Sexualidade não é pecado!


A dor de ser gay. A angústia de ter que se reprimir. O desespero por se condenar. A batalha diária de enfrentar a própria família. Orações Para Bobby é um filme muito franco, baseado no livro "Prayers for Bobby: A Mother's Coming to Terms with the Suicide of Her Gay Son", lançado em 1995, pelo jornalista Leroy Aarons, fundador do National Lesbian And Gay Journalists Association, ainda sem lançamento no Brasil. A produção televisiva é uma prova de testamento quanto à dignidade sexual, contra a homofobia, um ato reflexivo emocional e sensível sobre o mundo homossexual. O filme dirigido por Russell Mulcahy percorre a trajetória de Bobby (Ryan Kelley) que se suicidou com apenas 20 anos de idade. A proposta do filme é mostrar os fatos que antecederam a esse drástico ocorrido, através de um estudo íntimo e delicado que apresenta a relação do jovem com sua mãe Mary (Sigourney Weaver), uma mulher rígida e religiosa que ocasionou uma angústia no filho quando soube de sua opção sexual. Intolerância familiar, intervenções religiosas, tratamentos médicos, inúmeras pressões psicológicas na crença de que o filho poderia “se curar”, além da falta de compreensão com que lidou com essa situação, Mary fundamentou a crise existencial em Bobby, culminando no fatídico ato em 1979 quando ele veio a pular de uma ponte, morrendo instantaneamente.

O filme é objetivo, logo no primeiro ato expõe um pouco da personalidade e das perspectivas pessoais de Bobby, bem como sua relação familiar. Nota-se a dificuldade de se ajustar com os ideais preconizados pela mãe que utiliza da religião como um aspecto vigoroso de vida. O roteiro é interessante em construir essa relação familiar de Bobby, nas cenas que o jovem percebe a manifestação preconceituosa de sua família e na maneira como sofria em se aceitar, em observar como a “sociedade” é um meio que discrimina e indissoluvelmente isola o homossexual.


O primeiro ato é firmado nessa essência, ao invés de manter um olhar erotizado ou mesmo libidinal sobre as ânsias sexuais de Bobby, o filme investe mais no lado sensível do garoto — ele sente-se atraído por homens da mesma faixa etária, mas há um cunho mais sentimental e um olhar mais íntimo quanto às motivações dele; como na cena em que ele observa um adolescente na escola e cria a falsa ilusão que está sendo admirado. Como se aceitar sexualmente? Por que deseja alguém do mesmo sexo? Como conter esses tais ímpetos? Inúmeras reflexões são transpostas logo de cara ao espectador.


Ao passo que o senso emotivo narrativo ganha mais força, o filme externa certa tensão na condição da relação de Bobby com sua mãe que segue à risca cada verso bíblico — ao descobrir que o filho é homossexual, Mary acredita que o garoto está no caminho do pecado, longe de Deus, num retrato perfeito de preconceito e incompreensão. Para ela, gays são promíscuos, depravados e suscetíveis a doenças (como a AIDS, quando era erroneamente associada somente aos homossexuais). O roteiro cria muito bem essa problemática, como na cena em que ela manifesta sua indisposição — “Eu não vou ter um filho gay! Eles transam em banheiros públicos e recrutam crianças”, mostrando como se torna complicado para Mary aceitar o filho como ele é.


O filme expõe, então, a neurótica mãe tentando converter a sexualidade do filho a todo custo — sessões terapêuticas, cultos religiosos e orações dentro de casa sem fim aparente; inclusive tolhendo-o de sua forma de vestir-se e trazendo garotas para que ele marque encontro. Em contrapartida, o público percebe o interesse de Bobby em livrar-se dessas imposições, o seu sentimento de culpa crescente quando visita redutos LGBT para dançar e ficar secretamente com outros homens; ou mesmo na tentativa de vivenciar uma relação amorosa com um garoto que conhece em uma balada, David (Scott Bailey), busca algo mais sólido relacionalmente.


O olhar de Mary representa esse senso preconceituoso da sociedade quanto à sexualidade e a aceitação do olhar hétero ao homossexual. No segundo ato, quando a morte do garoto provoca o caos e mexe com as estruturas conservadoras dessa família, é que o filme ganha um tom mais reflexivo, o público tem a noção do arrependimento de Mary quanto às motivações de Bobby — não só seu desconhecimento em relação a homossexualidade mas sim seu preconceito, sua ausência como mãe que, na verdade, não quis conhecer e aceitar o filho como ele era.


O roteiro coloca essa mulher confrontando-se com suas próprias limitações e aguçando sua sensibilidade para a sexualidade alheia — Mary percebe que existem amor e bondade no universo homossexual. É interessante essa construção durante a projeção do filme, por sinal a catarse da personagem é muito bem interpretada por Sigourney Weaver. Percebemos uma religiosa fervorosa no princípio e uma mulher transformando a culpa e redenção, após a perda do filho, num ato de respeito perante o homossexual e, principalmente, no zelo perante essa comunidade ainda marcada por intolerância e violência. Mary passa a conhecer o filho após sua morte, interpreta a bíblia com um olhar menos punitivo, vê que a homossexualidade não é algo condenável. E vem a torna-se uma ativista dos direitos dos homossexuais, levantando a bandeira que faltava ao seu filho.


