Acordo Sexual

Pode se comprar pessoas? O dinheiro é capaz de negociar o sexo? Certamente, não providencia a compra dos sentimentos. E é esse condicionamento que propõe o filme Proposta Indecente, do cineasta britânico Adrian Lyne — um especialista em providenciar discussões temáticas sobre a sexualidade, traição e sentimentalismo dentro da esfera do relacionamento humano em suas obras. Filmes como Nove semanas e meia de amor, Atração fatal e Infidelidade são exemplos de substâncias cinematográficas dessas abordagens sobre o desejo incontrolável; o sexo imoderado que desestrutura a racionalidade humana. Lyne é um diretor que sabe conduzir seus filmes com esse olhar direcionado à libido, na maneira como o ser humano permite-se aos anseios do instinto carnal. A trama deste filme mostra um casal em plena dificuldade financeira, no limite de uma vida miserável. O interessante é que Diana (Demi Moore) e David Murphy (Woody Harrelson) lidam com as amarguras de uma provável falência, mas vivem imersamente num envolvimento de muita paixão e harmonia conjugal. Contudo, quando buscam a sorte numa rápida viagem à Las Vegas, dispostos a apostar as fichas num cassino, conhecem o bilionário John Cage (Robert Redford) que se sente atraído por Diana. É então que o roteiro, baseado no livro de Jack Engelhard, provoca: O ricaço oferece um milhão de dólares para uma noite de sexo com Diana. A controversa proposta sustenta a premissa que o filme concretiza. É possível um homem emprestar sua mulher a outro por uma noite, em troca de milhões? O filme aproveita-se da polêmica para abarcar os sentidos de ciúme, insegurança e desconfiança no âmbito relacional, visto que as decisões do casal podem trazer conseqüências imprevisíveis.

A trama alimenta-se de questões morais, um recurso bastante utilizado por Adrian Lyne em seus filmes sexuais — ainda que o diretor exponha as inevitáveis fragilidades de seus personagens, é comum ele pontuar as reflexões sobre os atos de traição e infidelidade. E ele mostra que um relacionamento não pode ser sustentado por desconfiança, afinal é um ponto significativo de desequilíbrio em qualquer envolvimento afetivo. O roteiro tem dois argumentos: o primeiro sustenta-se na problemática de Diana render-se ao sexo por uma noite com um desconhecido, pela quantia inimaginável que pode reformular sua vida com David. Seria uma espécie de prostituição de luxo? Onde se sustenta a dignidade do casal numa situação dessas? E Lyne alimenta essas dúvidas durante boa parte inicial do filme. No segundo momento, a trama abarca outros sentidos que mostram o casal fragilizado diante das escolhas, e como a harmonia do casal é diluída após o sexo de Diana com o bilionário. Subtende-se que a destruição do casal apaixonado deve-se à proposta de sexo ofertada por John. Este passa a nutrir uma admiração crescente por seu objeto de desejo. Eis que a polêmica evidencia um triângulo envolto em jogos sentimentais — Diana, David e John tornam-se envoltos em tensões da própria sexualidade.

A combinação das cenas de sexo de Demi Moore e Woody Harrelson, ambos no auge da beleza, são artifícios encontrados por Adrian Lyne que evidenciam a atmosfera sexual do casal — a famosa seqüência que ambos transam na cama, ao som de "No Ordinary Love" de Sade, em cima de notas de dólares, é um momento bastante atraente. É o momento quente que valoriza não só o romantismo, mas também a evidência que é um filme que se fixa no sentido do sexo. É nítida a química sexual que ambos exalam em cena, inclusive o roteiro caracteriza uma relação de intimidade e sintonia amorosa que marca a noção de fidelidade compactuada por eles. Há também uma cena de coito febril do casal dentro da cozinha, mostra bem a passionalidade da paixão que ambos vivenciam. Decerto, Lyne sabe conduzir, em seus filmes sensuais, cenas de práticas de sexo com cuidado e tempero na direção. Ele executa cenas de amor para sustentar o universo satisfatório do casal, uma vida sexual ativa a dois, antes do abalo que sofrem quando Diana oferta-se a um desconhecido por dinheiro. O papel interpretativo de Robert Redford é sem maiores aprofundamentos, visto que é um elemento de provocação na tranqüilidade moral do casal. O ator limita-se às falas insinuantes, numa representação de homem viciado em sexo e amparado pela condição financeira. Mas, é Harrelson que contorna a dor de ser um homem permissivo por deixar que sua mulher se envolva por dinheiro com outrem; depois sangra de ciúmes e arrepende-se ao viver em meio às desconfianças, por crer estar sendo traído, e no sufoco da crise de sua relação com sua mulher que já não tem o mesmo senso de outrora.

