Memórias Sentimentais?

Há filmes que cicatrizam, alma purificada da Sétima Arte. Em Algum Lugar do Passado tem a plena capacidade de atingir o emocional, visto que é um trabalho de composição - tanto interpretativo, quanto narrativo - que prioriza a sentimentalidade e passionalidade dos amantes que são destinados, apenas, à fidelidade incondicional. Quem nunca amou perdidamente? Quão devoto de febre amorosa pode ser um ser? A premissa foca no teatrólogo Richard Collier (Christopher Reeve) que é surpreendido, na noite da estreia de sua peça em 1972, por uma senhora, idosa, que lhe entrega um relógio antiquado de bolso e em tom de súplica lhe pede: "Volte para mim". Eis que a catarse ocorre no cotidiano padrão de Richard: quem seria aquela senhora? Por qual razão aquela frase? O que ela queria expressar, afinal? Anos após, ele descobre que aquela estranha senhora é uma antiga atriz de teatro que morreu na noite em que se dirigiu a ele. Então, Richard passa a investigar incisivamente toda a vida íntima e os últimos passos de Elise McKenna (Jane Seymour). Totalmente absorto na beleza dela, transposta em uma fotografia num museu de um hotel vitoriano que se hospeda, emerge, dentro de Richard, uma ansiedade e um sentimento avassalador que o impulsiona a procurar todos os vestígios daquela mulher. Do dia que viu a imagem imortalizada de Elise emoldurada num quadro - a vida de Richard se resume apenas a contemplá-la. Seria uma obsessão, um alimento ao amor gradual? Por que ela mexe tanto com ele? Qual relação há nesse mistério? Eis um homem da década de 1980 que se apaixona por uma mulher de 1912? Através da auto-hipnose, com os conhecimentos adquiridos em pesquisa, ele tenta retornar no tempo - precisamente para o ano de 1912, com o intuito de encontrá-la e evidenciar seu súbito sentimento, fascínio e amor platônico. E através deste encontro dele com o universo dela que todo o fascínio se traduz: A sentimentalidade atinge todos os poros do foco do roteiro de Richard Matheson, baseado em seu livro.

Com delicadeza, naturalidade e até beleza poética da transfiguração da vitalidade motivacional de Richard e Elise, o roteiro concretiza o estilo e conceito de affair da película - é como sentir, com proximidade, cada sensação do sentir e palpitar do coração do casal. O elemento de "tempo" é um catalisador, mas o que prevalece é a adesão experimental de amor entre os dois. É quase tangível perceber a química sentimental que envolve o invólucro de afeto lúdico que exalam. De acordo com certas cenas, olhares e situações vivenciadas pelo casal - a percepção deles são as do espectador também. Antes de tudo, um filme que pauta contextos de fidelidade, amor platônico, relação de tempo e sentimento e tem elementos do melodrama, romance e paixão com tesão. Decerto, mais que o amor idealizado que uniam um ao outro, Richard e Elise sentiam um tesão latente e esta contextualização do desejo era evidente entre eles. O amor transpõe barreiras? Há, de fato, um elo que perdura por toda eternidade? Entre eles, existe o amor que transcende, puro vigor.

Christopher Reeve imortalizou um personagem dotado de carisma, masculinidade e trejeitos de composição que denota um típico cavalheiro romântico em busca da consumação de seu amor idealizado. Jane Seymour, belíssima em elegância e delicadeza, transforma sua personagem num símbolo feminino da fidelidade humana. Ambos são dispostos a abdicar da condição social, do universo que vivem e do condicionamento da realidade privada para extasiar-se em amor continental - ele abdica de sua carreira, assim como ela. O antagonista da trama fica a cargo da ótima atuação de Christopher Plummer como o empresário William, espécie de tutor manipulador, de McKenna. Totalmente egoísta, arrogante e misterioso, é um homem que se interpõe negativamente na relação de Richard e Elise. Seria ele possessivo a ponto de condená-la a uma vida infeliz? Ou ele, apenas, tinha um amor obsessivo por ela? Curioso o círculo vicioso que se estabelece e intriga: Collier só retorna no tempo porque Elise se apaixonou por ele. Ela só se apaixonou por Collier porque ele retorna no tempo. E o relógio, quem explica? O artefato atravessa todo o filme e serve de elo entre os amantes - Collier o recebe de Elise em 1972, que por sua vez o recebe dele em 1912. O tempo é algo único, não existe linha divisória de "antes, agora e depois".

