Tabus Religiosos

Até que ponto se estabelece a fé? Existem padrões para as manifestações - sendo divinas ou não? O ser humano, imerso em vícios da carne, pode estar apto à sensibilidade espiritual? Stigmata, dirigido pelo então estreante Rupert Wainwright, concebe uma argumentação sobre contradições quanto às convicções mundanas em relação às teorias existenciais divinas. O filme mostra a trajetória de uma jovem de 23 anos, Frankie Paige (Patricia Arquette) - pagã convicta, tem uma independência financeira por trabalhar a algum tempo como cabeleireira em Nova York. Em paralelo, numa cidade do sudeste do Brasil, a fictícia Belo Quinto, o padre Andrew Kiernan (Gabriel Byrne) investiga, ordenado pelo Vaticano, uma igreja que provoca polêmica em fiéis e moradores da comunidade por apresentar uma estátua de uma santa que verte lágrimas de sangue. Como explicar estes fenômenos? O que poderia estar por trás disto? Enquanto o mistério se estabelece, sem razões científicas aparentes para algo já "inexplicável" - Frankie, inesperadamente, passa a ser vítima de estigmas, chagas idênticas às de Cristo. A garota, estranhamente, não sente dores. É então que Kiernan é encarregado de orientar e também entender, descobrir, quais razões por trás destas manifestações cruéis que aterrorizam a garota. Ele é um investigador a serviço da "Congregação Para as Causas dos Santos", uma divisão da Igreja Católica e do Vaticano. Seu trabalho é viajar ao redor do mundo para averiguar a ocorrência de supostos milagres, e estudá-los verificando se suas origens são explicadas cientificamente. Como entender a ligação de uma jovem que não crê em Deus e recebe essas estigmas? Segundo o padre, somente um religioso fervoroso poderia ter tais marcas. Contra a igreja - inclusive afrontando o cardeal Daniel Houseman (Jonathan Pryce) - e a todos que não querem que a verdade venha à tona, cresce uma forte relação macabra e vínculo sentimental do padre e a garota estigmatizada que tece sérios contornos surpreendentes. Através do roteiro, providencia-se, também, o debate sobre critérios de liberdade religiosa, tabus e a extrema rigidez presente na hierárquica católica.

Bem verdade, a maneira como predestina a personagem Frankie aos tormentos das manifestações sobrenaturais não limita o enredo num mero detalhamento de atmosfera do terror-suspense. Há mais uma discussão sobre questionamentos humanos em confronto com os espirituais - além disso, o roteiro delineia as contradições do catolicismo e da humanidade. Uma mulher altamente sexualizada, repleta de anseios carnais, desejos libidinosos - antes mesmo de receber as estigmas, ela permeia entre seu universo de promiscuidade sexual e um cotidiano emoldurado em transas furtivas e baladas technos constantes. É uma mulher que representa o arquétipo da feminilidade moderna, dominadora e totalmente livre nas suas escolhas. Nota-se que ela não mora com sua mãe, ainda que mantenha contato familiar por telefone. Seu dia a dia resume-se no trabalho e na independência que promove ao seu universo. Então, eis a típica mulher que necessita de vícios carnais da humanidade: sexo, bebidas e prefere desconhecer sobre assuntos espirituais. Todo pecado há de ser santificado? Aos olhos de Deus - todo ser humano é semelhante, ainda que a cada um reserve imperfeições da carne. Afinal, que sinais são esses que a fazem jorrar sangue mensalmente pelas mãos e pés?

Quando a catarse ocorre no seio da atividade de independência de Frankie, é que ela recorre às perguntas íntimas: Por que seria a mensageira? Seria uma resposta de Deus a uma vida firmada no mais puro vazio? Por que ela, uma garota totalmente descrente de tudo, teria essas marcas de sofrimento de Cristo? Ainda que sua aproximação com o padre Andrew seja para desvendar os mistérios das estigmas, das posteriores aparições sensitivas macabras que ocorrem e, inclusive, de possessões que tomam conta de seu ser - Frankie não deixa de instigar o padre com sua sensualidade. Sente-se atraída por ele, questiona suas convicções religiosas e até abstinências sexuais. E ele permanece na dúvida, pois intimamente desenvolve um tesão sutil pela libidinosa aparência expressiva da garota. E é então que o coração ou mesmo a razão deve prevalecer nesse momento, visto que a investigação sobre os estigmas devem ser priorizados - não há o condicionamento de uma possibilidade de sexo do padre com uma possessa (Frankie recebe entidades com avisos constantes). A esfera espiritual ignora libido, anseios carnais? Ela contesta tudo, sempre.

