Delírios sexuais juvenis

Elia Kazan já tinha a consciência que falar de sexo não é simples, ainda mais quando o senso volta-se ao universo da juventude — com toda sua ebulição carnal, desejos imoderados, explosão hormonal que caracteriza tão bem esse período. Abordar a sexualidade juvenil é também estar ciente que esse processo é resultado de diversos fatores, um deles é o sentimento. Pois sexo, além de algo carnal, é também algo intrínseco a alma humana. E talvez por ter isso em mente, o diretor promoveu um dos filmes mais contundentes e polêmicos da história da cinematografia americana. Diferente do seu “Uma Rua Chamada Pecado”, Kazan conseguiu efetuar uma produção sem uma censura forte, já que o Código Hays não atuava mais como elemento de mutilação nas estruturas dos roteiros de filmes, digamos, “mais maliciosos”. Clamor do Sexo atuou como um retrato de uma sociedade puritana, moralista e altamente repressora contra uma juventude prestes a explodir pelos direitos do sexo. O filme foca no período dos anos 1920 em Kansas, um ano antes da Grande Depressão: conhecemos a virginal Wilma Dean 'Deanie' (Natalie Wood), uma jovem cheia de sonhos e com o sonho de entregar-se ao seu amado Bud Stamper (Warren Beatty), este sofre por ter que reprimir seus instintos libinais já que, naquela época, transar antes do casamento estava fora de qualquer cogitação. Como fazer para conter dois jovens em processo de tesão absurdo, visto que a sociedade condenava a liberdade sexual numa relação de namoro? É justamente esta problemática apresentada no filme que, até hoje, é um exemplo dramático sobre escolhas que envolvem os sentidos de desejo, sentimento e anseios da humanidade. A linha do sexo é algo sempre delicado a ser discutido, mas aqui ganha força.

Como alerta, é provocante a maneira como o filme, produzido no princípio da década de 1960, consegue sustentar sua narrativa com bastante ousadia. A malícia, o jogo romântico, a forma como o casal protagonista dialoga com seus anseios carnais, são pontos bem pungentes aqui. Obviamente, Elia Kazan sabe expressar a dolorosa problemática vivenciada por Bud ou a angústia sentida por Deani com cuidado, mas ainda assim tudo é bem expresso, sem medo das reações do público que, surpreendentemente, aceitou o filme sem medo. Até a censura foi liberal, um feito bem notável, visto que até nas cenas de beijo são calorosas, até ardentes. A provocação se sustenta na maneira como Bud precisa lidar com sua vontade de fazer sexo com a namorada, impossibilitado por conta de uma família com rigores paternais, acaba por sofrer por ter que atenuar sua libido.

Para Deani é até pior e o roteiro acentua muito bem: qualquer garota que transasse com o namorado, antes do casamento, era considerada promíscua. Deani sofre por ter que reprimir sua feminilidade natural, todos seus desejos abismais, tendo que controlar suas emoções mais libidinosas já que seria condenada por todos. Ser virgem era um fator primordial, então. Por que ter que frear os desejos por um grande amor? Como provar para a sociedade que o sexo age com importância num relacionamento? E como fazer valer a sexualidade num terreno tão repressor? Inúmeras perguntas são feitas a partir do casal, tamanha a reflexão. Tanto o homem quanto a mulher aqui retratados acabam por reprimir-se sexualmente a ponto da relação torna-se abalada. É a maneira de Kazan expor que nenhum romance dura sem o clamor do sexo, sem a energia do tesão que alimenta a juventude insaciável. A ausência do sexo enfraquece, faz com que qualquer ser humano acabe por repensar a relação, é algo frustrante.

Warren Beatty com sua beleza, masculinidade e impulsos sexuais, teve a chance de brilhar com seu personagem. O ator sustenta muito bem a emulsão emotiva de seu Bud que sofre de desejo, suas cenas de dramaticidade são extremas, porém as mais memoráveis são as protagonizadas com apelos românticos de uma Natalie Wood totalmente entregue à sua Deani — a atriz fez aqui a grande atuação de sua breve carreira. É perceptível a bela química interpretativa dos dois em cena, ainda mais quando o roteirista William Inge insere obstáculos na vida do casal apaixonado, quando Bud e Deani acabam por se afastar e outras situações dramáticas são exercidas, como os conflitos vividos pela irmã de Bud, Ginny (Barbara Loden), uma espécia de ovelha-negra da família que afronta a todos com seu comportamento transgressor libidinoso.

Nunca foi tão sensual e até doloroso colocar o tema do sexo num filme, e aqui este sentido ganha uma força bem realista, já que o espectador tende a se identificar com os amantes juvenis. Inesperado ver algumas sequências de nudez de Wood que sabe verbalizar na sensualidade corporal e verbal, como na cena da banheira onde presenciamos — seu talento aqui atinge o ápice — uma discussão da sua personagem com a mãe, quando ela questiona suas posições femininas acerca de desejos. Um filme que sabe provocar por escancarar os segredos da juventude que não queria permanecer conformada no America way of life, um exemplo nítido de como a sexualidade fervente da juventude serviu como quebra dos tabus num período onde a opressão parecia ser o único senso da sociedade preconceituosa. Elia Kazan trouxe à tona uma problemática sexual que ainda se mantém pertinente. Sedutor incontestável, este é um marco que jamais envelhece.

Splendor in the grass (EUA, 1961)
Direção de Elia Kazan
Roteiro de William Inge
Com Warren Beatty, Natalie Wood, Pat Hingle, Barbara Loden, Sandy Dennis

16 opinaram | apimente também!:

LuEs disse...

