Teatralidade Sexual?

Só se compreende o universo humano se de fato experimenta a vida com tamanha intensidade. Só se existe plenamente, como indivíduo, caso absorva ao máximo tudo que a vida possibilite. E no teatro também é assim — a fruição artística, a entrega total, a maneira como o ator precisa experimentar a verdadeira essência de seu personagem. O verdadeiro ator crê que seu personagem seja ele mesmo, e não uma representação momentânea. E como personificar o personagem se o ator não enxerga o tom ou mesmo o real prazer de sua existência? Sob esses sentidos que o filme Drama do diretor chileno Matías Lira se fundamenta. Três jovens, estudantes de teatro, movidos pelas técnicas do "Teatro da Crueldade" do dramaturgo francês Antonin Artaud, invadem as ruas para "encontrar" seus personagens, rumam à percepção, auto-conhecimento e busca por experimentação de mundo particular. O centro narrativo foca-se em Mateo (Eusébio Arenas), rapaz traumatizado pelas lembranças da mãe, não esconde sua personalidade forte e comportamentos ríspidos. Ele namora com Maria (Isidora Urrejola), garota que fecunda um sentimento forte por ele. E Ángel (Diego Ruiz) assume o teor homoafetivo da trama, pois é o jovem que sofre pelo tesão/paixão que nutre por Mateo; ele é o típico gay que deseja sexualmente o melhor amigo. Na busca pela composição, o trio mergulha no submundo de drogas, do sexo casual, da boemia e da prostituição irrefreável. O que parecia ser uma jornada laboratorial de conhecimento torna-se uma obsessão, os jovens imergem num universo perigoso onde o sexo parece ser o aliado.

O filme mostra esses jovens em busca pela sua identidade, nas aulas de teatro, onde os ensaios tornam-se exaustivos à medida que novas técnicas e aprendizados são cobrados pelo professor incansável. Na busca pelo sucesso, diante das pressões, o trio passa a procurar a identidade, testam os limites, lidam com as dores ao mergulharem no submundo de uma cidade obscura que parece limitada à luxúria, perversão e sexo corrupto. E é exatamente essa jornada que a narrativa apresenta, de maneira ágil e explícita, acompanhamos o universo dos três jovens que, na idealização de ser o melhor ator/atriz, topam qualquer coisa para isso. Mateo deseja interpretar um malandro drogado? Portanto, ele mesmo vivencia essa experiência, consome drogas e muda suas posturas comportamentais. Maria transforma-se em prostituta, modificando seus valores, denegrindo-se moralmente, para assim, de alguma forma, conseguir interpretar de maneira mais lúcida, e real, sua personagem. Angel procura experiências dentro de redutos GLS, no contato com garotos de programa, permitindo-se ao sexo oral com desconhecidos ou transas furtivas com outros, para sentir na pele o que seu personagem necessita. Loucura? Exagero?

A ficção mistura-se com a própria realidade. A experiência torna-se sufocante à medida que o roteiro mergulha nas percepções de cada um, nos seus conflitos pessoais que se misturam aos sentidos psicológicos e à sexualidade que direciona todo o sentido cinematográfico desta obra que se utiliza da metalinguagem do teatro como pano de fundo. A sensualidade é presente em diálogos, na maneira como o trio usa do sexo para tudo, atos e vontades — a direção de Matías Lira, auxiliado pelas lentes vermelhas e tons azulados da fotografia, prioriza as interpretações convincentes de Arenas, Urrejola e Ruiz. São jovens de beleza que facilmente mexem com a libido do público, por terem presenças sensuais em cena. A tensão sexual do trio é exercida, ainda que nada seja vulgar, tornando o filme malicioso. Ciúmes, desejos e intenções são expostas — nudez, homoafetividade também. Ainda que não excepcional, vale pela originalidade do roteiro e da boa representação de juventude contemporânea com seus vícios, anseios e desejos, além de ambições que acabam por levar à loucura humana.

Drama (Chile, 2010)
Direção de Matías Lira
Roteiro de Sebastián Arrau, Eliseo Altunaga, Matías Lira
Com Isidora Urrejola, Eusebio Arenas e Diego Ruíz

19 opinaram | apimente também!:

Bruno Carmelo disse...

Muito interessante, Cristiano. Nunca tinha ouvido falar deste filme, vou ver se consigo encontrá-lo.

Abraços.

renatocinema disse...

"Só se compreende o universo humano se de fato experimenta a vida com tamanha intensidade." disse tudo de forma direta e verdadeira.

Nada melhor do que a prática para se entender o que se sente.
Me identifiquei muito com o texto e fiquei na angústia por assistir esse filme.

Fiz teatro na faculdade e esse sentimento de entrega total se faz necessário para criar um personagem verdadeiro.

Por isso sou fã, como todos sabem de De Niro. Ele se entrega, vivenciado, tudo que seu personagem exigia.

Esse triângulo amoroso me pareceu saboroso, e porque não, delicioso.

Essa busca pela identidade que os personagens vivem é o que cada um de nós, mortais, fazemos no dia a dia.

Pelo menos os que buscam o caminho da felicidade e do sucesso (realização pessoal).

Valverde disse...

Texto excelente. Vc faz quaquer filme parecer bom. Deu vontade de assistir esse.

Kamila disse...

Muito interessante mesmo! Não conhecia a obra.

Gabriel Neves disse...

