Feminismo com libido

Roger Vadim se tornou popular por conta da sensualidade que exibia em seus filmes na década de 1950 — em especial por ter tornado a figura da então jovem Brigitte Bardot em alvo de tesão-cinéfilo. Para quem desconhece, o cineasta francês se casou com a atriz com quem tinha uma relação bem intensa e fascínio imoderado, talvez por isso seus trabalhos fossem reflexos dessa libido tão notória. Após o seu primeiro filme de grande expressão, "E Deus Criou a Mulher (1956)", Vadim tornou a colocar a figura de Bardot como centro da sexualidade, porém sem o mesmo brilho malicioso. Ao Cair da Noite não teve problemas de proibição pela Legião da Decência nos Estados Unidos, nem mesmo provocou um certo frisson polêmico no seu lançamento há 50 anos, mas tinha como princípio a boa discussão sobre o papel feminino e a liberação do desejo. A produção franca-italiana foi toda filmada em Torremolinos e Málaga, terras da Espanha que trazem todo um tom solar e de temperatura quente ao espectador — objetivamente, Vadim concentra as cores terrenas de um local tão condicionado no calor para promover seu discurso. E é basicamente sob o sol intenso que conferimos a beleza sensual de Bardot no auge da beleza. A trama baseia-se no livro de Albert Vidalie, sem grandes princípios o público logo conhece Úrsula (Bardot), jovem que acaba de sair do convento e vai viver numa vila campesina com a tia que vive sob o domínio autoritário do marido. É lá que ela se depara com certos conflitos que irão modificar toda sua vida — é também o elemento que o roteiro introduz para o debate da sexualidade. Úrsula conhece o estudante Lamberto (Stephen Boyd), sente-se atraída e logo se apaixona — é este homem que preserva a noção de desejo/conflito nas mulheres no filme. Após manter relações sexuais secretas com a tia de Úrsula (Alida Valli), o rapaz é descoberto no ato de infidelidade e assassina o marido dela (José Nieto) e parte numa fuga ansiosa com Úrsula que decide proteger seu objeto de tesão e sentimento.

Interessante que, apesar de não ter uma forte concentração de sensualidade como em outros filmes de Bardot — Ao Cair da Noite, em seus 93 minutos de projeção, preserva certas sutilezas, malícias e intenções libidinosas. A maneira como a personagem de Bardot se configura já demonstra a carga de sexualidade que capta atenção do público. A atmosfera tem uma tensão sexual presente, ainda mais nas cenas onde a câmera de Vadim esmiúça as pernas à mostra de Úrsula, seus banhos erotizados, posições extravagantes e poucas roupas que exploram bem o corpo estonteante da atriz em cena. É a intenção de acentuar sempre a libido em cada take. E Brigitte Bardot não tinha receio em caricaturar suas caras, bocas e gestos para demonstrar o tesão todo latente direcionado ao personagem de Stephen Boyd — um ator que também confere leve testosterona e situa a dose do romance-fetiche masculino. Contudo, as atuações de Bardot e Boyd beiram à inexpressividade em certos momentos onde deveria existir mais emoção de seus personagens. Infelizmente, o filme peca por ter poucas cenas que explorem mais esse senso sensual dos dois, limitando-se a breves seqüências de diálogos amorosos e uma ou outra onde o casal atue com maior expressão do sexo. O público que deseja procurar cenas quentes ou mesmo mais explícitas, sairá frustrado com a limitação do roteiro. Pode-se dizer que a sexualidade aqui é inibida, sugere e não ousa mais além por ser tudo mascarado.

