Sexo Platônico

O que fazer quando o amor é o único exercício de desejo humano? O estado de apaixonar-se possibilita inúmeros devaneios, sentidos e delírios totais. Ao amar uma pessoa, o ser humano, imediatamente e sem restrições, idealiza o outro à sua maneira; projeta seus sonhos e anseios no outro como uma forma de suprir toda a sua carência. Quando se ama alguém, entrega-se emocionalmente. E o estado de "platônico" define muito esse sentido, pois o apaixonado passa a ver o seu objeto de paixão como uma figura de extrema beleza e perfeição, fruto de sua imaginação que faz com que o outro seja intocável, fantasia absoluta. Amores Imaginários expressa esse sentido romântico ao conceber a história de amor idealizado: dois amigos inseparáveis, unha e carne, Marie e Francis (Monia Chokri e Xavier Dolan, por sinal diretor e roteirista do filme), vivem de transas furtivas e envolvimentos banais. Ela, a típica sonhadora, romântica, ainda que libertina. Ele, homossexual, à procura de um homem que preencha todas suas lacunas abertas pelas frustrações experimentadas em vida. O casal de amigos conhece Nicolas (Niels Schneider), um jovem de comportamento transgressor, mas de intelectual refinado, robusto e beleza desconcertante. Obviamente, este jovem loiro e de corpo escultural, mexe com os hormônios de ambos. A típica trajetória de desejo/cobiça e anseios libidinais já fora tratada em diversos filmes do gênero, mas aqui encontra uma nova vertente ao usar da beleza imagética, e, do estilo fotográfico aliado à trilha sonora, que proporciona uma vigorosa visão sobre as relações amorosas do mundo atual. Marie e Francis passam a disputar o objeto de beleza Nicolas, ao passo que uma amizade a três fomenta um perigoso relacionamento permeado de ciúme, sentimento e carência.

A sexualidade é forte no filme, pois caracteriza o tesão do casal de amigos pelo desconhecido Nicolas — cachos de anjo, loiro, com um charme que atrai todos os jovens a sua volta, é o centro de idealização. Ao colocar a convivência, a amizade e também a intimidade dele com Marie e Francis, o roteiro exprime a maneira como duas pessoas tendem a viver em função de uma atração. Os inseparáveis amigos passam a fazer de tudo para conquistar, cada um a seu modo próprio, a atenção do galante Nicolas. E o roteiro fomenta essa tensão sexual a todo custo, não inibe as cenas onde o desejo fica evidente — como na seqüência onde Francis se masturba ao sentir o cheiro do corpo do amigo Nicolas na camisa. A construção da figura sexy, hipnótica e sedutora de Nicolas é delineada com teor libidinal, mas fica evidente como ele mexe também com os sentimentos alheios. Marie e Francis apaixonam-se pelo mesmo homem, criam uma dependência afetiva e, inclusive, imaginam ser correspondidos pelo amigo. Existe algo mais doloroso e excitante que a possibilidade de ser correspondido? No jogo do amor, tudo é válido.

Usando-se de uma estética visual incrível, onde inúmeros closes e slow-motion são executados a favor da narrativa perspectiva dos dois amigos — o filme alia-se de cores, tons e texturas de azul, verde e vermelho que ajudam a criar uma atmosfera sensorial dos personagens; reforça a sensualidade e o espírito juvenil de desejo. Xavier Dolan preocupa-se em estabelecer, intercalando no desenvolvimento de sua narrativa, depoimentos de pessoas diversas que simulam uma espécie de documentário dentro do próprio filme. Como se cada um ali dialogasse com o público e também os próprios personagens, abordando situações de desejo, amor e frustrações amorosas. E é justamente esse senso primordial do cerne do roteiro: Como estar preparado para uma desilusão amorosa? Quando se está apaixonado, deve-se preparar-se para essa possibilidade também. Em suma, mostra como o amor platônico inibe até o senso de realidade num mundo tão controverso, afinal o romântico cria sua própria dimensão particular de mundo, abstendo-se da provável rejeição, mas por fim aprende que é preciso acordar para viver. Ora, afinal, amor imaginário não é saudável a ninguém. É importante um amor concreto, mútuo e que garanta retorno.