O roteiro tenta mostrar como certos tabus religiosos podem ser contestados, a todo instante. Nem toda verdade há de ser absoluta. E há a razão das estigmas, este fenônemo religioso que se caracteriza pelo ferimento espontâneo das mãos, dos pés e do lado direito do corpo, exatamente como as feridas de Jesus Cristo na crucificação. Portanto, enquanto mais e mais estigmas surgem, o que fazer para conter? Como entender os avisos que são expressos? Será que Frankie morrerá? Além de pautar esse teor epifânico religioso - a sexualidade é articulada pela protagonista que enfrenta os martírios do estigma. Porém, o filme ainda encontra sustento em levantar suspeitas sobre as contradições históricas do catolicismo, enfocando as ideias contrárias à autoridade da Igreja moderna e pauta até as questões sobre as necessidades de toda essa gama de poder e ostentação. Quais conspirações sustentam os tabus? A montagem do filme é dinâmica, ágil e preenchida de recursos e cacoetes visuais que lembram um videoclipe. A fotografia prioriza tons avermelhados, cores douradas e escuras. E a trilha sonora tem músicas de Björk, David Bowie, Massive Attack e outros repertórios organizados por Billy Corgan, vocal e líder do Smashing Pumpkins. Os elementos de horror concebem boas cenas, como as cenas de levitação e eventos sobrenaturais e fenômenos psicóticos. Pois, nem tudo que é considero heresia há de ser acreditado.

Stigmata (EUA, 1999)
Direção de Rupert Wainwright
Roteiro de Tom Lazarus e Rick Ramage
Com Patricia Arquette, Gabriel Byrne, Jonathan Pryce, Nia Long

31 opinaram | apimente também!:

Larissa Araújo disse...

Nossa, esse me fez lembrar do tempo que eu ia todo dia na locadora ehehehhe. Assisti esse filme várias vezes e gosto bastante.Vcê descreveu muito bem no seu texto a trama, de uma maneira a despertar a curiosidade e no meu caso, que já vi várias vezes, uma vontade de rever kkkkkk. Bem colocada ssa observação sobre a montagem, realmente lembra um videoclipe. Enfim, gosto bastante do filme e já quero rever eeheheh

Rodrigo Mendes disse...

Eu adoro quando os americanos olham para o Brasil com seu estúpido olhar exótico exacerbado. Rs! Eu lembrei agora do número musical com as bananas num clássico da Fox (e Busby) com a Carmem Miranda..haha!

Enfim,voltando à fita. O filme tem um clima aterrador, mas o roteiro é ruim que dói na alma e a história é tola que tenta ser um filme de terror.

Prefiro a Patricia em 'A Hora Do Pesadelo 3 - Guerreiros Dos Sonhos'. Rs!

Rupert vem dos videoclipes e é um desses diretores viciados na imagética e acha que fazer filmes para o cinema é a mesma coisa que criar arte para os clipes. Um erro.


Excelente texto.
Abraços
Rodrigo

Mirella Machado disse...

Ah, eu assisti demais a esse filme na tv, mas eu não lembro muito dessa promiscuidade da personagem principal :s
Preciso rever então urgente. Lembro que eu gostava de todo aquele suspense que envolvia o espectador e ainda mais as críticas mesmo a religião cristã pq quando eu era mais nova era meio revoltada com essas coisas, adorei sua resenha, já me fez lembrar de várias coisas aqui. Beijoos Blogmurus.

Leo Ribeiro disse...

Cristiano? então, eu por aqui. acreditas que eu nunca tinha aberto minha caixa de comentários? Só chegava postava, e nunca tinha imaginado que alguem comentava ou ao menos lia minhas postagens. descobri que meus poucos mais fieis seguidores, gostam do que eu escrevo, meio que palavras traduzidas em sentimentos. Entao é isso. To aqui respondendo teus comentarios e te agradecendo. Valeu cara.

George Facundo disse...

Faz muito tempo que vi este filme que nem me lembro mais... Vou dar uma revista neste filme nesta semana, vc trouxe muitas informações sobre este filme que me levou a profundas reflexões!

grande abraço!

Foose disse...

É um ótimo filme, tem um bom roteiro, porém comete um erro que me deixa indignado... A mania dos estrangeiros acharem que aqui no Brasil nós temos sotaque espanhol (no Sudeste do Brasil, o que é pior). Mas, gostei da história que, embora tenha uma conotação religiosa, consegue facilmente ultrapassá-la e dar vida a todo o plano sobrenatural que a envolve. As interpretações estão soberbas e os efeitos especiais muito bem feitos. Um ótimo filme!

Kra, parabéns! Adorei a sua crítica... muito boa!

Um grande abraço...

Adriano Mariano disse...

Oh, GoD! Eu amo este filme...

