Amizade Colorida?

Qual barreira define a relação de amizade com o desejo? Grande ícone da década de 1990, Três formas de amar, captou muito bem o caráter comportamental da juventude sexual, típico retrato da "geração x", jovens que romperam com os padrões conservadores e rigores de uma sociedade falsa puritana. Inúmeros filmes percorreram a espinha dorsal sobre a linha tênue de uma amizade que beira à dimensão sexual — Os Sonhadores de Bernardo Bertolucci; Amores Imaginários de Xavier Dolan ou mesmo Canções de Amor de Christophe Honoré souberam expor esse condicionamento: Afinal, existe amizade firmada com o sexo livre? Existe harmonia na amizade colorida? O diretor e também roteirista Andrew Fleming executou aqui um trabalho menos poético, como as obras citadas, por tratar de temas mais realistas, próximos e com certa urgência/objetividade. Ao invés de manter um verniz mais poético no seu texto, preferiu externar um conteúdo que centraliza mais o teor libidinal e muita malícia de um triângulo amoroso que se mistura em sentimentos controversos diante da sexualidade que explode. A trama foca em três jovens que têm que dividir um mesmo módulo dormitório universitário. A desinibida hiperativa Alex (Lara Flynn Boyle), o intelectual gay e tímido Eddy (Josh Charles) e o pervertido Stuart (Stephen Baldwin). Tão sensual, o filme até hoje é referência por ter desnudado questões sobre descobertas sexuais da juventude; desilusões amorosas e tornado evidente a discussão sobre a diversidade sexual.

O filme mostra esse inusitado triângulo amoroso onde a energia sexual se estabelece — Alex tem interesse em Eddy que não esconde sua libido por Stuart que, por sua vez, quer transar com Alex. A problemática sobre sexualidade é formada, e o diretor não esconde que a articulação de seu texto é justamente nesse condicionamento apontado. Ainda que com leve humor e rápida duração de projeção, o filme cria uma atmosfera de intimidade entre esses três personagens que, tão rapidamente, exibem suas questões pessoais relacionadas ao sexo, à amizade e ao sentimento. O ritmo ágil, os diálogos contextualizados com a juventude daquela época, e a trama em si expõem a testosterona dos dois personagens masculinos Eddy e Stuart, além de evidenciar a feminilidade de Alex — o tom malicioso destes três evidencia a propensão ao sexo. O triângulo amoroso lida com a relação íntima e também prejudicial que se acentua, no círculo viciante que se estabelece entre eles — pode uma amizade ser sustentada com a presença constante da libido?

Repleto de momentos de erotismo sutil, o filme explora a exímia libertinagem que os três se condicionam — a famosa sequência onde Alex tem um orgasmo ao ouvir Eddy recitando trechos de um livro é marcante; mostra bem a intenção maliciosa de Andrew Fleming brincar com seus personagens que servem como símbolos-fetiches humanos. E quando o clima esquenta e o envolvimento do trio passa a fomentar um sentido mais libidinal é que o filme indaga suas questões: Como uma mulher (Alex) pode lidar com seu interesse sexual por um homem gay (Eddy)?. A típica frustração de um homem (Eddy) ter tesão pelo amigo (Stuart) e não ser correspondido; a dificuldade dos relacionamentos a três que tanto provocam, e também estimulam, a turbulência de sentimentos conflitantes e apreço pelo ciúme. Não há rótulos, apenas desejos de cada um ali, todos os três em suas formas de amar o outro. Ainda que não explícita, a cena mais polêmica, quando o trio se permite à luxúria a três, ménage à trois, expressa uma sensualidade que é bem cuidada, nada vulgar.

Ao inserir a homossexualidade como ponto central de sua discussão — através do personagem Eddy em meio aos seus desejos e inseguranças de sua opção sexual — o diretor não esconde sua intenção: quer pautar, sem moralismo e julgamentos, os tons comportamentais de gays em seus caminhos de auto-aceitação. Como entendê-los? Por que são enrustidos? Há um olhar sem preconceito nesse sentido. Ademais, é um filme que representa bem a juventude pós anos 80, com seus discursos partidários de uma sexualidade mais livre, em busca de respeito e também satisfação. A direção firme de Andrew Fleming consegue criar uma alta química do seu elenco — Lara Flynn Boyle é o grande destaque como uma mulher vulnerável, sentimentalista, ainda que propensa ao sexo livre. A atriz tem uma forte presença em cena de acordo com a hiperativa personalidade de sua personagem. Josh Charles sabe representar o típico gay que tenta atenuar seus desejos por homens, e sofre por ser assediado pelo sexo feminino. E Stephen Baldwin exibe-se com o corporal sedutor, a masculinidade sexual, contornando também os momentos de humor do filme já que personifica um compulsivo-faminto-por-mulheres. O trio de atores está bem à vontade, principalmente nas cenas de nudez ou simulação de sexo/sensualidade. A trilha sonora de Thomas Newman é discreta, mas exibe acordes onde a sexualidade é mais nítida em cena. A overdose de músicas pop de New Order, Teenage FanClub, U2, Tears for fears, Duran Duran e Bruan Ferry são executadas como alicerce e sustento emotivo dessa juventude que só busca amar, transar e se divertir sem maiores compromissos.

