Por um sentimento conquistado

Muito foi falado sobre a adaptação do livro de David Nicholls. Segundo os fãs fervorosos e críticos diversos, o próprio autor não soube explorar o caráter humanístico dos seus personagens, tornando o roteiro de Um Dia bastante fragmentado, superficial. A verdade é que Lone Scherfig, diretora dinamarquesa que tem o dom de explorar os sensos femininos com um cuidado extremo e delicadeza conseqüente de sua sensibilidade artística — quem viu o excepcional “Educação” sabe muito bem esse sentido explorado — preferiu tornar evidente aqui uma leve noção da relação afetiva contemporânea. Em nenhum momento houve a intenção de promover um filme apelativo, concentrado de sexualidade, nem mesmo no livro existe essa atmosfera. Engana-se que esta fita teria também um apelo mais sensual, tão recorrente em filmes recentes de comédia romântica que adota a malícia da libido dos amantes protagonistas em tramas semelhantes que discutem o sexo casual. A proposta é mostrar, num panorama de vinte anos, a trajetória de encontros e desencontros de Emma (Anne Hathaway) e Dexter (Jim Sturgess), dois amigos que se conhecem na faculdade e efetuam uma relação bastante intensa, permeada de situações de carinho, aproximações, confidências, separações e exponencial sentimentalidade. Duas pessoas com personalidades distintas, mas com alta sintonia. Qual a problemática evidente? Tanto um quanto o outro demoram a perceber que são feitos um para o outro, que há um amor mais profundo que uma leve atração — numa narrativa linear, acompanhamos as vivências desses dois, bem como as evoluções/degradações pessoais, encontros e desencontros, afetividades afins.

Interessante que, ainda que não seja uma atuação excelente, Anne Hathaway conduz sua personagem de acordo com a essência do livro — sua Emma é o grande centro do filme, já que é a grande representação feminina tão adorada pela cineasta Lone Scherfig que tem a preferência por personagens fortes, mulheres frágeis, mas com atitudes próprias. Porém, inevitavelmente, o charme desta película é um nome somente: Jim Sturgess. Surpreendente a atuação deste ator que já contribuiu com filmes de grande apelo do público — “A Outra” ou o musical beatlemaníaco “Across the universe” são exemplos de suas atuações notáveis. Sturgess empresta aqui uma atuação convidativa não só ao público feminino, instiga o espectador diante de um personagem que vai do imaturo adolescente ao quarentão centrado. A expressiva química dele com Hathaway faz com que o filme torne-se melhor, atenua as fragilidades, pois os dois demonstram uma segurança evidente em cenas que vão do leve humor ao melodrama. Muito do romantismo deste filme concentra-se mais nos diálogos desses dois personagens, talvez por isso pouca gente tenha se identificado, já que esperava um apelo mais carnal ou mesmo seqüências de envolvimentos afetivos tão comuns em filmes de mesma abordagem. E não adianta comparar ao livro, obviamente quem leu vai se sentir incomodado, já que o roteiro evita maiores detalhamentos das vivências íntimas dos personagens, numa clara síntese dos fatos, caso que ocorre com diversas adaptações para o cinema. O livro é extremamente mais rico que o filme, mas é bom não tecer comparações, pois prejudica na apreciação da fita.

E se Hathaway se despe de uma caracterização mais sensual, já que sua Emma é uma inglesa contida, não propensa ao sexo — por sinal, a atriz foi criticada, muitos atribuíram sua apatia em alguns momentos na tela por conta de forçar um sotaque que não é natural —, Sturgess eleva um tom mais malicioso de acordo com a personalidade do mulherengo Dexter que é o típico homem levado pelos instintos carnais, mas que depois tem o sentimento despertado pela amiga presente. Sob as atuações dos dois, encontra-se a melódica trilha sonora de Rachel Portman que é carregada de uma intenção melancólica, ainda que conceba um tom adocicado à trama que vai do 15 de julho de 1988 até o presente momento. A canção-tema “We had today” transporta bem o tom nostálgico e o verniz romântico que a trama viabiliza. Bem verdade, o segundo ato do filme demonstra um melhor envolvimento problemático e os personagens atingem um melhor grau de emoção, talvez o público venha a se sentir mais confortável com os acontecimentos ali. Pode não ser um grande roteiro que providencie um estudo mais eficaz sobre sentimento, relação de descoberta do sexo e amor amadurecido, mas aqui se encontra um bom representante filme que satisfaz pela proposta típica comédia-romântica-dramática.