Orações Para Bobby
é o olhar através de uma realidade comovente, é bem dirigido e interpretado — Weaver realmente brilha no filme, atuação impecável, afinal é um trabalho que, bem verdade, é sobre essa mulher em seu aprendizado pessoal e perda da ignorância. O filme é sobre essa mãe que acorda para um lado tão desconhecido até então. Porém, vale destacar a dedicação de Ryan Kelley que torna seu Bobby mais próximo do público e proporciona momentos de extrema sinceridade emocional, notável interpretação. A direção é simplista, mas eficiente, ainda mais para um produto televisivo que poderia muito bem ter sido concebido para a proporção cinematográfica. Ironicamente e felizmente, o filme tornou-se um sucesso através de sites e redes sociais que, constantemente, facilitam e divulgam links para download por meio de servidores de arquivo — assim, torna-se mais acessível e conhecido, preferencialmente por grupos afins que, querendo ou não, encontram-se na dolorosa realidade exposta. Eis um trabalho reflexivo e, sim, ainda bastante atual.


Prayers for Bobby (EUA, 2009)
Direção de Russell Mulcahy
Roteiro de Katie Ford, baseado no livro de Leroy F. Aarons
Com Sigourney Weaver, Ryan Kelley, Henry Czerny, Dan Butler, Austin Nichols

17 opinaram | apimente também!:

Gabriel Neves disse...

Ótimo texto, Cristiano, até dá pra sentir o que o filme fala lendo suas palavras. A temática é bastante interessante e aposto que o resultado é satisfatório. Só não sabia que quem interpretava a mãe era Weaver, com certeza com o nível de atuação igual ao que você falou. Com certeza eu preciso ver!
Abraços!

renatocinema disse...

Cristiano adorei a introdução do seu texto...instiga, mesmo, a assistirmos ao filme.

Adoro filmes com esse toque de "sofrimento".

Unknown disse...

Sinceramente não sei o q mais me marcou no filme... se a falta de conhecimento das pessoas deixando-as ignorantes ao ponto de machucar pessoas q a amam, ou a transformação dessas mesmas pessoas em busca da mais pura verdade o “Amor”. Filme esplendido com a interpretação foda da Sigourney Weaver!!!

Unknown disse...

Sinceramente não sei o q mais me marcou no filme... se a falta de conhecimento das pessoas deixando-as ignorantes ao ponto de machucar pessoas q a amam, ou a transformação dessas mesmas pessoas em busca da mais pura verdade o “Amor”. Filme esplendido com a interpretação foda da Sigourney Weaver!!!

Rayan disse...

Excelente texto, compartilho da mesma opinião sobre o filme e sobre a reflexão que ele propõe. Apesar de ter visto há muito tempo ainda me lembro do filme e da história dele, sempre me pego pensando sobre e refletindo novamente, fiquei com vontade de assistir novamente.

Kamila disse...

Só leio boas opiniões sobre este telefilme e teu texto me mostra o quanto a história dele é poderosa, não só do ponto de vista dramático, como também do ponto de vista emocional. Quero muito ter a chance de conferir. Especialmente porque a Sigourney Weaver teve aqui uma atuação tão elogiada, sendo até mesmo indicada ao Emmy.

Clenio disse...

É uma pena que este filme tenha sido feitao para a televisão, o que de certa forma limitou seu alcance popular e mesmo não teve maiores ousadias dramáticas. A interpretação de Sigourney Weaver é perfeita, mas o ator que interpreta Bobby não me passou tanta intensidade quanto poderia.
Li o livro e esperei o filme por um bom tempo. Quando o assisti pela primeira vez achei legal, mas nada extaordinário. Foi preciso uma revisão para que pudesse gostar mais.
Mas é um tema que precisa ser cada vez mais discutido.

Abraços
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

Edson Cacimiro disse...

Devia ser obrigatório para todas as pessoas de cabeça e mente fechada que colocam toda a 'culpa' do seu preconceito em Deus.
abraço.

filme filminho filmão
www.osenhordosfilmes.blogspot.com

Unknown disse...

Preciso assistir o maias rápido possível!

http://monteolimpoblog.blogspot.com.br/

Hugo disse...

Não conhecia este filme e fiquei curioso. Além do tema, é no mínimo diferente ver o australiano Russell Mulcahy dirigindo um drama, ele que é especialista em filmes de ação, como "Highlander".

Abraço

olmpic station park disse...

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railer disse...

cristiano, muito bom seu texto. esse filme é um marco e algo que todos deveriam divulgar. eu sempre que posso o indico aos amigos.

eu também fiz uma crítica no meu blog sobre essa história (aqui). ficaria feliz com seu comentário lá.

abraços!
raileronline

Júlio Pereira disse...

O embate entre a religião e homossexualidade é um dos mais interessantes a serem abordados. Os fanáticos religiosos acham mesmo que homossexuais são pessoas do "mau" - aliás, só a ideia de serem diferentes já é deturpada e alienada. Tenho pessoas na minha família (tio, tia, primo... pai, mãe e irmãos jamais!) que são desse jeito, procuro nem discutir, são pessoas tão irracionais que tudo que dissesse seria em vão. Enfim, me interessei muito por este filme, Cristiano! Muito bom o texto.

Flavio Junio disse...

Infelizmente a sociedade como um todo ainda não sabe lidar com certas diferenças. Não à toa que o índice de suicídios entre os homossexuais é grande. Parabéns Cris, mais um texto brilhante.

Thiago de Assumpção disse...

So digo uma coisa, chorei neste filme..
Muito lindo e eu gostei demais do seu texto...

OL disse...

É um filme incrível, mesmo. Não tem como não se emocionar, falando da minha experiência vendo-o, chorei da metade pro final, e ainda chorei e fiquei abalado por mais meia hora depois que o filme acabou.

É o tipo de filme que você realmente se abala, parece que rasga a pele seca da pessoa.

Muito bacana seu texto. ;)

OL disse...

Outro comentário. haha

Esse trecho incrível que você abre o texto mostra muito bem a orquestra diária do gay, antes e depois de se aceitar.

"A dor de ser gay. A angústia de ter que se reprimir. O desespero por se condenar. A batalha diária de enfrentar a própria família."

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