Threesome (EUA, 1994)
Direção de Andrew Fleming
Roteiro de Andrew Fleming
Com Lara Flynn Boyle, Josh Charles, Stephen Baldwin, Alexis Arquette

24 opinaram | apimente também!:

Murillo disse...

Eu adorei Os Sonhadores e Amores Imaginários, só de Canções de Amor que eu não curti muito. Prefiro outros filmes de Honoré. Tem um livro que fala de romance a três também chamado O Terceiro Travesseiro, é mais ou menos... a narrativa é fraca. Bem, acho que devo gostar desse filme, é até legal para ver como eles viam a homossexualidade na época que o filme foi feito.

Nilson Jr. disse...

Nossa, vi esse filme na adolescência e lembro de te rme divertido muito.
Muito delicado na forma de conduzir um tema tão controverso e polêmico, como o sexo a três.

Seus textos ótimos como sempre.

Grande abraço

Anônimo disse...

Hummm boa pedida, lembro de ter visto este filme já faz uns 10 anos. Gostei do seu texto e de espaço.

Beijos. LÚ
http://www.flordapelesexy.blogspot.com/

Hugo disse...

A química entre o trio principal é o grande acerto do filme.

Abraço

O Maldito Escritor disse...

Cara, eu sempre achei (e continuo achando) esse irmão do Alec Baldwin o maior canastrão de todos. Também não gosto desse outro ator aí.
Só que essa resenha despertou a minha curiosidade. Depois darei um jeito de baixar o negócio.

renatocinema disse...

Adorei quando você diz: "rigores de uma sociedade falsa puritana."

Verdade pura. Sociedade falsa e hipócrita em que ainda vivemos.

Sempre escutei ótimos comentários sobre essa produção, assim como o seu.

Porém, sempre deixe para depois, amanhã e nunca assisti.

Pelo seu texto me lembrei, vagamente, do filme "E a Sua Mãe Também" um longa que possui um pouco desse estilo polêmico e onde o sexo a três também é questionado.

A energia sexual que você encontrou em 3 Formas de Amar é a mesma que encontrei em A Última Ceia, mesmo sem ter no filme a questão do homossexualismo.

Sandra Cristina de Carvalho disse...

Quem nunca sentiu desejo por um amigo, ou amiga?
Gostei quando você diz:"o diretor não esconde sua intenção: quer pautar, sem moralismo e julgamentos, os tons comportamentais de gays em seus caminhos de auto-aceitação".
Os enrustidos são aqueles que se escravizam por padrões pré-estabelecidos, e desprezam suas escolhas, ainda que inconscientes.
Amei seu texto porque você não julga o conteúdo. Apenas desnuda questões evidentes sobre a diversidade sexual do triângulo amoroso, de forma nua e crua, respeitando o foco da trama, mostrando unicamente a intensão do autor em personificar uma juventude em busca de sua verdadeira identidade, dentro de seus condicionamentos libidinais.
E como cronista-analista que você é, não poderia deixar de dar referências sobre essas questões tão contemporâneas e ao mesmo tempo tão discussivas nas relações amorosas.
Muito boa, como sempre.


Sandra Cristina

Clenio disse...

Eu gosto muito do clima descontraído e bem-humorado do filme, assim como da atuação da Lara Flynn Boyle e da trilha sonora. O único pecadilho é não se aprofundar na questão de como o sexo transforma as coisas (mas talvez nem tenha sido essa a intenção, mesmo).

No mais, acho que a maneira leve com que o filme foi construído é um grande acerto. Apesar de não ser uma obra-prima, é uma delícia! Não canso de assistir.

Beijos
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

Maxx disse...

Obrigado pela visita ao meu blog. Ainda não conhecia o seu e a proposta tb é muito legal. Parabéns. Como não consegui ser seu seguidor pois a caixa onde se add parece que estava com algum problema coloquei um link junto aos blogs que sigo, mas peço que quando vc solucione me avise pra eu poder add. Grande abraço e apareça.

LuEs disse...

Cristiano, eu devo dizer que eu realmente gostei de ver esse filme resenhado aqui.

Quando eu vi pela primeira vez, eu estava tão bem humorado e tão interessado no tema, que eu simplesmente achei o filme muito interessante, muito bom. Revi pouco depois e percebi que existiam alguns defeitos muito notáveis, mas que não se deviam à estrutura do filme, mas sim às personalidades dos personagens, que são complicados demais.