É um filme que envelheceu um tanto mal, verdade seja dita. Bardot carrega as imperfeições nas costas, nas suas curvas e na certa personalidade um tanto excêntrica de sua personagem — nos filmes de Roger Vadim, a atriz traz as mesmas marcas: a mulher que se apaixona, a “fêmea no cio”, ansiosa por um amor que vai modificar sua vida, no desespero do sexo e sentimentalidade passional. Mas, o filme não se sustenta apenas em função desses elementos. A trama é infantil e há momentos onde as situações tendem a ser exageradas no tom da direção frágil, interpretações ou diálogos enfraquecidos. Muito do desconforto seja por consequência de uma trilha sonora gritante de Georges Auric que torna muitas cenas artificiais, geram incômodos. E a trama, claramente, prefere investir num tom de suspense promovido pela fuga dos amantes Úrsula e Lamberto — explora-se aí a beleza do território andaluz com uma fotografia de cores quentes e avermelhadas — do que contornar o romance com uma sensualidade mais óbvia. Afinal, o filme não foi vendido como um “drama romântico erótico”? A premissa é enganosa, ao fim. Decerto, Roger Vadim demonstrava pouca segurança na articulação de seu elenco, talvez acreditasse, somente, na força imperativa da sensualidade e nos seios e corpo de Brigitte Bardot. A única ressalva aqui seja por conta da boa representação do papel libertário-feminino, já que o cinema deste cineasta trazia sempre a discussão sobre o papel da mulher em busca de prazer — liberdade para ter orgasmos, o direito de escolha de seus parceiros, a necessidade de não se conformar mais com casamentos insossos. E nisso o filme cumpre muito bem o seu sentido feminista.

Les bijoutiers du clair de lune (França, Itália, 1958)
Direção de Roger Vadim
Roteiro de Roger Vadim e Jacques Rémy, baseado no livro de Albert Vidalie
Com Brigitte Bardot, Alida Valli, Stephen Boyd, José Nieto, Fernando Rey

10 opinaram | apimente também!:

Márcio Sallem disse...

Bardot com a cara de Nicole Kidman no cartaz. Surpreendente!

Júlio Pereira disse...

Através do Apimentário, me interessei em "...E Deus Criou a Mulher", mas confesso ter ficado bastante decepcionado com o resultado. Ao meu ver, não passa de uma comédia romântica "formuláica", que inclui, de leve, um conflito interno da personagem e sexualidade. Nada que sustente a trama o suficiente para se tornar notável. Bardot, apesar de sua beleza fora do comum (que mulher...) não é uma atriz, de fato, boa. Claro, está EXCELENTE em O Desprezo, mas no resto, em sua maioria, inexpressiva e utilizando apenas de sua sensualidade para compor as personagens. Como sua resenha de Ao Cair da Noite não foi exatamente amistosa com o mesmo - ainda que não tenha o detonado completamente -, não me desperta o mínimo interesse esse filme - talvez se aparecesse Bardot nua. hahaha

Kamila disse...

A parceria entre Vadim e Bardot é muito celebrada, mas eu nunca assisti a este filme. Sei que não tem desculpa, mas nunca assisti mesmo. Adorei o texto, como sempre!

Alan Raspante disse...

Da Bardot eu só vi o excelente "O Desprezo" e "... E Deus criou a mulher". Gosto bastante dela e preciso conferir mais filmes com ela, inclusive este. Fiquei bastante tentado a ver, mas irei conferir sem presa...

Fábio Henrique Carmo disse...

Concordo em parte com o Júlio. Bardot era linda e uma vulcão de sensualidade, mas nunca foi uma grande atriz. Entretanto, acho "E Deus Criou a Mulher" um bom filme, que não é pudico nem para os padrões de hoje. Este "Ao Cair da Noite" me desperta curiosidade, muito embora eu não o coloque entre prioridades. Abraço!

renatocinema disse...

Se Deus Criou a Mulher, em 56, ela representa Bardot.

Fiquei com desejo de assistir novamente essa joia rara da sétima arte.

Como Ao Cair da Noite não possui, talvez, o mesmo charme, prefiro rever a parceira que consagrou a mulher criada por Deus.

Abraços





www.renatocinema.blogspot.com

Thiago Silva disse...

Ótima análise, Cristiano. Bardot realmente é um expert no que diz respeito a sensualidade no cinema. Aliás, o tesão proporcionado por sua safra de atrizes eu considero muito maior do que tudo que é produzido hoje. Johansson? Fox? O que causa deseja é Bardot e Hepburn, pessoal!

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Esse filme tem um verniz muito interessante, aquele verniz da sexualidade aberta, exposta, mas na verdade não é taaaaaanto assim, não é mesmo? Gosto dele, especialmente pela Bardot. Não sou muito fã da história não, pra ser sincero, mas com ela, e com essa pegada sensual, a coisa fica interessante mesmo. Ótimo texto, amigo!

Antonio Nahud Júnior disse...

Realmente é um filme datado, como quase toda a obra de Vadim. De sua filmografia, fico com ROSAS DE SANGUE.

O Falcão Maltês

Pinecone Stew disse...

Have a SUPER week!

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