Coração Louco

A relação de dependência afetiva é um contexto bastante evidente na sociedade. Se dentro desse cenário moderno de relações casuais, sem amarras e compromissos, existe a presença da liberdade individual — muitos ainda preferem manter um elo de exclusividade com o outro. Mas, o ser humano ainda peca pelo excesso, exagera ao se afeiçoar por um desconhecido que mal convive e acredita que encontrou a paixão ideal para toda a vida. Este filme discursa sobre a obsessão de um sentimento que leva à loucura, do desatino de uma pessoa que se ampara na personalidade de outra para sobreviver, do tesão-louco que faz com que alguém não sinta mais prazer na vida quando se ausenta do seu objeto de fetiche. Em Colega de Quarto existe o típico conflito adolescente, não muito diferente de outros filmes por aí do mesmo estilo, porém o argumento torna-se realista, até provocador. Sara (Minka Kelly) é a jovem estudante desejada por todos os homens, a típica mulher que atrai os olhares quando entra no ambiente. Sua sensualidade natural é tanta que capta atenção de sua colega de quarto da universidade, a misteriosa Rebecca (Leighton Meester), que logo se mostra uma eficiente amiga. Mas é óbvio que dessa pseudo-camaradagem e muita gentileza, esconde ali uma necessidade oculta. Logo no começo do filme, o diretor Christian E. Christiansen não atenua a tensão que se torna gradual — a tal colega demonstra ter intenções perversas, um grau preocupante de crueldade mórbida, além de certa fixação homoafetiva por Sara. Exercita-se, então, um jogo de segundas intenções com contornos de psicopatia que periga todos ao redor, inclusive o novo namorado de Sara, Stephen (Cam Gigandet). Como não desconfiar de alguém que age de má-fé? Há pessoas que não desconfiam das intenções dissimuladas de outros e passam a ser manipuladas.

Há duas problemáticas provocantes no discurso desta película. A primeira tange ao posicionamento da psicopatia. Rebecca representa bem a típica garota desequilibrada que faz tudo para manipular e obter seu foco de desejo. Cria situações, dissimula sua aparência frágil, mas esconde uma personalidade mórbida tão conhecida em outros filmes representativos de psicopatas. Os diálogos e as situações que a garota cria para sustentar sua obsessão refletem bem as características padrões e motivacionais de seres que mantêm esse tipo de comportamento. Rebecca oculta suas intenções para Sara, mas é percebida pelos outros — não só o namorado de Sara, como seus demais amigos, passam a perceber que, por trás da aparência angelical da garota, existe uma personalidade diabólica, inconstante e sem limites. O potencial de suspense se alia de sustos e diálogos tensos, além da câmera de Christiansen que focaliza nos olhares mórbidos e na face aterrorizante de Rebecca em quando revela ser uma pessoa de personalidade fria. A cena em que ela tem um orgasmo ao conversar, por telefone, com o ex-namorado de Sara, mostra bem o quão irracional pode ser uma pessoa quando nutre uma obsessão por outra. E é também um olhar sobre o lesbianismo que é uma característica provocadora do roteiro.

O filme segue nesse ritmo de suspense, mas aproveita-se do apreço libidinal do trio central. Obviamente, para tornar a malícia ainda mais transparente para o público. A segunda questão problemática tange à homoafetividade. Rebecca, além de apresentar comportamentos suspeitos, sente-se atraída sexualmente por Sara — o tom da homossexualidade revela-se nas sequências onde a psicótica jovem direciona sua libido feminina, repleta de desejos e vontades. Rebecca anseia possuir, afetivo e sexualmente, a colega Sara, para tanto, promove inúmeras situações manipulativas-maliciosas para garantir um contato mais próximo, talvez no intuito de tornar seu objeto de desejo mais íntimo do seu universo. Onde surgiu tanto desejo? Será que, além do obscuro comportamento doentio, há uma garota que reprimia sua opção sexual? O roteiro mostra essas intenções libidinais enquanto fomenta a tensão na psicose de Rebecca. A presença interpretativa de Minka Kelly, que representa muito bem o papel de uma garota responsável e delicada, é o contraste perfeito para a dualidade de Leighton Meester — essa empresta seus olhares, os tons e trejeitos, típicos de uma fêmea perversa e no cio, a ponto de devorar sua presa! O raso roteiro, apesar de delinear muito bem situações juvenis, peca por não aproveitar o romance heterossexual de Sara com Stephen, mas a presença de Caiam Gigandet é proposital para atrair a parcela feminina do público que vai atrás de sensualidade masculina, visto que este ator transparece boa virilidade em cena. É um filme que quis criar uma situação de homoafetividade feminina com dose cavalar de psicopatia. Não é excepcional, mas vale um orgasmo.