A direção de Jeannot Szwarc cria uma intensa atmosfera de ternura que provoca comoção - há um apurado cuidado em conduzir os atores em cena, Mise-en-scène bem concebida e há o artifício de estabelecer um traquejo técnico, ainda que simplório, por prevalecer certos planos em close para dar destaques nas expressões, gestos e motivações físicas dos personagens. Há uma condução intimista que direciona o conceito da direção sensorial, ainda que contraste com o requinte da cenografia, direção de arte e fotografia conduzida por Isidore Mankofsky que prioriza tons dourados, claros e avermelhados em cenas mais quentes de amor entre os dois. A concepção da trilha sonora proposta e orquestrada por John Barry é suave, melódica e intensamente emocional - uma musicalidade que transparece o amor eternizado? A bela música "Rhapsody on a Theme of Paganini", solado ao piano de Chet Swiathowsky (Rachmaninoff), atravessa constantemente durante todo o período. Szwarc promove a expressão do teor do sentimento que emula o roteiro adocicado, cativante. Um clássico se faz pelo expresso da emocionalidade? Há no filme o adorno singelo de emoção - Richard e Elise palpitam na tela, pela entonação da voz, da respiração que ambos adéquam, pela sintonia criada pelo vínculo da paixão. Um exemplo de como amar é sinônimo de viver integralmente, com nítida esperança, o mais puro sentimento único. Há pessoas que nascem predestinadas a outras. Toca de uma maneira profunda que faz com que o ser humano se esqueça de quão finito é, suplicando uma eternidade de pacto de amor para toda vida. Verdadeira aula de sensibilidade!

Somewhere in Time (EUA, 1980)
Direção de Jeannot Szwarc
Roteiro de Richard Matheson, baseado em livro de Richard Matheson
Com Christopher Reeve, Jane Seymour, Christopher Plummer, Teresa Wright, Bill Erwin, George Voskovec

28 opinaram | apimente também!:

Petro disse...

Este eu vi, assino em baixo!
Cara, estou em dívidas nas leituras aqui. Ando cheio de atividades...e sem tempo. Mas hoje sair daqui renovado. Abração

(CARLOS - MENINO BEIJA - FLOR) disse...

O filme é mesmo lindo, inteligente e de grande sensibilidade.me trouxe boas lembranças, acho que eu tinha uns 19 anos, com uma namoradinha do lado.Ela infelizmente ficou em algum lugar do passado. Seu blog é show. Um abraço

Rodrigo Nogueira disse...

Sublime, poético, ingênuo e científico (?)

Já assisti umas 15 vezes.

Abração!

Paulo Alt disse...

Como assim escreves sobre esse que tem um significado a mais pra mim e não diz???

Little Contreiras, rs,

Só de ouvir o nome Richard Collier já fico diferente. Você traduziu bem a postura dele com esse "cavalheiro romântico". Embora

no livro tenha algumas mudanças de roteiro só, eu imaginei o tempo todo o próprio. Os pensamentos, a forma que ele mesmo

conduz tudo aquilo evolto em uma certa austeridade melancólica mas que desafia qualquer um a querer seguí-lo também. Aquela

figura curiosa, imponente e que esconde um lado sentimental. Barreiras existem, mas acho sim que algumas coisas transpõem ela,

sabe. Não é dizer ser imaturo, ou ainda conservar um lado lúdico na mente e sair acreditando nas coisas, mas é perceber elas e...

ser. Ser diferente. "amar é sinônimo de viver integralmente, com nítida esperança"

Por falar em te citar, rs, ficou perfeito isso aqui: "Collier só retorna no tempo porque Elise se apaixonou por ele. Ela só se

apaixonou por Collier porque ele retorna no tempo. E o relógio, quem explica?" Perfeito.

A edição do dvd que tenho é aquela capa azul, te falei né. Mas gosto bastante dessa do poster do post, o do meu vhs. O do seu

vhs também, rs. Traz mais essa idéia de "somewhere".

O tempo é algo complicado. Mas isso não importa. E adoro as frases do filme.

"Volte pra mim."

Abraço grande. Grande... abraço, Cris. ^^

Ju Fuzetto disse...

Esse é demais mesmo!!!

E vc consegue escrever cada sensação, cada sentimento, relatado no filme!!!

Parabéns, boa semana

bjo

Anônimo disse...

Fiquei bem intrigado com a proposta desse filme. Vou correr pra locadora. Bjo!

Tania regina Contreiras disse...

Filme indesquecível! Amor que rompe as barreiras do tempo, trilha sonora bem dentro do clima do filme, enfim, em algum lugar do passado podemos voltar? E ficar?

Beijos

Alexandre Maia disse...

Nossa, adorei!!!
Achei o Post perfeito.
Não vivo sem Cinema e pelo visto nosso gosto é muito parecido...
Uma ótima semana pra ti, grande abraço

Amanda Aouad disse...

Ao lembrar desse filme, só me vem a mente a música "Somewhere In Time" que chega arrepia a alma. Adoro o filme, a história, o roteiro, os atores. A pergunta que fica é aquela de sempre: onde começa o ciclo do relógio, hehe.

bjs

Clenio disse...

Oi, Cris

Este é um típico filme onde respostas são desnecessárias, assim como o amor. É um filme que emociona pela seu romantismo assumido, sem medo de ser piegas e/ou fora de moda.
Um clássico do início dos anos 80, que comprovou que Christopher Reeve era bem mais do que simplesmente o Superman.

Grande abraço
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

Cintia Carvalho disse...

Oi Cris!

