A homoafetividade tem sido pautada sempre na sociedade, embora não haja respostas evidentes sobre o assunto no âmbito da ciência que estuda a sexualidade humana - contudo, há sempre a necessidade de mostrar que não existe mais o velho conceito de tratar o homoafetivo como doente, nem mesmo anormal. O filme Assunto de Meninas é um íntimo retrato feminino lésbico de singela beleza, ainda que contundente pelo tom do conflito demonstrado. A homossexualidade, discursivamente expressa no filme, tende a ser uma reflexão e transformação relevante social. Ferramenta de conscientização? O foco argumentativo é na percepção da narradora: Mary Bradford (Mischa Barton) é uma jovem que é enviada pelo pai a um internato feminino. Após a morte da mãe e, abalada emocionalmente, por não conseguir obter um entrosamento afetivo paterno - ela confronta-se com a sua própria carência. É dentro desta configuração do internato que sua vida ganha novos contornos - recebida com otimismo, ela é direcionada a dividir o quarto com duas internas: Paulie Oster (Piper Perabo) e Victoria Moller (Jessica Paré). À primeira vista, ambas são apenas boas amigas fiéis e de grande cumplicidade. Mas eis que tudo se evidencia: ambas são amantes ardentes. Totalmente hiperativas, dinâmicas, contestam o sistema padronizado da instituição, fumam abertamente, verbalizam suas personalidades reclamando atenção e, com sutil euforia, agem instintivamente rebeldes. São avessas à formalidade do colégio interno, jamais se mantém quietas ao condicionamento tedioso e ritmo conservador do local. Em segredo, ambas namoram e nutrem um desejo mútuo. Inicialmente, Mary se choca com a intimidade e química sexual que Paulie e Victoria exalam entre si - convivendo com elas, aos poucos, ela observa os contatos, toques, beijos e carícias que expressam a grande sentimentalidade das amigas de quarto, além de presenciar os sussurros de transas noturnas. Mary torna-se cúmplice daquela situação, uma ouvinte. Voyeur? Em nenhum momento ela se mostra homofóbica. Acima de tudo, ela admira a relação das duas.
Paulie é idealista, corajosa, apesar de sua graça feminina age como uma espécie de dominadora na relação, há nela atos masculinizados. E gosta muito de Shakespeare e adora parafraseá-lo. Já Victoria é mais delicada, insegura. Gradativamente, Mary passa a ganhar confiança das amigas e ganha o status de confidente. Ela é o símbolo da carência feminina: exímia frágil, muito tímida e introspectiva, demonstra uma crível sensatez. Muito inocente, inexperiente, observadora - tenta compreender o universo do lesbianismo a sua volta. Diante da ausência materna, procura nas companhias das meninas amantes um refúgio, conforto e uma possibilidade de vitalidade. Será que, através do amor alheio, ela consegue adquirir mais esperança de vida? Como superar perdas dolorosas? Mary vivencia toda a sexualidade e torna-se parte do universo de aprendizado do elo que cria com Paulie e Victoria - entre as intimidades, ela reflete a própria existência? E há cenas de sexo entre as duas com muita sensualidade, beleza e poeticidade emoldurada por uma boa fotografia. Mas, o destino traça sua crueldade: as amantes são pegas nuas na cama. Temendo reações negativas das internas, das professoras e também de seus familiares: Victoria retrai-se diante da pressão insuportável. Decide terminar a relação amorosa e passa a ter um caso com um garoto.
É então que a overdose sentimental do filme transforma-se na confusão juvenil, o roteiro de Judith Thompson, baseado no livro de Susan Swan, ganha mais força: Paulie, irremediavelmente, não aceita ser descartada e, com o amor ferido, desmede uma obsessão absurda contra Victoria. Tem descontrole emocional, ataques histéricos, demonstra uma instabilidade comportamental que consegue assustar até Mary - e ela tenta, a todo custo, abrandar o coração magoado da amiga. Funcionando como um alicerce ao desequilíbrio de Paulie, Mary tenta proteger a amiga e também a fazer com que a situação não atinja o caos. Como entender a dor alheia? A compaixão é necessária. Mary se interpõe no universo das duas amantes, antes. Após o rompimento, ela passa a funcionar de escudo protetor ao desequilíbrio de Paulie: esta, totalmente destruída e amarga, demonstrando uma dependência submissa a ex-namorada. O filme pauta o processo doloroso do amor doentio, do ciúme descabido, do sentimento de posse. E há o contexto da família: todas as três têm uma carência familiar que reflete nos seus atos, ânsias e percepções.
Mas, é a homoafetividade que é o cerne do roteiro que foge de clichês e convence no realismo. E a confusão da opção sexual é nítida: a personagem Victoria demonstra medo, insegurança e não consegue expressar seu desejo sexual a todos - por isso, permite-se ao ostracismo do próprio sentimento: esconde-se numa relação aceita pela sociedade, a heterossexualidade. Afirma que seus pais são religiosos e teme confrontá-los, pois eles não aceitariam sua orientação sexual. Por isso, embora ame Paulie, nega esse amor e sofre para viver a vida sonhada pelos pais. As atuações do trio feminino central são envolventes, intensidade interpretativa. Mas é Piper Perabo que fascina com sua verborragia e expressividade psicológica como Victoria. A direção da suíça Léa Pool é cuidadosa, emocional, sensível - procura apresentar, com diálogos francos, essa atmosfera de um amor delirante, preconceitos sociais, conflitos sexuais. A trilha sonora hipnótica de Yves Chamberland é etérea, densa e irretocável e exerce um tom coerente com a emocionalidade das personagens. Um trabalho simples, mas elegante e repleto de dignidade.
