Sentimentos com desejos?

Sentimentalismo é afrodisíaco. Talvez por isso seja tão prazeroso experimentar ou conviver com pessoas que são propensas ao romantismo — para quem duvida, não existe nada mais gostoso que o desejo aliado do sentimento. Nada mais excitante que as descobertas do sentimento, das buscas pela paixão que tanto mexe com os ímpetos humanos, ou mesmo as sensações vivenciadas pelo coração do apaixonado. Nada melhor que desejar alguém que se ama. Audrey Hepburn foi uma bela representante da mulher que ama. Suas interpretações no cinema comprovaram o quão sentimentalista era, seus personagens mantêm essa aura romântica, a sensibilidade feminina que jamais seca, pois é imortal. Sabrina, filme dirigido por Billy Wilder, sob roteiro baseado na adaptação famosa de Samuel A. Taylor, é uma produção que reflete bem essa disposição “amorosa” da atriz quanto à personificação. Audrey é a personagem-título, uma jovem pobre, sonhadora, filha do chofer de uma importante e bilionária família de Nova York. Sabrina cresceu no meio dessa família de poder, riqueza e muitas festas. Desde pequena, apaixonada por um dos filhos da família Larrabee, David (William Holden), que nem a percebe — como ser notada por alguém que parece só enxergar a condição social? O que fazer para conquistar o homem dos sonhos? Quando a jovem parte para Paris, e retorna dois anos depois, é que o destino traça novos contornos. Sabrina volta com atitude, charme, sofisticada e com muito glamour. É então que não só David, mas também seu oposto irmão, Linus (Humphrey Bogart), tratam de conquistar o coração da graciosa mulher.

A grande tensão no filme é justamente na questão do desejo e sentimento vivenciado pela personagem. Sabrina nutre uma admiração, quase um tesão incondicional, pelo rapaz que sempre sonhou, desde pequena — é a típica história romântica da mulher que não esquece o primeiro amor, por não consegue conquistá-lo, nem mesmo dar voz ao seu sentimento. O filme coloca a dimensão dessa paixão forte vivenciada pela moça que até tenta se matar por conta de não conseguir expressar seus desejos a um homem de condição oposta, típica situação da rejeição tão comum entre adolescentes. Após voltar de Paris, Sabrina torna-se o centro de disputa e desejo não só de David, mas pelo irmão mais velho Linus, que não esconde suas intenções maliciosas e afetivas por ela.

A questão do desejo e do sentimento são traços que causam confusões na trama: em dado momento, indaga-se se os dois irmãos nutrem algum sentimento real por Sabrina ou apenas a beleza dela, a feminilidade que fomenta o desejo, é capaz de atrair os dois sujeitos. E existe também uma indisposição frequente que acomete e fragiliza a personagem principal: Sabrina passa a duvidar do que sentia por David quando seus sentidos são direcionados mais à companhia de Linus. O filme evidencia esse triângulo, com muito charme, romance e diálogos melosos que tanto dignificaram a obra de Billy Wilder, que hoje é sinônimo de delicadeza cinematográfica. Interessante que o roteiro coloca a relação de Sabrina com David como sendo mais carnal, de acordo com o posicionamento comportamental do personagem bem interpretado por William Holden — seu David é paquerador, mulherengo, imaturo e machista. Já Humphrey Bogart personifica um Linus mais carinhoso, cavalheiro, sério, que estabelece as cenas de gentilezas mais amorosas com Audrey Hepburn. Qual caminho Sabrina tomará? Qual dos dois homens ferve e aquecerá seu coração carente?

Sem ter envelhecido, a fita ainda mantém o senso charmoso e tão romântico que é abordagem necessária a todos. Audrey Hepburn, com seu talento tão preciso e incontestável, aqui neste filme consegue ser ainda mais graciosa — e até sensual, como na cena em que sua Sabrina lava o carro do pai de shortinho ou quando ela empresta sua voz nervosa às frases passionais de sua personagem apaixonada, que não vive sem a paixão. A dupla Bogart e Holden são exemplos de interpretações masculinas de encanto e beleza; ambos concentram todo o desejo em Hepburn. Talvez, o filme fosse mais ousado caso fosse produzido no senso atual, porém ainda não perdeu seu valor após tantos anos de lançamento. Destaque para os tons da fotografia que se auxilia do belo figurino, vencedor do Oscar nessa categoria, e para a trilha sonora que usufrui da música La Vi En Rose como pano de fundo musical para essa inebriante história de amor e sedução clássica. É puro fascínio, altamente recomendável!