Excelente! Vc descreveu de forma detalhada e minuciosa toda a atmosfera deste filme que eu amo de paixão. Christopher Reeve esta encantador, um sonho, um verdadeiro galã (como ele era bonito) e Jane Seymour está um doce, linda, elegante, demais. Um casal deslumbrante em uma história que fascina, cativa e emociona.

Cris, não tenho palavras para descrever como fostes feliz em todas as suas colocações e observações sobre o filme. Esta passagem de seu texto que vou destacar exemplifica bem o que falei: "Collier só retorna no tempo porque Elise se apaixonou por ele. Ela só se apaixonou por Collier porque ele retorna no tempo. E o relógio, quem explica?".
Magnífico!

E a música "Somewhere in time" é lindaaaaaaaaaaaaaaaaaa! Meus Deus que música!!

Bela escolha!!!!!

Um beijinho carinhoso.

Anônimo disse...

Sou um grande fã deste filme! A interpretação de Christopher Reeve pode ser considerada a melhor de toda sua carreira.


http://cinema-em-dvd.blogspot.com/

Fernando disse...

Incrível! Suas análises são sempre muito completas e despertam interesse pelo filme postado. Essa história parece ser bem interessante, mesmo parecendo ser um tanto quanto melosa...

Richard Mathenhauer disse...

Olá!
"Em algum lugar do passado" é um filme romântico, em que existe grande delicadeza e ternura entre as personagens centrais. E a trilha sonora é fantástica!

Parabéns pelo comentário!

Cristiane Costa disse...

Oi Cris,

Sublime resenha! Seu texto está cheio de ternura e amor em uma linguagem poeticamente bem elaborada. Parabéns!

Você sabe que eu me emociono demais com esse filme, para mim, um clássico do romantismo, do amor além das fronteiras temporais e locais, ou seja, um amor terno e eterno. A sua frase belíssima "quase tangível perceber a química sentimental que envolve o invólucro de afeto lúdico que exalam" traduz muito bem a química de Reeve e Seymour, como se eles tivessem já predestinados a fazer esse filme e serem o casal supremo de uma suprema história de amor.

Eu choro muito nesse filme, um misto de alegria e tristeza, esperança e desesperança. Alegria de ver que existe um amor assim,pelo menos no cinema. Tristeza de vê-los se separando no famosa citação" Richarddddddddddddd". Esperança de um dia eu encontrar um amor igual a esse(ou pelo menos parecido, rs) e desesperança de ver que poucas são as pessoas que serão abençoadas com um amor assim.

Beijo

Hugo disse...

É um filme que consegue misturar romance e fantasia sem exagerados.

Com personagens sensíveis e uma delicada história de amor.

A química entre Christopher Reeve e Jane Seymour é perfeita.

Abraço

joyce Pretah disse...

nossa!

maravilhoso filme...lembro que chorei horrores quando assisti!


reeve está lindo como sempre foi....


bj!

Kamila disse...

Todo mundo fala desse filme, leio sempre boas opiniões sobre ele, mas nunca assisti, acredita??

Kamila disse...

Eu nunca assisti a este filme, mas sempre li ótimas opiniões sobre ele. Acho que tenho que conferir a obra LOGO!

Edson Cacimiro disse...

É o tipo de filme que a gente assiste e que fica marcado na nossa memória.
Vejam também em http://osenhordosfilmes.blogspot.com/search/label/1980
abç Cris

thicarvalho disse...

Com todos estes elogios, tenho q ver este filme em breve. A sinopse é realmente interessante e o seu texto nos deixa com vonta de assiti-lo ainda mais. Como se não bastasse tudo isto, ainda temos Christopher Reeve, o eterno super-man, como protagonista. É aquele filme q já entrou para lista de filmes a serem vistos. Grande abraço Cristiano.

Visitem

www.cinemaniac2008.blogspot.com

Daniel Senos disse...

Esse filme é tão romântico e belo... Tenho um carinho especial por ele.

Airton disse...

eae nossa esse filme eh legal..tem uma trilha mto boa que eu só acho uma musica infelizmente..
festim diabolico é louco mesmo...

Leco Vilela disse...

Minha próxima missão é assistir Solder Girls e A Single Man, que eu ainda não assisti, veremos...

Mirella Machado disse...

Cris vc contou que era o relógio :/
Mas mesmo assim fiquei com uma vontade ver, o enredo é muito interessante, parece uma história de amor muito linda. Bjos Blogmurus

Anônimo disse...

Meu caro, parace-me um filme espetacular! Esse eu tenho que assistir!
Como sempre, parabéns pelo texto!
Abraço,
Jefferson.

Alguém disse...

Assisti esse filme quando tinha aproximadamente 11 anos, achei interessante, sobre o personagem voltar ao passado e talz...uhuul. Anos depois tive a sorte de reencontra-lo, comprei imediatamente, assistindo novamente, mais madura, pude notar a beleza e sensibilidade do filme ao tratar do tema, paixão. Belissima atuações, delicado em todos os sentidos. Um otimo filme.

Reinaldo Glioche disse...

Me lembro do seu comentário lá em Claquete quando coloquei a imagem deste filme na home. É, de fato, um filmaço. Um ícônico romance. Uma história de amor atemporal.
ABS

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