazeres diversos, carnais e sexuais, com drogas ou bebidas; ilusões e imaginações. Até o dono, Steve, definia a sua boate como um local ilusório, para tanto escolhia a dedo quem deveria entrar e seus critérios de escolhas eram duvidosos; o proprietário, muitas vezes, permanecia uma noite integral na frente de sua boate, só escolhendo quem deveria entrar. Homens com corpos perfeitos; mulheres sensuais; rostos sexys. ‘Espetacularização’ da vida real?

O tom homossexual é evidente no filme. O roteiro expõe o local como espaço GLS, onde o sexo entre homens também era grupal em meio às misturas de drogas, como cocaína. Shane só consegue trabalhar como barman no Studio 54 por conta de sua sensualidade, do corpo, que capta atenção de Steve, mulheres diversas e de outros homens. E o roteiro coloca em pauta a condição do assédio masculino por mostrar um rapaz sexualizado que trabalha pelo dote físico — tanto Shane quanto outros rapazes apresentavam-se, apenas, de short minúsculo e sem camisa; exibiam-se aos trajes libidinosos e ao corpo quase nu — afinal, num espaço onde gays, lésbicas e simpatizantes tinham a liberdade de externar suas intenções sexuais, não haveria condição para puritanismo. Só se empregava na discoteca quem poderia seduzir? Shane era o barman desejado por todos os homens e mulheres. O jovem vivencia as oportunidades que seu emprego oferece: envolve-se em transas furtivas com mulheres diversas; investe no mundo prazeroso de dinheiro e sexo que a discoteca condiciona. Ademais, o roteiro resume situações de homoafetividade; prostituição masculina e até situa questões sobre a esfera do uso de drogas ilícitas dentro da juventude.

Por que a música, em seu estado mais febril, sempre é um elemento afrodisíaco? Mais, aliada ao sexo, torna-se algo de grande prazer para o ser humano. Através de uma ambientação musical, é perceptível sentir o frenesi da década com músicas de Bee Gees e outros cantores de sucesso que retratam bem o universo. O filme explora esse reinado da Disco; do embalo das músicas dos anos 70; das cores esfuziantes daquele mundo e também da sexualidade imoderada, através da vivência de Shane — do jovem pobre a barman que, aos poucos, infiltrou-se na malícia coletiva de um espaço que celebrava algo nada mais que ilusório. As personificações talentosas de Ryan Phillippe e Mike Myers são pontos significativos. O filme acaba por servir de alerta às problemáticas de vidas prejudicadas pelo abuso de drogas e sexo, bem como a AIDS que se manifestou na década de 80, no momento onde a boate sofreu abalos incisivos e o mundo hedonista deu lugar à crueldade da realidade. É quando os personagens passam a acordar pra vida e toda reflexão moral é inserida. Ao fim, é um filme que articula como o ser humano não consegue viver só de ilusão — nem de sexo e música, muito menos de superficialidade. Mas, bem verdade, a sensualidade da "Era da Disco" permanece intacta e nunca é tarde para experimentá-la através das músicas que se mantém emblemáticas. Dançante, sensual e delirante.

Studio 54 (EUA, 1998)
Direção de Mark Cristopher
Roteiro de Mark Christopher
Com Ryan Phillippe, Mike Myers, Salma Hayek, Neve Campbell, Breckin Meyer

21 opinaram | apimente também!:

Guiga disse...

O falso homoerotismo buscado pelo cronista nesses filmes menores é um desserviço à causa gay. Precisamos bem mais que argumentos simplistas, ou então voltemos ao armário. Melhor seria rever os grandes clássicos, um prato cheio à interpretações, do que esses ecos perdidos de juventude em prateleiras empoeiradas da Video Hobby.

Thiago da Hora disse...

Um filme realmente divertido, bem ao estilo da boate. Isso sem contar a ótima trilha sonora, que me deixou até hoje com vontade de ter vivido naquela época. Os amantes da disco vão se deliciar.

Na época do Studio 54 as pessoas saiam pelas noites da cidade para realmente aproveitar a vida, saiam pela diversão, pela libertação. Hoje o único interesse das pessoas é "fazer carão", fingir ser o que não são. Diria até que hoje as pessoas estão mais caretas do que nos anos 70.

Anônimo disse...

Nossa, este filme é muito bom e as músicas simplesmente me deixam sem palavras.
A Studio 54 realmente foi um legado dos anos 70, lembro até que ela aparece em "Watchmen" deixando explicita a homossexualidade de Ozymandias
Abraços, Cris

Clenio disse...

Tenho um sentimento dúbio a respeito deste filme. Ao mesmo tempo que o acho fraco do ponto de vista cinematográfico (Neve Campbell é péssima e o roteiro é extremamente superficial) eu já o assisti diversas vezes, justamente por seu clima "decadence avec elegance".
Acredito que a maior qualidade de "Studio 54" é a sua forma de passar ao largo de julgamentos morais, apresentando um estilo de vida que até hoje me desperta uma certa inveja....
A trilha sonora é contagiante - a sequência de abertura que culmina com o refrão de "Don't leave this way" é sensacional - e a atuação de Mike Meyers é surpreendente.
Um filme que, de tão fraco, chega a ser bom. E bastante excitante, lógico!

Abração
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

Adecio Moreira Jr. disse...

Esse filme é esquisitão; Eu particulamente, como obra, acho ruim de doer, mas o tema é ótimo. Acho tão... "Heart of Glass", do Blondie.

Grande abraço!

Rodrigo disse...

Conferi esse filme apenas porque estava cansado de vir aqui e não poder comentar direito sobre o que postava. O longa é divertido e tem uma atuação digna do Mike Myers, talvez a melhor de sua carreira. Desconhecia de toda essa história de Studio 54, mas o filme aparenta corresponder as expectativas de quem viveu essa época. A trilha sonora é realmente maravilhosa. Só algumas atuações que achei que poderiam melhorar. Abraços.

