Um dia de prazer

Não existe uma vida satisfatória se há a ausência do prazer. Viver para amar, saborear as pequenas verdades do destino, de acordo com as vontades íntimas. Sem o prazer, o ser humano imerge numa jornada sem esperança, permanente na tristeza, na completa desilusão persistente. Sem prazer, não há gozo em vida. Sem vida, não existe o orgasmo vital. Filme que deu o primeiro e único Oscar de Melhor Atriz a Audrey Hepburn, com então 24 anos de idade, A Princesa e O Plebeu é um marco clássico de doçura, sentimental e romantismo. Dirigido por William Wyler, a produção exerceu um enorme sucesso em Hollywood na década de 1950. A entediada princesa Ann (Audrey Hepburn) está cansada de sua vida formal, repleta de compromissos e deveres sociais da realeza. Seu sonho é ter uma vida "normal", sem a rotina parlamentar que tanto condiciona sua vida e aprisiona seus sonhos juvenis. Após uma crise nervosa, Ann resolve burlar a segurança do palácio que habita e fugir, disposta a viver anonimamente nas ruas de Roma, sem se preocupar mais com nada que remeta à sua realidade de princesa. E, sob essa disposição, que o filme encontra seu melhor argumento: nas ruas romanas, o jornalista Joe Bradley (Gregory Peck), se esbarra, por acaso, com a única pessoa que conceberá a oportunidade única para sua profissão. Contudo, o que parecia apenas um "furo jornalístico", torna-se um envolvimento, quando Joe sente-se atraído pela misteriosa jovem que foge de sua vida de princesa.

Fundamentado na estrutura de uma história de amor, é óbvio que o roteiro tenta ao máximo articular a intimidade — e a atração, sentimento e admiração mútua — de Ann com Joe. Sob a estonteante beleza da cidade romana, bem mais de acordo com o título original do filme, o filme percorre as ânsias da princesa que não consegue se adequar a sua vida artificial, por isso busca na sua oposta realidade social, um conforto de espírito e prazer incondicional. Enquanto Ann sente-se como uma “garota da plebe”, sem preocupações e compromissos, busca vivenciar os pequenos prazeres que só uma vida comum pode oferecer: tomar um sorvete, dormir até tarde de pijamas, andar pelas ruas sem ser notada, não ter ninguém para regular seus passos. Em contrapartida, Joe Bradley torna-se seu companheiro nessa empreitada, inicialmente disposto a aproveitar-se da situação para sugar o seu objeto de reportagem, mas que se arrepende ao converter seu senso de oportunista num sentimento que nem ele previa.

A sexualidade sutil de William Wyler consegue ser expressiva, ainda que sob o verniz levemente adocicado e leve do filme. A aparência virginal de Ann, sua beleza delicada e carisma juvenil de mulher feminista que não se condiciona ao papel de mulher submissa imposto pela sociedade, tudo traz à tona os valores de uma sexualidade que necessita ser imposta. Audrey Hepburn figura seu talento em cena, em momentos que sua personagem sente-se atraída pelo novo amigo Joe — este, um homem confuso pela atração que sente pela princesa e a indecisão de usá-la ou não para seus propósitos profissionais. Bem verdade, Gregory Peck utiliza-se da posição máscula interpretativa que convence; há uma química gostosa dele com Hepburn que são reforçados em diálogos carinhosos à medida que seus personagens aproximam-se mais. Há cenas que evidenciam a tensão sexual entre os dois, mas, assim como os beijos rápidos, evitam externar uma malícia muito concentrada, afinal nada era "carregado" nos moldes do cinema clássico — troca de olhares de Ann com Joe; a intimidade crescente ou mesmo a breve sequência de Ann de toalha, após sair do banho, promovem a sensação de desejo carnal na narrativa. Interessante que, em tão pouco tempo, os dois vivem algo deveras intenso, fica evidente o quão passionais são. Em particular, a sequência do primeiro beijo de Ann com Joe, os corpos molhados, após um banho no rio, é a prova da magia da sedução clássica cinematográfica; eis a chama romântica atemporal deste filme.