Este é um filme que pauta muito bem a realidade de paixão, de desejo e de dificuldades enfrentadas pelos apaixonados de plantão. Não só o gay aqui encontra seu medo em expor seu desejo e amor para o outro amigo — afinal, é um tormento muito comum: homem-homossexual que ama o amigo-hetero, mas teme pela dúvida e o receio de ser rejeitado por ele. Ademais, é o retrato de uma mulher que não encontra um amor verdadeiro e teme permanecer sozinha para o resto da vida — Marie representa muito do sexo feminino em sua personalidade. Claramente, Xavier Dolan articula um latente posicionamento sexual que afirma o tom homossexual do filme — gay assumido, ele personifica de maneira tangível as fragilidades e desejos das questões homoafetivas ao lidar com seu personagem Francis. Decerto, é um ator que pulsa em cena, latente, quente. Além de ótimo diretor, é visionário, pois, cuida de seu filme. Recebe o auxílio dos talentos de Monia Chokri que encarna a feminilidade com exatidão e de Niels Schneider que convence como o estereótipo masculino do desejo. Boa sacada ao colocar Francis com estilo de James Dean e Marie com o penteado de Audrey Hepburn para consquistar Nicolas — este com a imponência a lá Michelangelo de David. A trilha sonora é frenética, indispensável à narrativa — há uma versão italiana de “Bang Bang (My Baby Shot Me Down)” e canções de Fever Ray, The Knife, Comet Gain e até “Every Breath You Take” do The Police é cantada aos versos em dada seqüência. Poético, irresistível e realista retrato da juventude que quer apenas amar e ser amada.

Les amours imaginaires (Canadá, 2010)
Direção de Xavier Dolan
Roteiro de Xavier Dolan
Com Xavier Dolan, Monia Chroki, Niels Schneider

24 opinaram | apimente também!:

Willian Lins disse...

Por algum motivo esse filme entrou na minha lista dos melhores. É lindo, desconcertante, de tanta beleza.
Mas em um dado momento eu me senti perdido, há muita informação vaga.
Quem nunca se encontrou numa situação similar?

Beijo, Cris!

renatocinema disse...

Amei muito parte do seu primeiro parágrafo: "ao amar uma pessoa, o ser humano, imediatamente e sem restrições, idealiza o outro à sua maneira; projeta seus sonhos e anseios no outro como uma forma de suprir toda sua carência". perfeito e real.

Essa loucura pela descoberta da paixão e de suas dificuldades me fez lembrar do ótimo filme (em minha opinião) "Bem Me Quer, Mal Me Quer" com Audrey Tautou. Imperdível.

Amei o filme, "Sexo sem Compromisso" e estou ansioso por sua visão sensual, crítica e conflituosa dessa produção estrelada por minha querida Natalie Portman.

Kamila disse...

Nunca assisti, nem conhecia, mas teu texto me deixou bem interessada na obra.

Rodrigo Mendes disse...

Gostei mais de Eu Matei A Minha Mãe. Roteiro vigoroso e com mais depoimentos sinceros e cenas mais elaboradas e que nao fica no chato chove mais não molha. Claro, ambas as fitas tem temáticas diferentes mas esperava mais da segunda fita do Dolan e estava na expectativa.

Ele tem talento e espero ver uma obra interessante. Pode ser cedo qualquer semelhança com Alain Resnais, mas não gosto de Amores Imaginários da mesma forma que acho um porre O Ano Passado Em Marienbad (aquele sim é um clássico e uma obra prima do cinema -chata).

Achei pesado e excessivo.

Abs.
RODRIGO

Gabriel Neves disse...