The Roommate (EUA, 2011)
Direção de Christian E. Christiansen
Roteiro de Sonny Mallhi
Com Leighton Meester, Minka Kelly, Cam Gigandet, Alyson Michalka

17 opinaram | apimente também!:

Kamila disse...

Só você mesmo para fazer um texto profundo como esse sobre um filme que aparenta ser totalmente superficial...

Alan Raspante disse...

A premissa é muito interessante, mesmo que a trama seja bem clichê. Vou conferir!

Gabriel Neves disse...

Lembro-me que no começo do ano tinha visto um trailer sobre esse filme, mas o trailer não me deixou muito instigado com a premissa. Se um trailer não me dá expectativas, onde eu vou achar motivação para conferir o filme? Bem, seu texto está ótimo, como sempre exaltando bem a questão sexual, mas minha vontade para conferir não animou muito. Acho que vou deixar ele quietinho no canto enquanto eu fico quietinho no meu, rs.
Abraços.

Unknown disse...

Cris, sempre criando boas impressões de filmes aparentemente ruins. Os atores não me animam, tds saidos de series televisivas medias para ruins, mas quem sabe não confiro em um dia chuvoso.
Grande Abraço.

Anônimo disse...

Oi, Cristiano :)

Já tinha ouvido falar desse filme, mas nunca assisti. Sua resenha foi muito intensa e captou elementos que chamam minha atenção. Os assuntos abordados são profundos e interessantes.
Vou add no Filmow agora mesmo e tirar um dia pra assistir. Só não sei qdo... :/

E obrigada!
Já estou seguindo seu blog e tbm vou acompanhar seus posts.
Seu link já está na minha lista de blogs.
Seja bem-vindo! :D

Adecio Moreira Jr. disse...

Eu sempre me confundo com o título das suas postagens e os títulos dos filmes que você comenta.

Enfim, não conheço o filme e faz o tipo que eu não tenho pressa pra ver, apesar do "apreço libidinal do trio central". Huhauhauha

Abraços.

BF Junior disse...

Cristiano, tudo beleza???

Tirei um tempo pra visitar os blogs amigos essas férias!! rsrs

Quanto ao filme, é daqueles que eu não tenho muita pressa em ver não! Tenho que parabenizar o teu trabalho, pq fazer nós cinéfilos querermos assistir um filme meio raso como esse não é pra qlq texto não!!!

Abraço

Dr Johnny Strangelove disse...

Mesmo em tocando em tematicas citadas ... se torna poeira ao vento pela mediocridade extrema da fita e dos envolvidos ... um embuste visual ... um dos piores do ano sem duvida.

renatocinema disse...

Faço das minhas as palavras do primeiro comentário (Kamila).

Pela sinopse e estilo não me atrairia nunca. Mas, pelo seu texto........

Sandra Cristina de Carvalho disse...

"Há pessoas que não desconfiam das intenções dissimuladas de outros e passam a ser manipuladas". Amei essa frase, porque é parte constante de qualquer realidade socio-familiar. Você me entende...
Tô me sentindo despertada por uma curiosidade imensa em ver esse filme( vá anotando, heim?), porque dentro da sua narrativa explícita e elucidativa, como sempre, me parece que a mocinha psicopata não tem nada de lésbica. Seguindo seu raciocínio, Rebecca tem obsessão por Sara. E como 'boa' psicopata que é, deixa-se enfeitiçar pelos encantos que ela enxerga em Sara e que sabe não possuir projetando em Sara tudo aquilo que gostaria de deter para si.
Por isso , talvez o que pareça homossexualidade, seja apenas uma sindrome psicopática. A mesma que fez com que um suposto fã do John Lennon o assassinasse." Sr. Lennon?" Bom, o resto você conhece?
O tal psicopata acreditava ser o próprio Lennon e por isso, segundo a mente doentia dele, cria que não poderia haver dois Lennon, matando o 'impostor'.
Creio que as intensões libidinais de Rebecca sejam apenas a equivocada crença de que Sara seja uma impostora e/ou usurpadora, e através da sedução patológica ela possa deter o controle sobre sua 'presa' tentando conduzí-la quem sabe(não sei o final), até ao seu assassinato.
Muito inteligênte sua resenha.
Segue meu conselho: Faça um livro com todas as suas resenhas sobre cinema. Sua visão analítica é perfeita!Vale 5 orgasmos! Ou estrelas!
Quanto ao comentário de Adecio Moreira Jr. um conselho. Capricha mais em seus comentários 'fio'. São tão insossos...ahuahuahu
Beijos.

