Segredos Desnudados

Pecados Íntimos concebe uma reflexão sobre a insatisfação humana - diante da vida aparentemente perfeita; de sonhos não concretizados e de desejos que nunca são silenciados. Ninguém é o que aparenta ser? É a desconstrução das aparências, do pseudo-moralismo e das falsas inocências. O filme, dirigido por Todd Field, revela-se como um estudo orgástico sobre os vícios e também o que há de mais obscuro na teia da perversão humana. Como se libertar de uma vida que não há prazer? O que fazer para diluir a insatisfação que torna o cotidiano tedioso? Sarah Pierce (Kate Winslet) é uma típica dona de casa, casada com Richard (Gregg Edelman), vivem numa cidade suburbana dos Estados Unidos. Regularmente, leva sua filha a um parque próximo de sua residência. E é lá que o princípio argumentativo do filme se estabelece. Sarah conhece Brad Adamson (Patrick Wilson), quando este, em companhia do seu pequeno filho, surge em seu destino. Obviamente, o tesão aflora, desarma dois seres desconhecidos num ultimato. Engana-se no sentido da amizade de ambos, é nítido que o desejo torna-se avassalador tanto quanto a intimidade casual. O que fazer para driblar a libido que se apodera dos dois? Brad é desempregado, casado com Kathy (Jennifer Connelly). Sarah, não vê brilho em sua vida apática. E, para completar, quando apenas acredita-se que o mote é a sexualidade pela traição - a espinha dorsal do filme ainda ousa em focar em Ronald James McGorvey (Jackie Earle Haley): o vizinho pedófilo de Sarah e Brad que mexe com a comunidade, sua patologia causa repúdio em todos. O que todos esses personagens centrais têm a esconder? Partindo da premissa onde entre quatro paredes todos os seres humanos expressam suas verdadeiras tônicas, anseios e comportamentos - o filme revela-se perturbador. O tom emocional da perspectiva do roteiro de Tom Perrotta faz pensar muito na questão da infidelidade.

O filme é pontuado em off por um narrador onisciente, faz com que todos os personagens ganhem sustância e intimidade - além do psicológico ser exposto. É a voz da verdade que expõe a hipocrisia de seres humanos que preferem manter uma vida onde não existe felicidade. E o prazer de se viver? E a delícia do gozo de ter o orgasmo pela própria vida? Ao desmascarar os universos de um microcosmo de mundo, pode-se refletir em cima de uma abordagem bastante sexual. Há o universo de Sarah - onde tem que lidar com seu marido viciado em pornografia, um homem que precisa se masturbar com vídeos eróticos e ausenta-se do convívio e da atenção à sua esposa insatisfeita. É onde o título original do filme exerce seu ignificado: afinal, seriam esses adultos representações de crianças que não amadureceram? São homens que não assumem suas responsabilidades? E Todd Field mostra que estes imaturos precisam da sexualidade pra externar seus vícios, suas vontades e suas fragilidades de mundo particular. A traição é o foco principal, mas a sensibilidade conduz os personagens. Sarah não se sente confortável com sua vida morna. Muito menos tem habilidades e vocação para a maternidade. Sente-se presa. Da mesma maneira, encontra-se Brad - um homem submisso à esposa que o comanda com rédeas curtas, dita regras e coordena financeiramente seu lar.

Instigante o roteiro, pois coloca dois personagens em uma vida isenta de prazer - Sarah decepciona-se com o marido que recorre à pornografia da internet; Brad não consegue mais ter relações sexuais com Kathy. Entende-se que a traição não é algo justificável, mas a situação de fragilidade que enfrentam os personagens é evidente. E o que falta para esses dois é um tempero mais excitante, algo mais quente em suas vidas - talvez, por isso, ambos sentem-se tão atraídos e necessitados de consumir esse tesão irrefreável. Perigosamente, Sarah e Brad mantêm um caso tórrido em tardes diárias - é interessante que a atração dos dois se mostra de maneira carnal. É tanto que o sexo é selvagem, agressivo, como se cada um quisesse expurgar as insatisfações de dentro do âmago quando atinge o orgasmo. E como fazer para manter esse segredo? Do outro lado, há a realidade de um homem que tem disfunção sexual e precisa se ajustar a uma sociedade preconceituosa, crítica e predatória. E como Ronald irá adaptar-se nesta sociedade que não o aceita mais? E como conter seus ímpetos perversos sexuais? A proximidade dos personagens é evidenciada por existir, a partir do sexo, a motivação de mudar a condição que eles se encontram. E como o senso de culpa reveste estes indivíduos diante de suas imperfeições. É surpreende a humanização da personalidade psicológica do pedófilo aflito por uma segunda chance.