E há possibilidade de amor entre duas pessoas de vidas tão opostas? O que fazer para o destino compreender e favorecer a união de classes tão antagônicas? O roteiro garante essas reflexões. A sintonia de Gregory Peck e Audrey Hepburn é bem auxiliada por uma fotografia que compreende a necessidade de intimidade dos dois personagens, em função disso o filme funcione melhor em closes diretos nas faces dos atores, como forma de captar a áurea romântica que a fita transparece, incessantemente. Quase 60 anos de lançamento, ainda permanece intacto por mostrar bem a necessidade do indivíduo encontrar-se em seus objetivos de vida e, acima de tudo, buscar o prazer como forma de existir plenamente como ser humano. Audrey Hepburn garante uma presença luminosa aqui, sem os vícios teatrais tão habituais na caracterização interpretativa daquele tempo. Suas cenas afetuosas com Gregory Peck reforçam o tom delicado e sensível da película, decerto um dos casais mais bonitos de se ver na tela, ainda mais sob os pontos turísticos de Roma. O final realista é prova de que a vida é um aprendizado, e que mesmo o amor não é capaz de mudar tudo, a não ser nós mesmos.


Roman Holiday (EUA, 1953)
Direção de William Wyller
Roteiro de Ian McLellan Hunter e John Dighton, baseado em história de Dalton Trumbo
Com Audrey Hepburn, Gregory Peck, Eddie Albert

21 opinaram | apimente também!:

Otavio Almeida disse...

Audrey ganhou o Oscar por "A Princesa e o Plebeu" porque ainda não era "a Audrey Hepburn". Depois ela virou essa figura encantadora, inconfundível, marca registrada. Ainda era novidade para Hollywood.

Abs!

Gabriel Neves disse...

Poxa, parece ser tão bom, mas estou vendo que vou demorar tanto pra conseguir ver esse filme... Seu texto é mágico, consegui ver as cenas aos poucos enchendo meus olhos desse amor entre princesa e plebeu.
Abraços.

renatocinema disse...

Dessa vez você pegou "pesado": amo Audrey Hepburn e esse é meu filme predileto dessa grande atriz.

Aproveito para dizer que realmente não existe uma vida satisfatória se há a ausência do prazer.

Você foi perfeito ao dizer: "A aparência virginal de Ann".

Amo o final realista do filme e sua dor e emoção.


Sem dúvida ouso dizer que foi seu comentário que mais apreciei.

D. T. S. disse...

O reaasisti esse ano ainda.

Realmente um filme adorável e o nascimento de uma estrela do cinema.

Hepburn deixou sua marca por este e outros filmes sendo sempre muito agradável de se ver.

Estou um pouco surpreso de ver esse filme aqui, mas também recomendo.

http://resenhafilme.blogspot.com/

Kamila disse...

Perfeito o texto! :) "A Princesa e o Plebeu" é a minha comédia romântica favorita de todos os tempos, apesar dela, claramente, não possuir um final feliz, porque a Princesa Ann tem muita consciência de seu dever e daquilo que ela tem que cumprir. Ela era uma mulher moderna, à frente de seu tempo! Adoro isso! rsrsrsrsrs

Amanda Aouad disse...

Gregory Peck e Audrey Hepburn estão lindos nesse filme, em todos os sentidos. Boa surpresa vê-los aqui no Apimentário, clássico.

bjs

Marconi disse...

Achei o filme lindo. Hapburn e Peck tem uma química perfeita. A história é singela e toca qualquer ser humano.
http://cinespaco.blogspot.com/

Alan Raspante disse...

Muito bacana ver "A princesa e o plebeu" aqui no Apimentário. Acho que você sabe que amo Audrey Hepburn, não é mesmo? Bem, é meio difícil não gostar dela...

Adorei o texto e principalmente pelo destaque que você deu com base na tensão sexual de ambos os personagens. Algo meio difícil, já que todo esse teor ébem sútil na tela. Porém, os olhares entregam tudo... Concordo contigo! rs

Ótimo texto e esperando mais filmes da Audrey por aqui!

Abs.

Hugo disse...

Este é um clássico da "Era de Ouro de Hollywood" que ainda não conferi.

Abraço

Rodrigo disse...

Ai meu deus, onde eu acho tempo pra ver tantos filmes bons como este? Um clássico praticamente indispensável que eu ainda nãi vi. E como me arrependo! Seu texto é tão fascinante que me faz querer alugar agora. Se eu pudesse, óbvio. Abras

Rodrigo Mendes disse...