Kamila disse...

Acho que o filme tenta fazer o retrato de uma época na qual o Studio 54 foi o grande símbolo de sexualidade, de liberdade, de cultura. Infelizmente, por limitações até dos próprios envolvidos, o resultado sai aquém do esperado.

Edson Cacimiro disse...

Roteiro realmente fraco, Neve Campbell assinou seu 'contrato de esquecimento' depois desse filme ou então não fez mais nada que valesse a pena ver. Mas o clima da disco é uma delicia, as músicas são ótimas e apesar de ter sido fechada tive o grande prazer de conhecer, pelo menos a sua entrada já que agora no local funciona um teatro.

Santiago. disse...

Esse filme é um bom exemplo de como as pessoas são fantoches nas mãos desses mega-empresários. Fica claro no momento em que eles não sabem quem foi Errol Flynn, ou o significado da palavra troglodita. São apenas objetos de desejo, com um belo rosto e um belo corpo.

Se o filme peca em muitos aspectos, ao menos informa que houve um espaço como este em NY, além da trilha sonora ser muito boa mesmo! No mais, é um bom passa tempo, não dá pra morrer, tem muita coisa pior por aí.

Abração,
Rodrigo.

Flávio disse...

Já tinha ouvido falar dele, mas não a fundo. Mais um ótimo texto seu, parabéns Cristiano.

Luiz Neves de Castro disse...

Cristiano, fiz uma postagem sobre "As críticas literárias de Cristiano Contreiras" no Carrancas Literárias. Dê uma passadinha lá e veja se ficou do seu agrado.
Um fraterno abraço

Natalia Xavier disse...

Tudo bem que eu nao era da época, mas sempre achei legal essa tal Era Disco hauhauhau. Mas eu nao sabia que rolava essa pegação toda não! Fiquei chocada! rs

Nao vi o filme, conhecia de nome, mas nunca cheguei a me interessar, porem tb nao sabia exatamente do que se tratava.

Nao gosto mto de Meyers, nao consigo imaginar ele nesse papel. Mas eu fiquei curiosa.

Vc tocou num ponto interessante, esse lance da musica ter tb a força de servir como afrodisiaco. Interessante, porque qualquer estilo de musica (dos que me veio a cabeça, principalmente o jazz) consegue contagiar um ambiente neste aspecto ainda mais se tem alguem X com vc, numa situação Y.
Fico imaginando se Hollywood vai fazer um filme tb pra decada de 80 com as casas goticas e os famosos dark rooms, hehehehe..

Bjo!

renatocinema disse...

Não vi o filme. Mas, depois de seu comentário fica o desejo de ter vivido aquela loucura sexual e delirante.

Myers sinceramente nunca teve uma atuação que me conquistasse, diferente de Ryan Phillippe, esse sim um bom ator.

Mas, a curiosidade ficou a flor da pele.

Elton Telles disse...

CRUZES DESSE FILME!
Hahahaha! Acho uma chatiiiice.

Gostei do texto. Como sempre, bem contextualizado e com ótimas percepções, mas ainda assim, a fama do Studio 54 exigia um filme muito melhor do que esse Supercine aí rs. Fraco em quase todos os sentidos, não acho um filme vibrante, é até estranha a distância que ele provoca em se tratando da tal "Era do Disco". Para confrontar, cito "Shortbus", que é muito menos comportado que esse e a apoteose do filme, sim, é contagiante.

"Studio 54" perto de "Shortbus" é parque de diversões ;)

Abraço, Cris!


obs. Pós=Première mudou de casa, viu. Atualize aí o link e faça uma visita ;)

http://www.gazetamaringa.com.br/blog/pospremiere/

pseudo-autor disse...

Faltou a esse filme um diretor de peso. O clima da época era ótimo, o lugar era apaixonante, mas o roteirista pisou na bola ao retratar isso e acabou um filme meia-boca. Uma pena!

Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Gabriel Neves disse...

Nunca tinha ouvido falar desse, mas seu texto maravilhoso me surpreendeu, estou agora com uma vontade louca de conferir Studio 54. Vai pular várias posições na minha lista de quero ver, rs.
Abraços.

Unknown disse...

Muito bom ler o que voce escreveu sobre o assunto homossexulidade. Sempre bom ler algo sobre esse tema, que tenha conteúdo.
Abraços

Paulo Veras disse...

boa noite

Paulo Veras

Ricardo Morgan disse...

Sempre com filmes que vi há mais de 10 anos e não lembro direito para associar suas curiosas análises! kkk Só lembro que gostei do filme! Mais um para rever! hehe
Abraços

hip hop face disse...

Naum conhecia,é muito legal deveria ser mais divulgado para acabar com o preconceito.
Da hora teu blog heim.
parabéns.
Seguindo certo,me segue ai tbm.
http://hiphopactivistface.blogspot.com/
abçs
@Ativista2

História é Pop! disse...

Menino, esse filme é polemico, narra a historia de uma das mais famosas discotecas de todos os tempos e muita gente não gostou...eu achei mediano.
Não é um filme indicado para Mike Myers, o negocio dele é ficar fazendo aquelas caretas do Austin Powers , tudo bem que no Bastardos ele até pegou uma cantinho né...mas não entendi a participação dele no Studio.
A mocinha do Pânico ficou rotulada né, ninguém consegue ve-la em outro filme sem achar que homem da capa preta com a faca na mão vai surgir do nada (kkkk)
Brincadeira a parte.... Gostei muito do visual e do estilo da década e praticamente só, mediano a fraco. Mas veja bem, não sou critica de cinema né
Beijo Cris

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