A inteligência na direção cuidadosa do diretor Field é evidente na condução de um elenco altamente natural, afiado. Onde tabus díspares como adultério, feminismo e crises existenciais familiares são aprofundados num enredo perspicaz. Atuações intensas de Kate Winslet e Jackie Earle Haley são lúcidas, puro assombro. O charme sexual de Patrick Wilson empresta sua vocação de virilidade para símbolo do pecado que o filme lhe reserva - é o homem desejado por todos, capaz de instigar qualquer mulher num casamento superficial. Realiza-se uma desconstrução social aqui - o "American Way of Life" é o mote. Enquanto o narrador conta sua quente história, com certa ironia até - esses personagens são ainda mais transparentes aos olhos nús. E é onde conceitos de solidão, sentimento e até esperança é elevado à potência. Sarah e Brad representam também pessoas que sentem necessidade não só de externar a libido - é um homem e uma mulher que se entregam ao amor que nasce do prazer, da chance de mudar uma vida tão conformista. E o filme indaga até o fim se é necessário permanecer em segredo ou deve-se provocar uma catarse para se viver tudo que se quer. É um estudo íntimo sobre anseios sexuais, de como o ser humano sofre tanto em condenar-se e reprimir seu próprio instinto - por que não viver tendo a felicidade e o prazer? Nada mais saboroso que um trabalho de investigação da sociedade dissimulada. Afinal, questionar comportamentos humanos é algo sempre perturbador.

Little Children (EUA, 2007)
Direção de Todd Field
Roteiro de Todd Field e Tom Perrotta, baseado no livro de Tom Perrotta
Com Kate Winslet, Patrick Wilson, Jennifer Connelly, Jackie Earle Haley

26 opinaram | apimente também!:

Larissa disse...

Tô curiosaaaa, oh Cris, você já me deixou curiosa pra ver três filmes hoje! kkkkkkkkkkk Vou baixar assim que chegar em casa. Depois comento sobre o que achei do filme

renatocinema disse...

Um dos melhores filmes que assisti no ano passado. Sem dúvida alguma.

Sobre Ellen ter perdido o "Oscar" para J. Roberts é a prova viva de que esse prêmio não pode e não deve ser levado a sério.

Dan disse...

o filme é ótimo. eu gosto muito dos dois!
bom texto amigo!
abraço

Edson Cacimiro disse...

Excelente filme! Grandes atuações, roteiro expetacular, muito bom mesmo, recomendo.
www.osenhordosfilmes.blogspot.com

abç Cris.

Raphael Camacho disse...

Um grandíssimo filme cris!

renatocinema disse...

Como prometido......voltei. O texto é bem rico e verdadeiro ao dizer que as pessoas preferem a hipocrisia e esquecem do prazer....Belo texto, como sempre.

Gabriel Neves disse...

não conhecia o filme, mas o elenco e teu texto me chamaram a atenção, gostei (:
abraços.

Anônimo disse...

"Afinal, questionar comportamentos humanos é algo sempre perturbador."

excitada estou!

Pelo contexto,

Pela profundidade do filme,

do seu texto, SEMPRE BRILHANTE,

excitada por sua sensibilidade em captar o âmago das coisas...

SOU FÃ dos dois atores, porém Patrick Wilson (NOOOSSA SENHORA DA BICICLETINHA: DAI-ME EQUILÍBRIO!)

OBS. ELE É UMA XEROX de Hen...

Vc sabe...