O romantismo também pode arder como pimenta! Este clássico é um dos melhores exemplos. O prêmio mais que merecido para Audrey, embora ela tenha feitos tantos filmaços. Não é o meu favorito com ela (prefiro Charada, Bonequinha e My Fair Lady) mas o filme encanta.
Peck é um daqueles atores que seduz na tela, sempre (até na primeira versão de Cape Fear).

A adaptação só é ótima porque um artesão de estilo a dirigiu, William Wyler!

Abs.
Belo panorama.
Gostei bastante.
Rodrigo

*gosto muito das escritas de Danton Trumbo, principalmente de outro clássico: Johnny Vai à Guerra.

Bruno Etílico disse...

quando preciso de filme novo venho aqui hehehe
vc podia colocar algum link pra donwload deles ou do torrent deles :x


bjo

Sandra Cristina de Carvalho disse...

Um dos melhores textos que você criou, sem dúvida.
Falar sobre sua narrativa seria repetitivo demais,porque você sabe muito bem como retratar uma trama, utilizando a magia poética e analítica que já é marca registrada sua.
Sempre nos transportamos para diante da tela, pois você traz à tona as particularidades de cada sinopse, evidenciando , não somente a história em si, como também o cenário, a fotografia, as disposições de câmeras, cores, tudo.
Um filme cuja temática poderia até ser considerada clichê, se não fosse abordada com tanta sutileza, delicadeza e sensibilidade; além, é óbvio, do carisma natural que o roteiro expõe.
"E há possibilidade de amor entre duas pessoas de vidas tão opostas? O que fazer para o destino compreender e favorecer a união de classes tão antagônicas"? São questionamentos que você nos apresenta dentro dessa contextualidade envolvente, cuja resposta cabe a cada um de nós aprender. "A vida é um aprendizado, e que mesmo o amor não é capaz de mudar tudo, a não ser nós mesmos".
Pronto. Já disse tudo.
Amei seu texto.
Perfeito!!!

Sandra Cristina.

Ricardo Morgan disse...

Esse filme é muito bom e a atuação dos protagonistas é um show a parte, o que vale uma espiada neste clássico! Mais um ótimo texto e com desfecho genial.
Um abraço

Fábio Henrique Carmo disse...

Grande filme e excelente texto! Aliás, seus textos vêm ficando melhores a cada dia.

Ah, e Audrey Hepburn é eterna!!!! Ponto final!

Fernando Fonseca disse...

Uma bela história de amor, com um casal estonteante e um cenário paradisíaco.

O grande trunfo de A Princesa e o Plebeu é apesar de todos esses elementos contar um romance simples, leve, delicado e delicioso.

A simplicidade do desenvolvimento acaba nos ganhando quadro a quadro. E ao final, não há como se apaixonar.

Tudo ou nada ... disse...

Suas criticas e comentarios são otimos, me deixam com gostinho de sempre quero mais.
abraços

Ccine disse...

É absurdo comentar de seus posts. rs

O texto ficou maravilhoso. Ainda não assisti esse filme.
Fiquei super curioso para conferir.

Parabéns pelo ótimo texto.

Marcos Eduardo Nascimento disse...

Cris, boa noite, meu Rei. Amei o texto, como sempre, e o filme eh um classico necessario em qualquer dvdteca de todos os cinefilos. O casal de atores (lendas por si soh) e com a primorosa direcao do mestre William nos brindam com um dos melhores e maiores filmes da chamada Era de Ouro, de Hollywood. E amei, tb, o BREVE que voce criou. As fotos de Nicole estao belissimas. E continuo esperando sua visita no Olhar. Apareca! Saudades. Beijao.

www.olhardomarcos.blogspot.com

Anônimo disse...

Belo texto, Cris. Gosto muito das analises aprofundadas dos personagens que você faz =)
Não sabia da existencia deste filme - ainda tenho muito o que aprender. Mas lendo seu texto, fiquei com muita vontade de ver.
Ainda estou devendo o "Zodíaco" para você hahaha
Abraços!

Emmanuela disse...

Escritos sempre maravilhosos. Este é o tipo de filme que adoça a vida. Sem dúvida, um lindíssimo casal do cinema clássico.

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