Devo dizer que eu realmente gosto desse filme. Gosto com uma espontaneidade assombrosa; gosto de como a história é apresentada; gosto do tema; gosto dos atores (ainda que ache os dois rapazes bastante canastrões). E concordo totalmente com você quando você diz que os personagens representam uma geração mais despreocupada com tabus, mais voltada para a intensidade de suas próprias vontades. Aproveito o ensejo e sugiro um fime para que ovcê veja e, talvez, resenhe aqui: The Doom Generation, que, em menor escala e num tom mais crítico, comenta um pouco sobre essa geração jovem da década de 1990.

O único verdadeiro problema para mim é a complicação na qual os personagens insistem em criar. Toda a vida seria mais fácil se eles simplesmente a vivessem abertamente, sem ficar escondendo um do outro o que aconteceu. Não fosse aquela situação, então nós provavelmente veríamos um final mais feliz, embora, eu acho, menos verdadeiro.

Para mim, as duas cenas máximas do filme são as seguintes: quando os três personagens iniciam um contato sexual mais efetivo, à beira do lago (justamente a imagem que ilustra o fim do seu post) e quando os três, na cama, no final do filme, efetivam a comunhão - Stuart, antes indeciso sobre querer Eddy ou não, puxa a mão do amigo para o seu corpo, dizendo, não por palavras, que o deseja também.

Adorei a sua resenha, Cristiano.
Parabéns.
;D

Guto Angélico disse...

Não assisti mas pelo que você escreveu me senti motivado, já que adoro Canções de amor.

M. disse...

DEsde os anos noventa que tive curiosidade de assisti-lo. O tempo passou, acabei me esquecendo dele e até hoje não assisti. Mas agora depois de ler sua resenha é o que vou fazer!

Amanda Aouad disse...

Esse veio do fundo da minha memória, vi há muito tempo para poder traçar uma opinião mais digamos, embasada. Mas, lembro que gostei muito da história, da forma como ele envolve os três, o triangulo que vai se complicando a medida que eles vão se envolvendo. Ótimo texto.

bjs

Xuxudrops disse...

Ótima análise de um filme que, na minha opinião, poderia ter abordado tantas questões polêmcias dentro da sexualidade com mais profundidade. No entanto, isso não o descarta no rol de bons filmes a serem vistos. Eu o vi há muito tempo atrás e gostaria de ver de novo com certeza.

Gabriel Neves disse...

Comecei a ver ontem, mas hoje termino. Gostei do seu texto, como sempre, evidenciou o que eu já vi de Três Formas de Amar e me deixou ansioso para poder conferir o resto.
Abraços.

blah disse...

Ah meu rei... Quando adolescente eu sonhava em ter amigos assim como de 3some! ^^ Cada pensamento impuro! hehehehhe -- adorei a sua abordagem sobre o tema! Adoro seu blog! \o/

Kamila disse...

Me lembro que "Três Formas de Amar" era um filme que todo mundo tinha que assistir porque ele tinha uma aura cult. Teu texto me fez relembrar o por quê desse filme ser tão legal.

rafael geremias disse...

Oi Cristiano,

Preciso de ajuda. Por acaso você já assistiu um filme em que o casal transa recitando poesia? Uma amiga minha certa vez falou, mas não lembro o nome.

abraços,

rafa

D. T. S. disse...

Acho um filme bom mas que falta muito para ser ótimo.

O título original entrega que os três vão se encontrar na cama em algum momento. Quando o momento realmente chega é decepcionante demais, não se vê nada. Deveria ter até um aviso: "Cuidado! Cenas de conchinha!" rs

Lembro de algumas cenas interessantes, mas nada de mais.

Abraços,
Davidson Silva
http://resenhafilme.blogspot.com/

Unknown disse...

gosto bastante desse filme q tem otimas cenas, ora romanticas ora engraçadas. Vlw

http://umanoem365filmes.blogspot.com/

Alan Raspante disse...

Lembro de ter visto numa dessas sessões na madruga da Globo. É um bom filme, que preciso rever :)

katson disse...

entrei neste blog sem querer, e descobri um post de um filme que já nem sei quando eu o assisti, mas sei que faz bastante tempo. confesso que mim deu a vontade de assisti-lo de novo depois de ter lido este post. vou ver se eu consigo baixa-lo ou alugar em uma locadora, se ainda existir também lá!
adoro temas polêmicos e principalmente ao que se remete ao universo gay, ainda mais quando é abordado um triângulo amoroso. quero ver-lo este filme de novo.
(assisti este filme na BAND)

Rodrigo disse...

Desculpe o sumiço. Andei ocupado. Até o blog sofreu com isso. E bom, parece que nada mudou, continuo sem ter visto todos os filmes. Pelo menos os posts continuam sensacionais. Abraços.

Marconi disse...

Amo esse filme. E o seu texto diz tudo que tem q ser dito. òtima análise. Vi o filme a pouco tempo pela primeira vez e entendi a importância que tece na época e o impacto que deve ter causado.

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