Estranhos desejos

Diversos filmes colocam a prática do voyeurismo em voga, ao traçar na narrativa a maneira como certos personagens buscam o prazer sexual através do interesse e da observação de outras pessoas. Olhar do Desejo é um pequeno trabalho do diretor David Mackenzie — também já havia realizado um filme sobre a obsessão sexual, “Paixão sem Limites” — que aqui coloca uma trama não tão concentrada de malícia ou polêmica dramática, ainda que com um senso mais transgressivo sob o verniz da leveza juvenil. Na verdade, esta produção baseia-se no livro Peter Jink e tem elementos de suspense, drama e certo humor negro. Hallam Foe (Jamie Bell) representa esse senso voyeur, é um adolescente que se torna agressivo e intolerante com todo mundo após o falecimento da mãe. Indisposto com a situação, vive em conflito e distanciamento com o pai, além de acreditar que sua mãe, na realidade, foi assassinada por sua madrasta Verety (Claire Forlani), ao invés de ter se afogado após uma overdose de comprimidos pra dormir. Na antiga e imponente residência escocesa onde vive num seio de constante conflito familiar, Hallam prefere se ausentar e passa horas dentro de seu mundo particular, uma casa na árvore. É lá que seu hábito preferido é transposto ao público: espionar com seus binóculos a vida alheia. Nota-se que existe neste jovem críticos conflitos íntimos, insatisfações e nítidas inquietações psicológicas.

Logo no princípio do filme fica evidente que Hallam não tem uma necessidade/satisfação sexual através do voyeurismo, existe ali uma maneira própria de estabelecer um contato de seu mundo com os outros. Olhar a vida alheia através dos binóculos é um conforto pra ele. Quando cresce a paranóia de que sua mãe foi vítima de um crime calculado, o garoto entra em conflito maior com seu pai e madrasta — é então que o filme assume um lado mais perverso ao incutir a dúvida na cabeça do público quando Verety dialoga de maneira dúbia e provoca a dúvida se, de fato, executou o crime que tanto inquieta o garoto. E logo a provocação da sexualidade invade a tela: numa cena de discussão, Hallam é assediado pela madrasta que o bulina, excitando-o. Ambos transam e logo a culpa invade o coração do jovem que decide sair de casa e parte para Edimburgo, em busca de uma vida mais pacífica. É então que o roteiro mostra seu objetivo: por ironia do destino ou não, uma jovem transeunte de forte semelhança física com sua mãe intriga Hallam.

Partimos para um contorno narrativo mais misterioso ao colocar Kate (Sophia Myles) como alvo de fascínio deste jovem. Hallam decide seguir todos os passos da garota, descobre onde ela trabalha e lá consegue um emprego como auxiliar de cozinha no hotel onde ela atua profissionalmente, eis a forma de tornar-se próximo dessa mulher que o perturba e causa inquietação — o filme parte para o aspecto do voyeurismo ao colocar Hallam na cola dessa mulher, escalando prédios da cidade para espioná-la, precrustando cada passo íntimo, inclusive observando-a da janela de fora de sua casa. Indagações são plausíveis: existe ali uma ligação maior que admiração? Seria uma espécie de “Complexo de Édipo”? A indução da sensualidade é caracterizada mais quando esse estranho garoto passa a ter ânsia em consumir cada átomo da presença da mulher. Por sua vez, a maneira como Hallam depende dos seus binóculos demonstra uma forma de dependência, talvez uma espécie de fuga para lidar com tamanha solidão, carência e morte/perda de sua mãe. Vemo-lo observando também as intimidades sexuais de Kate, suas transas noturnas selvagens com um homem casado (Jamie Sives); a curiosidade como um ponto de pecado. Hallam imerge num total interesse de desvendar os segredos libidinais dessa mulher que se torna sua obsessão de vida.

Ao invés de assumir um lado de thriller, por conta do mistério que envolve a morte da mãe de Hallam, David Mackenzie prefere tornar lúcida a relação que envolve esse garoto com seu objeto de desejo. No segundo ato da narrativa, a noção de “romance” é externado, ainda mais por conta da boa química interpretativa providenciada por Jamie Bell e Sophia Myles — além de aprender a trabalhar o luto e superar certos traumas e nítidas fragilidades comportamentais, Hallam percebe que sua relação com Kate é muito mais emocional e afetiva. E é justamente esse provável envolvimento desses dois personagens que reveste a trama com um senso mais dramático também. Ao fundo, uma trilha sonora elétrica com canções de Franz Ferdinand e do Sons And Daughters criam uma atmosfera bem juvenil, mas dinâmica, afinal não é um filme de clima mais denso. Os aspectos mais simbólicos do filme é destacar a juventude tão carente, propensa ao desejo, em busca de atenção e afeto para sobreviver. A lamentar, somente, por o filme ser curto e não aprofundar-se mais nas questões psicológicas de Hallam — ainda assim, interessante ver Bell como um garoto com suas inseguranças e no limite da sutileza da sensualidade, o típico garoto com os hormônios à flor da pele.

Hallam Foe (EUA, 2007)
Direção de David Mackenzie
Roteiro de Ed Whitmore E David Mackenzie, Baseado Em Livro De Peter Jinks
Com Jamie Bell, Sophia Myles, Jamie Sives, Claire Forlani

11 opinaram | apimente também!:

nando neto disse...