O roteiro coloca perguntas inúmeras, ainda que seja limitado. Num relacionamento com fidelidade, o sexo fora da relação pode ser considerado importante? É possível manter a confiança após a prática do sexo extraconjugal? Em linhas gerais, o filme estuda o desejo em suas maneiras mais condensadas. É o tesão que move a oferta do bilionário John Cage à Diana. É o sexo que pode destruir a harmonia de um casal que perde os próprios estímulos da libido diante de intervenções extraconjugais. Pode um casal conviver com esses abalos? Nota-se que numa relação não só o sentimento é prioridade, mas o sexo prevalece como poder decisivo. A trilha melodramática de John Barry é inspirada, torna as cenas de densidade emotiva do casal ainda mais crível e envolvente. A câmera de Lyne não é ousada, mas foca em planos centrados nos rostos dos atores como forma de garantir os melhores diálogos interpretados. "Se você ama alguém, deixe-o livre. Deixe-o partir. Se voltar um dia, é porque será seu para sempre, do contrário, ele nunca foi seu". Às vezes, um casamento sobrevive às agruras da traição, dos conflitos das instabilidades emocionais e insatisfações. Porém, nada se sustenta sem o sentimento. E mais que ebulição sexual, existe a febre dos próprios sentires.

Indecent proposal (EUA, 1993)
Direção de Adrian Lyne
Roteiro de Amy Holden Jones, baseado no livro de Jack Engelhard
Com Robert Redford, Demi Moore, Woody Harrelson, Oliver Platt

28 opinaram | apimente também!:

Gabriel Neves disse...

Como sempre, uma temática muito interessante e bastante polêmica. Como sempre, um ótimo texto. Meus comentários sempre estão repetitivos, rs. Mas esse parece ser uma boa pedida ao reduzir o amor e o sexo a apenas mais um produto num mundo movido pelo dinheiro. Até que ponto chegamos ao comprar sentimentos e dignidade?
Abraços.

Rafael W. disse...

Excelente matéria, sua interpretação do filme é muito interessante.

Mas acho esse um dos mais fracos do Lyne (Infidelidade é o melhor).

http://cinelupinha.blogspot.com/

renatocinema disse...

Essa semana lembrei desse ótimo filme.

Unir "moral" com sexo em um roteiro é muito mais díficil do que alguém possa imaginar e nesse filme tudo se encaixou, a meu ver, de forma brilhante.

Flávio Junio disse...

Excelente o seu texto Cristiano. Sugiro que escreva sobre o A Ultima Ceia com a Halle Berry. Grande abraço amigo.

Anônimo disse...

Filme bem divertido, e ótimo texto. Bem escrito, conduzido.

Ricardo Morgan disse...

Nossa, eu já vi esse filme e nem lembro direito dele! Tenho que revê-lo!

Abraço

JhonSiller disse...

Parece ser um filme em tanto

Edson Cacimiro disse...

Lembro que na época do lançamento do filme se criou toda uma polêmica sobre a quantidade de dinheiro oferecida para passar uma noite com Demi Moore, no auge como simbolo sexual, e quando vi o filme percebi que a questão financeira é só um detalhe do filme, tem muitas outras questões muito mais interessantes que são abordadas nele. É um bom filme.

Wallace Andrioli Guedes disse...

Acho um filme meio brega, sentimentalista demais, mas que até funciona bem, é bonitinho. Trabalho razoável do Lyne.

Cristiano Contreiras disse...

GABRIEL: A temática sexual do filme é evidente, ainda que o roteiro seja limitado. E o que torna interessante é mesmo essa discussão de como o sexo por grana pode prejudicar o amor...e como tudo movido ao dinheiro corrompe os sentimentos humanos. Seu comentário é ótimo!