One Day (2011)
Direção de Lone Scherfig
Roteiro de Lone Scherfig, baseado no livro de David Nicholls
Com Anne Hathaway, Jim Sturgess, Patricia Clarkson

16 opinaram | apimente também!:

Gabriel Fabri disse...

Li o livro e amei o filme. Achei que ele manteve a essência das páginas, vê-lo foi tão bom quanto ler a obra. E achei muito bem sintetizado, foi como releer o livro, só que em menos de duas horas. O melhor do livro está nas telas.

Luís disse...

Honestamente, a sua é a primeira resenha positiva que eu leio sobre esse filme. As pessoas o têm criticado bastante, mas você ofedendeu bem, nãodeiando dúvidas - pelo seu texto - de que ele seja ruim.
Eu quero conferi-lo, estou há algum tempo para fazê-lo. Gosto de Hathaway e anseio por ver mais uma de suas interpretações. Parece ser uma outra interessante, justamente pelo que você apontou: abordar o romance com altos e baixos sem se focar num aspecto sexual, que é o que temos vistocom frequência nos últimos anos e que, para mim, não soa tão positivo assim.

;)

Luiz Neves de Castro disse...

A perfeita descrição do enredo e características das personagens nos deixam com a impressão de já termos assistido ao filme algumas vezes. Quando relemos, é aquela sensação do "vale a pena ver de novo".
Um abraço afetuoso

Otavio Almeida disse...

Não adianta, meu velho! Gostei não. Parece uma colagem de cenas excluídas que estão nos extras do DVD. Abs!

Ailton Monteiro disse...

Ler mais um texto positivo sobre o filme é sempre agradável. Não entendi a chuva de críticas que o filme recebeu, sinceramente.

Natalia Xavier disse...

Nao li o livro, entao talvez meu comentário seja bem vago. Mas, não gostei, não tem jeito... A cena final da Anne Hathaway então, me pareceu mto similar com Cidade dos Anjos, só que numa versão bem menos impactante visto que nem chorei,rs.

Bjs!

O+* disse...

Eu não gostei porque sofri muito

Ccine disse...

Tenho quase a mesma opinião, não gostei tanto do filme, mas tb não o achei uma bomba.
Mesmo como a sua explicação achei q faltou um pouco mais de envolvimento sim dos dois e não sexual e sim sentimental para dar realismo a tudo que se passava.
Parece tudo muito corrido, sei lá.

Kamila disse...

Pois é, a sua é a primeira resenha positiva para um filme que não foi bem resenhado por outros colegas blogueiros cinéfilos. Para ser bem sincera, esse filme sempre despertou a minha curiosidade e eu acho que ele tem todos aqueles elementos que eu mais amo num filme. :)

Unknown disse...

É como vc bem disse, uma boa comédia romantica drámatica, nada mais. Me diverti com o filme, apesar de achar um tanto previsivel, como uma das cenas cruciais em que logo sabemos o que vai acontecer. Acho exagero tanta critica ruim.

Fábio Henrique Carmo disse...

Essa foi a primeira crítica positiva que vi sobre esse filme. Como é sua, me faz despertar o interesse em vê-lo, já que eu não tinha mais a intenção. Ótimo texto! Abraço!

Gabriel Neves disse...

Não curti muito o filme. Minhas expectativas estavam muito altas pra ele e acabei me decepcionando com uma fita bem mediana, ao meu ver. A força está mesmo nas atuações de Anne Hathaway e Jim Sturgess, e eu gostei da edição, e só.
Abraços!

Latinha disse...

Oopa! Eu ia passando e não resisti a esse post...

Achei perfeito tua análise... foi a melhor que eu li. Eu cometi o erro de ler o livro antes de ver o filme, foi impossível não comparar. Por conta disso eu fiquei com a impressão de que o filme não fez justiça aos personagens, uma vez que cada momento no filme, há uma série de páginas no livro descrevendo aquele cenário e suas implicações.

Mas não podemos negar que o filme tem seu valor.

Abração!

Cristina Serrado disse...

Adorei o blog...Maravilhoso!

Rodrigo Mendes disse...

Um dia eu assisto... rs

Abs!

railer disse...

eu vi o filme e gostei. não li o livro. quem leu me disse também que o filme deixou a desejar.
quem sabe 'um dia' eu leia o livro, mas por enquanto foi ficando com a história que vi no filme e que achei muito interessante.

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