Sempre me pego perguntando através de novas descobertas vindo a despertar sentimentos do que faz mover esses desejos, sejam meus na minha narrativa (que constitui minha história de vida, ou seja, vida real), até em objetos fílmicos cinematográficos como os que observo neste blog e demais meios que difundem tais idéias. Não passei pela experiência desse filme confesso, porém na minha vida, e acredito que de muitos jovens, passando pelas diversas etapas, não estabelecendo um ponto correto e preciso para vivenciá-las, compõem essas questões de voyeurismo, despertado pela curiosidade, desejos escondidos, afetos a serem expressos no mais íntimo dos seus interiores. Por ventura somos "doces", afetuosos, "moles", entregues a situação de corpo e alma, podendo ou não se dizer como vítimas de uma isca da paixão, do romance, do verdadeiro amor, ou talvez de uma aventura, uma novidade, configurando como oportunidade de pontos de fuga de seu marasmo, monotonia, parecendo uma solução de uma realidade sufocante e sedentária, que pode fazer-nos confessar sobre nós mesmos. Antes de isso ocorrer, de maneira pessoal manifesto isso, com uma tentativa de imprimir o caminho percorrido por esses desejos repreendidos, encontramos uma barreira, uma? Sim! Não! Talvez! Quantas não importam, variando conforme os diferentes sujeitos. Atores de elencos formidáveis fazem trabalhos na mise en scène conduzida pelos roteiros, além da maestria dos diretores, servindo a nós consumidores da dita sétima arte um prato cheio da mostra da narrativa de um mundo cinematográfico, às vezes adaptado de obras, ficcionais ou não. Sempre procurei absorver e interpretar essas audiovisualidades, seja um filme, no cinema, na TV, no DVD, no VHS, no lap top, ou os curtas, de maneira que viessem a agregar “modos de agir” e “modos de sentir” a minha pessoa. Acredito que todos passem por uma experiência quando consomem alguma obra, mesmo não sendo os tais cinéfilos, ou indiferentes referentemente com a apreciação de tais objetos. A forma como o desejo se mostra, pode vir do inesperado, sendo “fetichizado” e utilizado de um modo de “sedução”, logo entrando mais uma vez na cena de nossa vida vindo a despertar nossos anseios e afetos, enfim todos têm um desejo, aliás, muitos, dessa maneira ele se alimenta de diversos modos nos tornando indivíduos caçadores, quase como instintivamente, as vezes ficando ocultado os nossos objetivos, logo a trajetória é configurada e se pode observar muitas vezes, o que somos capazes de fazer por aquilo que queremos.

J. BRUNO disse...

Acabei de ler a crítica e já fui procurá-lo para fazer download, infelizmente não consegui, fiquei muito curiosos, estou aqui imaginando o clima do filme pela sua descrição... Acho que irei gostar muito quando assistir!

Kamila disse...

Não conhecia este filme e seu texto me mostra o quanto ele é interessante. Fica difícil falar sobre a trama sem ter assistido ao longa, mas está claro pra mim que, ao buscar a mãe na semelhança física que esta tem com a garota que ele observa, é óbvio que ele quer enxergar a mãe que ele perdeu nela e preencher esta lacuna. Se bem desenvolvido, este é um conflito um tanto interessante e deve ter resultado num filme bem legal mesmo.

Júlio Pereira disse...

Essa fiquei realmente curioso pra ver (embora um thriller me atraia mais do que um romance). Aliás, pesquisei essa Sophia Myles no Google Imagens... uma gostosinha, em?! =P

Thiago Silva disse...

Hum, não conhecia o filme. Prometo conferi-lo o mais rápido possível, mesmo que Jamie Bell ainda não me desperte tanta confiança como ator.
Belo texto!

João Pedro disse...

Adorei o filme e o que achei mais interessante , além da ótima atuação de Jamie Bell, foi o fato de não mostrar o voyeurismo de forma sexualizada, algo até então inédito pra mim. Hallam não se excitava com seu constante stalking, ao observar Kate em momentos íntimos. Muito pelo contrário: isso só foi acontecer quando esteve cara a cara com ela. E foi legal ver a Claire Forlani num papel que não o da mocinha indefesa.

Sandra Cristina de Carvalho disse...

Belíssimo texto. Fiquei com muita curiosidade em assistir ao filme.O ator Jamie Bell é o meu eterno 'Billy Elliot.' srsr
A sinopse tão bem descrita por você me faz sentir vontade de dar uma conferida.
Grande resenha, parabéns!
Beijos.

Anônimo disse...

Fiquei maravilhada com o seu texto. Ainda não vi o filme, mas vou correndo assistir. Só achei que o comentário do Nando Neto pareceu praticamente uma resenha. Modere aí cara!

Mayara Bastos disse...

Não conheço este filme, mas aparenta-se que Jamie Bell está meio diferente, apesar de seu personagem ser um adolescente problemático, visto na maioria de seus filmes.

Beijos! ;)

Márcio Sallem disse...

Voyeurismo rende sempre bons filmes. Impressionante. Mas esse, eu nunca vi.

Mirella Machado disse...

Procurei no filmow esse filme pra marcar como quero ver e ta como Olhar do Desejo rs, enfim, eu já adorei quando vi o Jamie Bell, ainda mais com essa história de meio voyeurismo, meio stalker, fiquei curiosa em saber se o que ele pensa da morte da mãe é verdade ou não. Ta escrevendo super bem Cris, cada vez melhor. Abraços!!!

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