RAFAEL W.: É o mais fraco de Lyne mesmo, mas a discussão é interessante. Meu predileto é também "Infidelidade", mas acho "Atração Fatal" e "Nove e meia semanas de amor" marcantes! E este filme que postei tem sua boa abordagem. E gosto de Demi Moore nele!

RENATOCINEMA: É verdade! Esse filme junta esses contextos mesmo.

FLÁVIO JUNIO: Obrigado! Vou rever sim "A Última Ceia", muita gente pede ele aqui.

RENATO TAVARES MAYR: Não acho o filme tão divertido assim, mas é bem interessante!

RICARDO MORGAN: Pois, reveja! rs

JHONSILLER: É um bom filme, mais pela abordagem dele mesmo.

EDSON CACIMIRO: A questão da sexualidade e do sexo por dinheiro são contextos fortes no filme, mas ele vai além disso mesmo.

Anônimo disse...

Nossa! Eu realmente não conhecia esse filme mas parece ser muito bem estruturado. Ainda mais quando trata de um ponto de vista cheio de tabus.
=1

Unknown disse...

Adrian Lyne é frustrado sexualmente, acredito. Pelo menos, com mulheres. Todas dão suas escapadinhas e não têm o mínimo respeito por seus parceiros.

Entendo que muitos tenham seus casos extraconjugais, mas Adrian Lyne posa de destrutivo quando, na verdade, sempre arrega no final. Sugere que vai fundo na coisa, mas, no fim, aprecia a reconciliação, o arrependimento.

Acho ele meio manjado. Pensa como nos anos 80 ainda, quando essas “atrações fatais” ainda eram tabus.

Pra mim, seu melhor filme, e único realmente bom é “Alucinações do Passado”, que deve ter inspirado “Donnie Darko”. Só pode. É diferente de tudo que Adrian Lyne já fez.

Abs!

Tiago Britto disse...

Me lembro que assisti este filme internado no hospital hahaha. Um tema muito interessante e que já coloquei até em questionamento na mesa jogo de cartas com amigos. Que tipo de situação complicada essa não é mesmo? ótimo texto!

Cristiano Contreiras disse...

LIGADONA: Eu acho que o filme tem seu roteiro limitado, mas a discussão do sexo é válido...e Demi Moore tem uma ótima atuação nele.

OTAVIO: Concordo, o diretor parece ser meio frustrado mesmo ou paranóico - será que ele foi corneado pela mulher? rsrs

Verdade, ele apimenta e coloca relações com conflitos ou traições em seus filmes, mas no fim sempre prevalece o tom moralista e correto...deve ser a maneira que ele encontra de punir os casais que traem! rs

Não vi "Alucinações do passado", achei que tinha visto...mas, vou procurar! abs!

TIAGO BRITTO: É um filme que instiga e sempre bom debater!

Unknown disse...

Adrian Lyne faz os mesmos filmes sempre, né? Tanto que este eu ainda não vi, e nunca procurei, já que tenho medo de bater na mesma coisa manjada de sempre. Atração Fatal talvez seja o único filme dele que eu realmente goste... Mas como ele dominou o gênero na década de 80, incluindo-o no imaginário de muitos (e inspirando dezenas de outros), acho que merece uns pontinhos sim.

Kamila disse...

Em primeiro lugar, NUNCA que eu topava uma dessas... Em segundo lugar, não gosto nada desse filme...

Rodrigo Mendes disse...

Quem não pagaria para dormir com Robert Redford? Essa deveria ser a lógica. Rs

Não é o melhor de Lyne, ele tem seus melhores trabalhos como diretor em Atração Fatal e Alucinações do Passado.

Abs.
Rodrigo

Amanda Aouad disse...

Faz tanto tempo que vi esse filme que nem sei o que comentar. Lembro que na época meu primo disse que pagava até dois milhões por Demmi More e meu tio ficou em depressão que minha tia disse que até pagaria para dormir com Robert Redford. hehe.

Excelente texto, Cris.

bjs

Mayara Bastos disse...

Nem lembro desse filme, preciso rever. rsrsrs. ;)

Elton Telles disse...