Emmanuela disse...

Que saudade de suas palavras em meu blog!! "Repulsa ao Sexo" está lá no blog, foi postado há um bom tempo. Preciso rever este filme para relacioná-lo ao "Cisne Negro". Darren Aronofsky me enfeitiçou com este filme. Nunca vi "Colega de Quarto", vou procurar.

Otavio Almeida disse...

Eu vi neste fim de semana. Cuidado, meu povo. As belas palavras de Cristiano deixam esse lixo de filme com cheiro de perfume francês.

Abs, amigão!

Cristiano Contreiras disse...

KAMILA: Obrigado, mas é que o filme, mesmo sendo raro, consegue expressar bem problemáticas da juventude. É até realista nesse sentido.

ALAN RASPANTE: Tem elementos clichês e já vimos isso em outras abordagens, como disse no texto, mas vale uma conferida.

GABRIEL NEVES: Eu nem tinha visto o trailer, conferi o filme sem nenhuma expectativa e, talvez por isso, não tive problemas com ele. Dá pra ver tranquilamente. Procure depois, então, sem pressa. Abs!

CELO SILVA: É que tento, de alguma forma, tornar evidente o que há de melhor no filme, entende? Recomendo num dia de chuva mesmo, talvez seja mais interessante. Depois me diga o que achou dele.

ANA: Então, é lançamento, a abordagem dele pode te conquistar. Mas, vai depender de cada um mesmo. Seja bem-vinda também! Abs!

ADECIO MOREIRA JR.: Então, os títulos dos meus posts nunca é o nome do filme pautado em questão. Geralmente, não é regra, eu acabo fazendo referências a outros filmes. É divertido, rs! Depois confira o filme, é raso, mas dá pro gasto! Já vi muita coisa pior por aí, acredite. Abs!

ERI JR.: Ah, que bom! Eu não teria pressa também, se puder confira depois. E obrigado pelo elogio!

DR JHONNY STRANGELOVE: Discordo, viu. Vi muitos filmes piores e intragáveis, recentemente. Cito "A Garota da capa vermelha" ou mesmo "Transformers 3" e a lista é enorme, mas paremos por aqui. Abs!

RENATOCINEMA: Quem sabe você não se surpreende, né?

SANDRA CRISTINA: É isso, esse filme mostra, justamente, esses questionamentos - e, em função disso, torna-se interessante até. A questão da obsessão amorosa, do fetiche, da psicopatia aparente adolescente, são temas já trabalhos em diversos filmes. E esse aqui trata justamente de "aparências" e "dissimulações", coisa que ocorre muito na humanidade, até dentro de casa. Acredito que Rebecca tivesse o misto, as duas coisas: é psicótica, mas também é homossexual. E usa do seu desejo, estranho, e obsessivo para manipular a Sarah. E, ah, obrigado pelo comentário! Pontua muito bem o que penso do filme! Beijo!!!

EMMANUELA: Amo "Repulsa ao sexo", sou fã, é meu filme predileto de Roman Polanski, por sinal postarei esse em breve aqui no Apimentário, aguarde! E, sim, procure mesmo este que postei. Beijo!

OTAVIO ALMEIDA: Eu sabia que ia odiar, te disse, hahaha! Abs, amigo!

Sandra Cristina de Carvalho disse...

Gostaria aqui de reparar um equívoco meu. Critiquei os comentários de Adécio Moreira Jr, quando na verdade a crítica seria direcionada aos comentários de Antônio Nahud Jr.
Adécio, me perdoe, visitei seu blog e é bem legal!
Antônio, nada pessoal, só achei inconsistente seu comentário no Apimentário.

Ccine10 disse...

Um dos comentários aqui fala tudo que pensei em dizer.
Só você com um texto impecável para dar profundidade a um filme pouco atraente.
Não vi o filme e nunca tive vontade de ver, depois de ler seu texto, a vontade ficou ainda menor.
Mas nem precisa dizer que ficou ótimo a sua abordagem.
Abraço.

Thiago Quintella de Mattos disse...

Sua análise foi excelente. Não vi o filme, mas o tema há de ser realçado como vc o fez!

Larissa Cristina disse...

A-M-E-I este blog!!!
Meus pais têm uma locadora...

Vou passar aqui sempre, com certeza!


Beijos, bom final de semana.


P.S - Adorei o "Closer - observe a hipocrisia sentimental de perto."

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