Tenho muito que rever esse filme. Ele trabalha bem a parte da entrega total de um ator para a criação de um trabalho. Você uma hora pergunta se é loucura ou obsessão, é teatro. Até arrisco dizer que Drama tem a mesma ideia de Cisne Negro, só que centrado no mundo do teatro e com uma forma de catarse muito mais confusa e embolada do que a trama bem construída de Aronofsky. É um bom filme, no geral.
Abraços.

Adecio Moreira Jr. disse...

Só você pra me apresentar esses filmes underground. Hehehehe

LuEs disse...

Cristiano, quero elogiar o seu texto, porque ele realmente me convenceu de que o filme seja bom, mesmo eu já tendo conferido essa obra e tendo-a achado ruim.

Acredito que a problemática explorada seja mínima no filme, exatamente porque há uma intensidade dificuldade em situar os personagens em suas vidas. Parece tudo tão confuso, tão disperso, que é difícil acompanhar o que acontece. A ideia do filme é fantástica, mas eu a achei mal aproveitada e mal organizada, até porque o filme parece ser eterna repetição.

Acho que o pôster desse filme pode fazer com que o espectador compre gato por lebre. Até mesmo o triângulo proposto tão evidentemente não se concretiza.

Abraço, Cristiano.
o/

Sandra Cristina de Carvalho disse...

Não vi o filme mas me parece uma repetição de muitos que são comentados por você. Calma! Não é você que se repete, mas as sinopses parecem xerox uma das outras.
Este estilo de filme(nada contra, e nem a favor, muito pelo contrário), cansa a minha beleza. São diretores e roteiristas que se expressam, reproduzindo o cotidiano com visão unipolar, como se a realidade não passasse de puro lixo. Eles expõem o que há de mais pútrido nos relacionamentos sócio-afetivos, como se fôssemos apenas detritos sociais. Era asim que o 'Grande Nelson Rodrigues' percebia a vida. E é assim também que Almodóvar vai convencendo aos seus 'adeptos' de que a vida é só submundo.
"...os jovens imergem num universo perigoso onde o sexo parece ser o aliado". Aí você disse tudo.
Com esse argumento, pode-se criar um universo representando uma juventude contemporânea permissiva,"limitada à luxúria, perversão e sexo corrupto".
Afinal, sexo é apenas perversão? É só deste modo que podemos enxergar "o real prazer da nossa existência?"
Aff!!!
Sandra Cristtina.

Hugo de Oliveira disse...

Ótimo relato.
Quero assistir esse filme.

abraços

Ademerson Novais disse...

recentemente assisti esse filme..onde as cenas realmente te prendem do inicio ao final na espera do desfecho do filme...muitas vezes é difil encontrar filmes que contextualizam com a propio texto que se segue..mais este se desenrola num roteiro gostoso de se seguir ate o final,,

dois dias antes assisti a um outro tão magnifico quanto estes..chamao Ken Park...fica ai a sugestão..


ademerson novais de andrade

Luciano Azevedo disse...

Estou de volta! rs Adorei o post, como sempre... Fiquei curioso em ver o desenrolar dessa trama na telinha... Recomendo: Paisagem na neblina... Belíssimo!! abço

Gustavo Paiva disse...

Eu assisti há um tempinho já. Lembro que a trama me chamou a atenção, quando li a sinopse. Baixei... e confesso que foi um filme difícil de gostar enquanto eu assistia. Mas o final me deixou tão impressionado que fiquei com vontade de ver de novo.
Lembrei de muitas coisas da minha época de ator também, e a questão do teatro da maldade é muito interessante. Enfim , é um filme bom.

Guto Angélico disse...

Quero ver esse filme já! Adorei sua descrição! Preciso já ver ele, até como um laboratório .

Guto Angélico disse...

Preciso ver esse filme urgente! Fiquei com vontade depois de ler!!!

João Maria Ludugero disse...

Gostei demais do seu blog. Maravilhoso!!!
Esplêndido, iluminado, lindo, lindo!
Também venho aqui te convidar a visitar meu blog de poesias.
Se gostar e quiser me adicionar, vou gostar de ter por lá seus coments.
Grande abraço,
João, poeta.
Já estou te seguindo, de tanto que gostei de seu espaço tão encantador!!! Voltarei de certo. Até logo mais!!!
www.ludugero.blogspot.com

Mirella Machado disse...

Ainda não vi, mas pelo visto vale a pena pela originalidade e simplicidade do roteiro mesmo, ainda mais com esses conflitos internos (pelo menos pelo seu texto deu pra perceber que os personagens tem). Parece ser bem interessante e suas resenhas cada vez mais mergulhada no filme de uma forma impressionante, detalhes que se a pessoa não viu no mínimo ao terminar de ler já imaginou boa parte do filme. Ta de parabéns mais uma vez Cris, abraços!!!

Edson Cacimiro disse...

O limite entre a ficção e a realidade dentro de um método de teatro. Muito bom para atores que estão começando em seus cursos ou para aqueles que se identificam com o método de ensino mostrado no filme.
www.osenhordosfilmes.blogspot.com

Ulisses disse...

Cristiano, já que pelo msn não estamos nos esbarrando, decidi vir aqui ao teu blog pra te pedir (justamente) uma opinião sobre esse filme, queria saber se tu já tinhas visto ele. É porque ando lendo umas coisas do Artaud e sem querer descobri a existência do "Drama". Pelo visto, parece bom. Os franceses adoram uma putaria cinematográfica e literária. E eu adoro quando são maliciosos, os filmes e os livros. Veremos!

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Gostei muito do filme, e é ótimo ler tuas apimentadas sobre esses filmes. Me chamou atenção o translado entre os dois mundos e os diferentes tipos (ou nuances) de "DRAMA".

Abração, amigo!

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