Sabrina (EUA, 1954)
Direção de Billy Wilder
Roteiro de Billy Wilder e Ernest Lehman, baseado na peça de Samuel A. Taylor
Com Audrey Hepburn, William Holden, Humphrey Bogart, John Williams

19 opinaram | apimente também!:

Amanda Aouad disse...

Ah, adoro esse filme, gosto tanto da história que até do remake eu gostei bastante. Apesar, claro, de Audrey Hepburn e Humphrey Bogart, terem mais charme que Harrison Ford e Julia Ormond.

bjs

renatocinema disse...

Seu primeiro comentário foi perfeito como a atriz protagonista do filme: "Sentimentalismo é afrodisíaco."

Audrey realmente representa a mulher que ama. Sou fã dessa grande estrela que além de talento possuía carisma e beleza inesquecível. Sempre será graciosa e, até, sensual.

Sabrina realmente não envelhece nunca. Foi pecado terem feito uma refilmagem tão abaixo do longa original.

Concordo novamente aos seus elogios sobre fotografia, figurino e trilha sonora.

Gabriel Neves disse...

Bacana, vou procurar. Me encantei com Hepburn depois de A Princesa e o Plebeu. Ah, e aguardo seu próximo texto, adoro Candy.
Abraços.

Fábio Henrique Carmo disse...

Creio que "Sabrina", antes de tudo, é um filme sobre aparências. Antes ignorada, passa ser o alvo do desejo dos dois irmãos, o que não deixa de ser, também, uma crítica mordaz à natureza masculina, por vezes muito apegada ao que vê. Mas o lado feminino também não sai incólume.A paixão de Sabrina por David representa a inegável queda que as mulheres em geral sentem por homens cafajestes (por mais que neguem isso). Assim como Linus representa o outro lado da moeda, a segurança e confiança também desejadas por elas. Algo bem próximo de "Dona Flor e Seus Dois Maridos", do nosso Jorge Amado, o qual acabou sendo mais ousado ao fazer Flor ficar com os dois.

Billy Wilder é um dos meus diretoresa favoritos, um gênio! E o elenco, com a eterna Audrey, o ícone Bogart e o ótimo Willian Holden é simplesmente sensacional! Abraço!

Leonardo Alexander disse...

Parabéns pelo artigo! Muito bacana ver a análise deste clássico sob um ponto de vista diferente do habitual. Sabrina é um conto de fadas moderno e Audrey Hepburn é provavaelmente a atriz mais encantadora que o cinema já viu. Vc já falou de Se meu apartamento falasse? É meu romance favorito de Wilder.

Grande Abraço,

Leonardo

Rodrigo Mendes disse...

Wilder me faz gostar ainda mais das fitas clássicas. Aliás, o meu favorito dele, Crepúsculo Dos Deuses revi recentemente e tenho que escrever sobre.

Sabrina não é inferior dentro da obra do diretor e da estrela eterna Audrey. Grande papel, assim como Williams, Holden e Bogart que estão ótimos e charmosos (charme e pose que falta no cinema contemporâneo). E também faço coro a Amanda, o remake do Pollack não é ruim, mas ainda prefiro o original, ainda mais com um filme seguramente recomendável como você diz.

Abraços
Rodrigo

M. disse...

Esse é um dos filmes com a Audrey que pretendo assistir. Você como sempre escrevendo primorosamente a cada dia. Abraço.

Kamila disse...

Acho que a Sabrina representa perfeita e fielmente toda mulher jovem dividida entre dois tipos de homens e de amor: aquele cara mais maduro, que nos dá segurança e que, provavelmente, não irá nos machucar; e o cara mais imaturo, que vai nos fazer sofrer, mas que exerce um fascínio na gente.

Por isso mesmo, essa história NUNCA irá envelhecer. :)

Adecio Moreira Jr. disse...

Posso estar sendo muito injusto, mas sinceramente, não consigo entender esse lirismo todo em cima de Audrey (não somente da sua parte).

José Francisco disse...

Eu gosto da Audrey e tudo mais, mas preciso concordar com o Adécio acima. Ela é fofa e tudo mais, e só. Nunca senti nela tal arrebatamenteo interpretativo. Mas Sabrina é um bom filme. Fofo.

Sandra Cristina de Carvalho disse...