Amanda Aouad disse...

Tem muito tempo mesmo que vi esse filme, acho que até vi no cinema, não lembro... Na época gostei muito, lembro que foi nele que me toquei para o fato do prego ser no pulso e não na palma da mão do Cristo. hehe. Gosto também da mensagem que passa de um Deus dentro do homem não "em prédios de madeira e pedra".

Quanto a promiscuidade da personagem principal. Sim, ela tinha uma vida "pagã" e é uma das coisas que o padre se incomoda, pois as chagas só viriam para alguém puro, com muita fé. Mas, você deu apimentada a mais nisso, não? hehe. Ótimo texto.

bjs

Richard Mathenhauer disse...

Vi incansáveis vezes este filme. Da primeira vez, achei-o um tanto blasfêmo, mas gostei muito, exceto pelas cenas que dizem ser no Brasil, mas que de Brasil é bem México! rs

Abraços,

Rodrigo Braga disse...

Belo texto! Como sempre!

Kamila disse...

Este teu texto faz "Stigmata" parecer um melhor filme do que na realidade é. :)

Gabriel Neves disse...

adorei teu texto, esses filmes que mexem com toda a questão de tabus, heresias, religião, simplesmente adoro. vou procurar.
(:

Vitor Silos disse...

O filme é bem interessante, preciso revê-lo pois tem muito tempo que não o vejo. Vou aproveitar que comnprei esse filme e vou revê-lo.

Vitor Silos
www.volverumfilme.blogspot.com

Gustavo disse...

Não pensei que esse filme pudesse render tanto discussão. Vi-o quando foi lançado em vídeo e o esqueci, mas gosto dos temas inerentes a produções desse tipo. Talvez, algum dia, revisite.

M. disse...

Realmente você disse tudo e algo mais. É sempre bom vir aqui.

renatocinema disse...

Esse filme é um dos melhores que assisti de Suspense sobrenatural. Tem um roteiro muito bom e questionador. Eu costumo ver uma vez por ano. Esse merece mais de uma visita.

Julyana ツ disse...

Deveras esse filme é extraordinário.
Sua forma de descrevê-lo e recomendá-lo também foi ótima, ressaltanto os pontos chave do filme como seus constantes questionamentos...






;*

Adri Ferreira disse...

Adoooooooooooro esse filme!!!!

JhonSiller disse...

Vou procurar assitir

cleber eldridge disse...

Confesso não ter o menor interesse no filme.

Anônimo disse...

Oi! Muito obrigada pela visita recente ao meu blog, é bom encontrar pessoas que compartilham os mesmos interesses pela net!

Tb linkei vc, para dar uma apimentada nos cometários daqui... ;)

beijos

André disse...

O filme é bastante intenso. Psicologicamente pode ser aterrador para os mais religiosos

Visitem e comentem os grandes clássicos do cinema
http://febre7arte.blogspot.com/

Anônimo disse...

Como assim eu não gostei do seu blog? De onde vc tirou essa ideia?

É claro que gostei daqui, adoro coisas picantes... ;)

Emmanuela disse...

Já estou até envergonhada, das últimas postagens não assisti a nenhum filme abordado !! Gostaria de poder comentar melhor sobre este último.

Beijão!

Metamorfoses disse...

Nossa, muito bom seu blog!!Parabéns!!!

Mayara Bastos disse...

Seu texto me deu uma compreensão boa do filme, que não acho grande coisa, ou seja, ficou melhor! rsrs. ;)

thicarvalho disse...

Como sempre ótimo texto Cristiano. O filme realmente é bom. Já o vi a algum tempo, e preciso reve-lo. Mas me lembro q me agradou na época. Gosto mto do ator Gabriel Byrne. É um nome que poderia ser melhor aproveitado atualmente. Grande abraço.

Visitem

www.cinemaniac2008.blogspot.com

Anônimo disse...

Oi! Vim aqui só para te dizer que meu amigo que tb escreve no meu blog, o "travis", postou a sinopse de um filme que tem muito a ver com o seu blog, e lembrei de vc na hora! haha!

Vai lá depois conferir:

http://filmesqueelaviu.blogspot.com/

Marcio Melo disse...

A parte inicial situada numa ficticia cidade brasileira é deprimente. Tem uns peruanos, ou bolivianos se fazendo de brasileiro, tosco.

Mas é a unica coisa ruim em Stigmata. É um grande filme e que, pelo menos na época, mexeu muito comigo.

Anônimo disse...

Adoro esse filme, e teu texto ficou muito bom. Pena que o filme não me atingiu como deveria, pois vi numa roda de amigos tagarelas e piadistas... Pois é...

Anônimo disse...

Beeem legal!

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