Um dia você me falou que achou Amores Imaginários a minha cara. Bem, depois de ver o filme, escrever meu texto e ler o seu texto fantástico (mesmo, conseguiu explorar tudinho) tenho que concordar contigo. Cada passo que o meu coração dá por mim atualmente, eu me comparo com o personagem de Dolan atualmente. Incrível um filme assim que mexeu comigo em tão pouco tempo, e sou eternamente grato por você ter me indicado ele. Só espero que um dia eu canse dos meus amores imaginários, rs.
Abraços.

George Facundo disse...

Que trama massa e bem construída! Vou conferir certeza!

Ricardo Morgan disse...

É, não vi hehe mas parece ser interessante. Mais um pra caderneta hehe Um abraço

O Maldito Escritor disse...

Quanta gente bonita nesse filme.

Hugo disse...

Não conhecia o filme e gostei da dica.

Abraço

Luciano disse...

É um filme esteticamente lindo, delicioso de se acompanhar, charmoso e tal, mas que perde a força após a exibição, quando a gente pára pra pensar sobre ele. É que é tão vazio, tão simplista, com personagens tão superficiais... Aquela mulher, não trabalha, não tem amigos, não tem vida? Achei os personagens razinhos demais. Enfim, pra mim, muito inferior ao Eu Matei Minha Mãe. Ainda assim, é um filme irresistível, com referências a nouvelle vague e ao cinema do Wong Kar Wai.

Augusto disse...

Detesto de gente como a que Niels Schneider, o "Nicolas": peturbadoramente bonitas, desconcertantemente simpáticas e corteses, mobilizam em torno de si héteros, homos, trans, pans... não gosto. Enfim... afora isso, devo dizer que gostei deste filme, sobretudo porque galga alguns degraus no roteiro/direção de Dolan, em relação a "Eu Matei Minha Mãe", diferentemente deste, "Amores Imaginários" não tem aquela cadência verborrágia vertiginosa woodaliana, é um filme mais refletido e reflexivo, curiosamente em contraposição, até bastante silente às vezes, as cenas em close dos dois se arrumando em slow, longe de parecer um inconveniente à la John Woo, valorizam o ato de "se arrumar para a presa", assim como pássaros machos se bicam cuidadosamente para assanharem as penas antes de se exibirem para as fêmeas, assim como os gatos se lambem para sair à caça.

Luciano disse...

A crítica me fez querer ver o filme em regime de urgência!!! Assisti "Eu matei a minha mãe" e gostei muito. Vamos ver o que nos reserva este aqui. Assim que assistir, volto e faço meu coment, ok.

A propósito, acho muito interessante seu modo de criticar os filmes, analisando cores, matizes, fotografia, e não apenas o enredo. Aprendi um pouco disso com Amelie Poulain e outros filmes franceses e agora eu entendo melhor o que você e outros críticos dizem e me sinto privilegiado por "perceber" tais informaçõe por conta própria agora (algumas vezes apenas...rs). Parabéns pelo seu estilo. Beijos

Luciano

Marcio Melo disse...

Gosto quando vejo belos comentários de filmes que não sabia da existência, vou adicionar na minha lista.

Continua com otimos textos meu caro, parabéns!

Hudson disse...

Como Kar Wai, Dolan vai além das regras do audio-visual pra fazer um filme incrivelmente sensorial. Para nós, espectadores, uma delícia. Para os protagonista, as sensações vividas são guase alucinógenas, até por que tudo é muito tácito e praticamente só existe na cabeça deles...

Lindo, lindo. Parabéns pelo texto! ;0)

Sandra Cristina de Carvalho disse...