Então, MIL MOTIVOS PARA TER ADOOOORADO DEMAIS ESTA APIMENTADA GOSTOSA, SABOROSA, e eu diria mais SUCULENTA! Adoorei os adjetivos usados, tais como 'SELVAGEM'!E as verbalizações: ' externar a libído! HAHAHHAA
ME MATE LOGO, PESTE!

Parabéns pelo texto!

cleber eldridge disse...

Suspeito pra falar . Esse é um dos melhores filmes que já vi em toda a vida, e está entre os meus 10 melhores. Uma narrativa entarrecedora, um elenco intocavel, Field muito seguro de sua direção. Obra-prima!

Gustavo disse...

Quando feitos com acuidade como é o caso desse filme, obras que desnudam a hipocrisia e a fragilidade do ser humano calam fundo.
Seria bom se Field votasse à carga.

George Facundo disse...

Este blog, pra mim, se tornou uma referência no sentido: "E aí, o que vou assistir nesse fim de semana"?

Pois é... Estou indo agora na locadora! Obrigado!

TH disse...

Mais um pra "estante" apimentada!
Apimentário apimentando nossa curiosidade e despertando interesses de toda sorte!

Kamila disse...

Gosto muito deste filme. Sempre vi os personagens de Wilson e Winslet como pessoas insatisfeitas com suas vidas, mas que não possuem a coragem de mudá-las. O caso deles é uma válvula de escape à infelicidade que eles possuem.

2edoissao5 disse...

vou procurar este filme...
valeu pela dica!
beijO!

Luciene Rroques disse...

Muito bom sua forma de observar o comportamento humanamente retrado em filmes.Ótimo trabalho!

pseudo-autor disse...

Pecados Íntimos é daquelas produções que melhora de nível a cada vez que se reassiste. Uma verdadeira colcha de retalhos da insatisfação humana nos dias atuais.

Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Pedro Henrique Gomes disse...

Um filme interessante. Revi recentemente, e gostei ainda mais da sutilidade narrativa e das interpretações intensas.

JhonSiller disse...

Parece muito bom

Jonathan Nunes disse...

Ótimo texto, a Kate Winslet está muito bem nesse filme, ela e o Jackie Earle Haley são os grandes destaques do longa.

Wally disse...

É uma tristeza não terem mantido o título original. Apesar de ser um filme bem intimista, não é sobre pecados, mas essa tal insatisfação humana e - especialmente - sobre como no fundo os adultos ainda são crianças, com aquelas mesmas ânsias infantis e aqueles mesmos medos. Belíssimo filme.

Pedro Tavares disse...

Perdi quando passou no cinema e até hoje enrolo pra ver. hehe

Wallace Andrioli Guedes disse...

Acho um filmaço. Maduro e comovente, com atuações excelentes da Kate Winslet, do Patrick Wilson e do Earle Haley. O final é uma porrada.

Gilberto Carlos disse...

Também adorei o seu blog. Virei seguidor e vou colocar o link lá no meu blog. Você comenta filmes muito interessantes. Esse por exemplo: "Pecados íntimos" eu adorei. Mostra que a felicidade não é tão fácil de ser alcançada!

Abraços

Wesley Moreira de Andrade disse...

Pecados ìntimos (o título brasileiro é péssimo) é um daqueles filmes que te chamam atenção pela questão sexual e te surpreende pela análise perspicaz de pessoas frustradas com sua vida, que anseiam uma grande mudança, seja pelo sexo, amor ou qualquer outra transgressão. Tava curioso pra saber sua opinião sobre este trabalho delicioso com uma Kate Winslet luminosa.

J. BRUNO disse...

O aspecto que mais me instiga no filme é a hipocrisia dos personagens, para afastar os olhares de seus próprios pecados, eles tentam apontar um pecado maior, pecado este cometido por aquele que se mostra como o mais inocente durante o espaço temporal que a história cobre... o final é excelente!

Joicy Sorcière disse...

Esse filme é perfeito! A Kate está magnífica!

Pra falar a verdade foi o filme que me fez ficar fã da atriz! Fiz questão de comprar para minha DVDteca...

Fiquei presa do início ao fim, ao enredo!

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