Audrey Hepburn é mais encantadora por seu estilo 'princesinha', do que pelo seu talento propriamente dito. Ela é uma atriz mediana, mas que encanta pela feminilidade, atitude cênica e glamour. Não deixa de ter carisma em suas atuações, contudo nunca foi uma grande atriz. Audrey é sempre cativante porque sabe conquistar pela sua graciosidade.
William Holden eu não consigo me lembrar, mas Humphrey Bogart é 'O Cara'.
O filme, pela sinopse narrada maravilhosamente por você, parece ser bem clichê. Nada contra! Ainda assim posso até me sentir atraída dependendo do desenvolvimento da trama.
Não obstante, muitos clichês tornam-se agradáveis pela direção, produção, fotografia, trilha sonora, e quando o roteiro nos proporciona diálogos relevantes.
Seu texto muito bem delineado, nos induz a experimentar à película. E a linda canção 'La Vi En Rose', é um acréscimo e tanto ao filme.

Sandra Cristina.

Alan Raspante disse...

Você sabe que amo Audrey Hepburn. Portanto, "Sabrina" é um filme difícil para não se encantar. Gosto de Hepburn aqui e acho sua personagem uma graça. Adoro a parte em que Sabrina vai para Paris e volta remodelada como mulher, porém, continua sendo a mesma ingênua, só consegue enganar melhor os outros. Já tem um bom tempo que eu vi e preciso rever. Não chega a ser o meu favorito com Audrey e principalmente de Wilder, mas é uma fita charmosa!

Abs.

Fernando Fonseca disse...

Acho que a única coisa que faz Sabrina sobreviver ao tempo é o charme da película. Tecnicamente um belo exemplar dos anos dourados do cinema. Porém, a história é açucarada demais, as atuações do trio principal não são arrebatadoras (Hepburn, Bogart e Holden) e a direção de Wilder é preguiçosa.

Elton Telles disse...

É mesmo um filme muito charmoso, puro requinte. Mas tem muito mais reconhecimento do que deveria, pois considero um Wilder, em termos artísticos, bem menor. O que torna a obra 'grande' é esse elenco arrasador. como você mesmo disse, é um filme com diálogos melosos e ai... quanto mel! rs. É muito elegante e reconheço sua importância para a sedimentação da carreira de Audrey Hepburn, um dos seres mais adoráveis que já habitou a Terra, mas não gosto tanto do filme. Acho bem blé.

Senti falta no texto do fato de Holden ter sido muito apaixonado pela atriz e que Bogart dizia q ela era péssima atriz. Interessante ressaltar que em meio a offscreen pegando fogo, conseguiram entregar um filme tão delicado e que passam um sentimentalismo tão genuíno.


abs!

Marcos Eduardo Nascimento disse...

Cris, boa noite. Concordo com o seu texto e comentarios dos colegas, sobre o teor de aparencia de Sabrina. O diretor soube explorar esse tema muitissimo bem. Afinal, é dificil mesmo sabermos onde o superficial termina e o sentimento começa. Esse tema é universal, infelizmente, faz parte das relações humanas. Sabrina é um grande representante da Era de Ouro. Item indispensavel na coleção de qualquer fã de cinema. O elenco afinado e a direção primorosa fazem de Sabrina, diversão garantida!

Abraços.

Anônimo disse...

Acho fantástico quando você escreve sobre filmes com a Audrey Hepburn. Os textos ganham um toque de clássico inestimável.
Cris, quando que você vai aparecer lá no blog? Estou esperando seus comentários exemplares.
Abraços!

Hudson disse...

Uma das coisas de que mais gosto nessa obra é a sensualidade latente da protagonista. Pelos outros filmes da Audrey, parece-me que é próprio da atriz, mas neste tem uma importância toda peculiar, diferente do Bonequinha de Luxo, por exemplo, onde a personagem PRECISA ser sensual (à sua medida). Lindo, lindo.

Parabéns, Cris!

Reinaldo Glioche disse...

Gosto muito desse filme e apreciei o seu recorte sobre a feminilidade de Audrey. De fato, a atriz ajudou a patentear a feminilidade como um objeto de culto no cinema.
Acho esse filme de Wilder bastante agradável. Como vc disse, não envelheceu e conseguiu ficar ainda melhor depois do remake de Sidney Pollack com um deslocado Harrison Ford.
Abs

Wallace Andrioli Guedes disse...

O filme é uma graça mesmo, mas confesso que, por alguns momentos, esperei algo mais encantador, talvez no nível de Bonequinha de Luxo. Não é o caso, mas ver Hepburn, Bogart e Holden juntos vale muito a pena.

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