Olha, eu tenho duas coisas para dizer, ambas exclusivamente sobre o seu texto:
1. Eu o adorei! Simples assim: o seu discurso está realmente muito bom, na sua resenha tudo se ajeita e se encaixa, você realmente soube como prender o leitor.
2. Adorei os questionamentos que você propõe no seu texto. Eles realmente reforçam as ideias do filme e eu facilmente, depois que alguém visse a obra, recomendaria que ela lesse o seu texto para "complementar" o que foi visto.

Agora, quanto ao filme, confesso que não gosto tanto dele. Não acho o assim tão pungente quanto você sugere que ele seja nem vejo todo um trabalho expecional na direção ou nas atuações. Para mim, falta uma vivacidade nessa obra, algo que a torne mais interessante, algo que mantenha a atenção. E acho que, em alguns momentos, há dramas injustificáveis, situações que não ajudam muito no desenvolvimento do filme.
Enfim, é a minha opinião.

E reitero: parabéns pelo texto. Acho que até gostei um pouco mais do filme depois que li o que você escreveu.

Kamila disse...

O que eu mais gosto em "Clamor do Sexo" é que ele mais insinua do que conta. E insinuar é melhor que revelar tudo! :) O Elia Kazan é um dos meus diretores favoritos. Parabéns pelo belo texto.

renatocinema disse...

Não sou grande fã de Kazan. Mas, é inegável sua importância ao cinema.


Adorei sua frase: "Pois sexo, além de algo carnal, é também algo intrínseco a alma humana."
Verdade carnal e humana.

Janiel disse...

Adoro textos que me fazem ter o desejo de correr atrás de algo, aqui no caso seria correr atrás do DVD ou do download do "Clamor do Sexo", e é o que vou fazer agora.
E só para constar: excelente texto!

Hugo disse...

Grande filme sobre desejo, amor e moralismo.

Ótimas atuações do casal principal.

Abraço

Alan Raspante disse...

esse é mais um que eu conheço apenas de nome e fama. natalie wood pagando de safada? okay, quero ver. agora!

Fábio Henrique Carmo disse...

Kazan foi mesmo uma grande diretor, muito embora de um caráter bastante duvidoso.

Seu texto ficou ótimo (pra variar)! Abraço!

Blynk disse...

Descobri o blog recentemente por uma indicação um pouco suspeita, a do autor, entretanto a temática abordada por ele é algo que me instiga profundamente, por esse motivo hesitei a principio por achar que acabaria sendo muito critico e exigente em demasia com o autor que acabou se tornando um amigo. Mas resolvi encarar!
Antes de falar sobre o texto, preciso confessar que não vi ainda o filme, então me ative a especificamente a analise do texto. Li do começo ao fim num piscar de olhos e ao termino da leitura constatei o que os outros comentários já evidenciavam, o talento precoce desse menino, o texto esta absolutamente bem escrito, bem estruturado, reflexivo e instigante na medida certa. O resultado não poderia ser outro, QUERO VER ESSE FILME JÁ!!! Como acredito que esse deve ser o objetivo de qualquer analise critica, parabéns você atingiu o seu objetivo!!

Ricardo Morgan disse...

Belo texto, sobretudo da frase "Pois sexo, além de algo carnal, é também algo intrínseco a alma humana." É um pecado eu não ter visto esse filme ainda hehehe

Abraços

Unknown disse...

Seu texto esta esplendido mesmo, comprova seu talento em emular curiosidade. Esse é um filme q não vi, e tava meio sem vontade de ver, mas a vontade triplicou! Adoro Natalie Wood. Agora por questões cronologicas, vc colocou q esse filme é de 1960, mas o imdb diz q é de 1961. Abração

George Luis disse...

Geralmente as suas análises, apesar dos temas dos filmes, possui um certo distanciamento. Um olhar de quem está estudando o filme e quer nos passar as nuances que olhos menos preparados enxergariam.

Mas nesse (e já vi isso em alguns outros, mas nunca comentei sobre) o texto tem calor!

Esse teu texto dá tesão de ler!

Marcio Melo disse...

Duas coisas que costumam acontecer aqui no apimentário:

1. Vejo um post de um filme que nunca assisti
2. Leio o texto e fico com muita vontade de correr atrás do prejuizo.

A forma como você escreve é ímpar e como é bom descobrir (pelo menos pra mim) alguns clássicos no apimentário

Adecio Moreira Jr. disse...

É impressionante como você consegue enxergar tanta sensu(sexu)alidade em um filme de 1961!!!

Cara, continue assim!

O Neto do Herculano disse...

No momento em que lembramos os 30 anos sem Natalie Wood é sempre bom rever um clássico deste porte.

Marcos Nascimento disse...

Uma vez mais vou me apropriar do comentário de outro leitor pra fazer o meu:

"É impressionante como você consegue enxergar tanta sensu(sexu)alidade em um filme de 1961!!!"

Estou escrevendo ainda impregnado com outro clássico da mesma época, "Gata em Teto de Zinco Quente". Não assisti a essa com Natalie Wood, mas alguns filmes dessa época tem um quê a mais de sensualidade em seus temas/atores/atrizes. É impossível não se sentir atraído por eles. Uma época mágica e vários exemplos de filmes evocam isso.

Parabéns pelo texto, fã n°1 do blog! ^^

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog!
Gostei muito do conteúdo e de como os temas dos filmes são abordados.
Sou novo por aqui, se puder dá uma olhada lá no meu:
complicatedboy0.blogspot.com
Abraço!

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