Framboe-sa-sa! xD

Não acho o filme uma total desgraça a ponto de ter sido escolhido como o pior de 93, mas deixa mesmo bastante a desejar. No mais, até com obras duvidosas, Cris, você dá um olhar diferenciado e analisa com um perspectiva mais aprofundada. Só cuidado para não tentar ver coisa onde não tem rs, mas eu, como leitor, confio na sua perspicácia!


abraço!

Cristiano Contreiras disse...

WEINER: De certa maneira, Lyne sempre faz o mesmo tipo de filme mesmo, concordo contigo. Meu predileto é "Infidelidade".

KAMILA: Nem eu toparia! rs

RODRIGO MENDES: Eu preciso conferir "Alucinações do passado".

AMANDA AOUAD: HAHAHAHA! Poxa, Amanda...Robert Redford tente posar de charmoso e pegador, mas pra mim nem cola! rs

MAYARA BASTOS: Reveja depois, rs!

ELTON TELLES: Não vejo coisa onde não tem, Elton. Apenas analisei o filme no que diz respeito a sua proposta: a sexualidade. É um filme com roteiro limitado, como citei no próprio texto, mas que mostra um condicionamento sobre o sexo. Nada mais que isso. Não sou radical a ponto de anular minha visão e não observar que o filme tem seus pontos positivos. Além disso, Demi Moore está muito bem. Framboesa? Isso não quer dizer nada, até o Oscar indica filmes duvidosos...por que não eu? Abraço

Elton Telles disse...

Cris, relaxa, não te julguei em momento algum. Acho até admirável que você analise filmes ruins sob a perspectiva pelo qual o blog é centrado. Bato palmas pra vc por isso, porque acho que muitas pessoas estão condicionadas a odiar um filme e nem sequer param para refletir a respeito. Haha, e viva os filmes ruins! Ainda bem que eles existem! Eu faço questão de resenhar filmes ruins no blog, porque já pensou o marasmo que não deve ficar só ficar elogiando, elogiando...? Chatice =)

Don't get me wrong, man! Parabéns aí pelo texto. um abraço efusivo igual ao do Woody Harrelson rs.

Fábio Salses disse...

Cristiano,lembro de ter ido ao cinema assistir esse filme e não saí decepcionado.Não é uma obra-prima(desculpa,desfoquei um pouco da tua postagem)nem um filme cabeça,mas aprendi a entender cinema como espetáculo,e acho que que a premissa da obrigatoriedade de se ter um grande roteiro limita muito o amante do cinema,tanto que assim como vejo e revejo alguns clássicos inquestionáveis,me divirto com o American Pie.

O tema é controverso e amplo então deixo para cada um sua impressão sobre o assunto.

Teu blog está ótimo.Parabens!

Estou com um conto meio beat,se der espia!
http://oficinamissoes.blogspot.com/2010/12/vinte-e-um.html

Anônimo disse...

Cris

Realmente esse filme foi muito forte, mostrando o dilema entre o amor e o dinheiro.
Nisso tudo o misto da dor e do querer.

Excelente.

Abs

bruno knott disse...

Vi esse filme há muito tempo... certamente nem pensei nos pontos que vc apontou aqui... lembro-me de ter havido bastante comentarios a respeito dele na época.

"famosa seqüência que ambos transam na cama, ao som de "No Ordinary Love" de Sade, em cima de notas de dólares, é um momento bastante atraente"

basicamente, o que é me recordo... hehe

Cristiano Contreiras disse...

ELTON TELLES: Eu sei que não julgou, amigo! Abração!

FÁBIO ZEN E DÉBORA: Existem filmes que, mesmo com roteiro limitado, dá pra promover bons debates. Ainda mais com a temática da sexualidade. Obrigado!

GILSON: É um filme que valida mesmo essa discussão de amor e dinheiro, Gilson.

BRUNO KNOTT: É um filme que tem questões de sexualidade e discussão de dinheiro, fidelidade e matrimônio. E essa cena é marcante, rs.

Wally disse...

Eu vi esse filme há muito tempo. Portanto, esperava não lembrar nada dele - mas é o contrário, lembro de quase tudo. Achei memorável, pelo jeito. Ainda assim quero rever e seu texto acendeu essa vontade.

Matheus Pannebecker disse...

Não lembro de quase nada desse filme... Mas me recordo de ter adorado a cena final!

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