Você parece mais um psicólogo especializado em cinema, sabia?
Esse estilo eu nunca vi em ninguém. Adoooro!!!
Muito boa sua dissertação como sempre.
O casal de amigos, Francis e Marie, cultivam um sentimento totalmente patológico em relação a Nicolas.
Os dois pleiteiam a atenção do garoto, que por sinal é, deveras, vaidoso por se perceber belo e cobiçado.
Apesar do assédio isento de charme dos dois amigos, notei que a auto-estima dos dois personagens é muito baixa.
O efeito slow-motion ao meu ver, foi inserido como para ocultar ou até mesmo mascarar essa falta de amor próprio deles.
O efeito é um atrativo que foca a personagem como se ela fosse o centro das atenções, tornando-a mais atraente,carismática e porque não dizer, envolvente.
O milagroso slow-motion moldura as personagens tornando-as auto-confiantes.
Apesar dos conflitos emocionais vivenciados por Francis e Marie, percebo uma guerra de egos entre eles, enquanto Nicolas se faz de gostoso com cara de paisagem.
A câmera em movimento natural revela a ansiedade dos personagens apaixonados.
Revela a carência de ambos e suas fraquezas e inseguranças.
Enquanto Nicolas consente com o que lhe é oferecido, por pura vaidade.
Beijos,
Sandra Cristina

Victor Yamaguchi disse...

Me parece ser um filme com uma história bem interessante...E gostei dos seus comentários principalmente no início do texto. Concordo quando você diz que o amor é algo subjetivo, ou seja, ele idealiza a pessoa que amamos e entregamo-nos emocionalmente a ele.

Hugo de Oliveira disse...

hum..quero assistir. Gostei muito da sua análise.

abraços

Davi Valentim disse...

Ainda não tinha visto, vi hoje pela tarde e dá vontade de se apaixonar mesmo que for pra se machucar.


"A unica verdade é o amor para além da razão."

Luiz disse...

Legal ver o Dolan por aqui. Deu mais charme ao seu espaço. Abraço!

Anônimo disse...

Gostei do seu blog.
Segue lá o meu!

Jefferson Reis disse...

Eu adoro este filme. Não só pela trama, mas também pelos cenários, fotografias e efeitos. A imagem é linda, as músicas são muito boas. Recomendo.

LuEs disse...

Lembro-me de que, ao terminar de assistir a esse filme, não soube exatamente o que senti. Sei que não havia gostado do filme, mas não soube o que especificamente havia me irritado: talvez tenha sido as construções dos personagens, talvez o desenrolar do roteiro ou então o excesso de referências a outras filmes - não sabia se Xavier Dolan tentava copiar a estética fílmica de Bertolucci (The Dreamers, por exemplo) ou se tentava recriar e encaixar a trilha sonora de Tarantino (Kill Bill) em sua produção.

Eu sei que, mais uma vez, o excesso me incomodou. Assim como acontece em seu primeiro filme, J'ai Tué Ma Mère, as cenas se repetem em excesso - cansei de todas as vezes em que vi os personagens andando em câmera lenta, movidos por motivações superficiais; cansei de todas aquelas cores que perdem seu efeito estético por causa do roteiro simplória e da má condução da história. Acho, aliás, que é impossível se identificar com os personagens desse filme, uma vez que eles são complicados demais e por demasiados distantes do espectador - ninguém é tão gélido quanto eles.

Enfim, eu não gostei desse título e não o recomendo às pessoas.

Unknown disse...

Tava receoso de ler esta análise, pois este é um dos meus filme favoritos, mas adorei seu texto!

ESSE FILME É DESCONCERTANTE!

Mente Hiperativa disse...

Cuidado: Spoiler

Esse filme é um dos meus favoritos, com destaque pro trabalho do Xavier Dolan que é um Gênio!

Gosto da aura do filme, da ten~sao, do desejo, da disputa... Quem não se viu num dos três papéis? Eu me vi.

E o melhor é o desfecho, no qual o 'anjo loiro' não estava afimd e nenhum dos dois, acontece... Às vezes o alvo da atração nem nota que atrai, ou nota e alisa o próprio ego. Mas a fantasia se constrói a partir do desejo e da alimentação da competição velada, depois que a disputa se torna declarada e o xeque mate é imposto perde toda a graça. Por isso ele cai fora.

Abraço

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