Lost and Delirious (2001)
Direção de Léa Pool
Roteiro de Judith Thompson, baseado em livro de Susan Swan
Com Piper Perabo, Jessica Paré, Mischa Barton, Jackie Burroughs, Mimi Kuzyk
26 opinaram | apimente também!:
Cara, nãop conhecia esse filme, pelo que comentou deve ser interessante de se assistir. Gosto de filmes sim, e esse ainda tem Mischa Barton, gosto dela.
Abraço!
Poucas vezes vi um filme tão bonito quanto esse. Embasado numa estrutura simples, o filme conquista não apenas por mostrar o desenlace de um romance homossexual feminino, mas também nos apresenta uma análise do ser humano.
O convívio entre as três garotas é intenso e nas personagens encontramos a confiança, a ânsia pelo que é novo, a introspecção e também o desespero interno. Decerto é uma obra que não apela para o sexual e que se baseia no roteiro para tornar-se maior. As garotas perdidas e delirantes a que o título do filme faz referência perderam-se de si mesmas e juntas elas conseguem se reencontrar, seja na amizade, seja no amor - na expiação e, por fim, na redenção.
Um filme que vale muito a pena!
Adoro esse filme, assisti há muito tempo, deu até vontade de rever. Parabéns pela delicadeza com a qual falaste dele.
Amei Cris, amo esse filme, e vc o descreve perfeitamente, capitando toda beleza e sensibilidade do filme! =)
Paixões juvenis, em síntese. Parece interessante: anotado devidamente! rs
Beijos
O Amor tem três sexos
e nenhum documento!
=)
Eu já tinha lido sobre esse filme no Cinema e Eu, mas você falou sobre mais acontecimentos no filme que me deu uma imensa vontade de assisti-lo. Bjos
primeiro desculpa por nao passar por aqui antes estava sem net, putz adorei o blog, ainda nao vie este filme mas desd q li o post ja comeceia procurar aqui pela net rsrsrs obrigado pelas visitas abraço
;D
Um belo filme, de fato. Vc traduziu muito bem o espírito da obra Cris. As atrizes estão especialmente encantadoras.
ABS
Fui apresentado a esse filme já, realmente, é um filme muito lindo e especial de se assistir.
Postagem nova aqui, bjs.
Também não conhecia este filme, mas gosto muito da Jessica Paré. Quero conferir!
Acho que já vi o final desse filme duas vezes, fiquei até curiosa pra ver o filme inteiro. Se não foi esse é algum outro com a Piper Perabo fazendo papel de lésbica.
De qualquer forma, o filme parece ser bem legal, vou procurar pra assistir.
bjuw
Vo procurar ver o o filme! xD
Valeu pelo coments!
Blog mto demais! flw
A força da sociedade opressora fazendo as vezes pro cima do amor verdadeiro... seja hetero ou homo, podemos ver pessoas largando relacionamentos por questoes socio-economicas, raciais e de orietação sexual... filmes como este devem ser legais para confrontarmos com o que vemos em nossa sociedade!
Fiquei curioso pra ver como acaba essa historia...
Oi...
O que eu mais gosto nesse filme é realmente a sua densidade dramática, a maneira com que a trama se desenrola sem apelar para clichês do gênero "filmes sobre homossexuais". Mais do que um filme sobre homossexuais, é um filme sobre o amor - um tanto obsessivo, mas será que o amor, por ser obsessivo é menos amor?
Gosto das atrizes, do roteiro e das metáforas e simbolismos que o filme apresenta. Um dos melhores do estilo.
Grande abraço
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com
Suas resenhas são o máximo cara.
Abraço.
Mais um filme que eu não conheço, e mais um filme que você me deixa louco para assistir,rs
...
Mais uma sugesrao tua que vou procurar para ver!!!!!!!! Nao deixo muitos recados aqui mas teu Blog é de uma riqueza indescritível! Gosto... e muito! Ricardo
Cris,
Comentei com vc que lembro desse filme na estante da locadora há mtoooo tempo. Sério, não foi um que me interessei na época e q tb não me interessaria no geral. Mas sua crítica levantou um porém nisso e mudei minha idéia.
Também gosto mto da Mischa Barton e achei que todo esse roteiro esconde algo que não é pra ser considerado um filme B qualquer. Acho o poster bonito.
Se encontrasse ele talvez compraria. Mesmo sem ter visto.
Grande Abraçoo. meu caro. ;]
Quando assisti a este filme, lembro de não ter gostado tanto. Mas eu era muito novo, não percebi todas essas nuances...
Merece mais uma chance, sem dúvida.
Abs.
dado a dica, a gente corre atrás.
abs
Adorei o artigo...Parabéns a quem o escreveu!!!
Adorei o artigo!!!parabéns a quem o escreveu...
Adorei o artigo!!!parabéns a quem o escreveu...
Já agora que estamos a falar sobre intimidade feminina, fica aqui uma dica para todas as mulheres. Uma recente descoberta minha e que de certo vos pode ser útil...
www.lactacyd.pt
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