Amor além da vida?

"O amor verdadeiro levamos conosco". O recurso do melodrama de um clássico pode ser o amor? Pois, inegavelmente, o filme Ghost - do outro lado da vida tem em seu roteiro simplista, não menos sincero e fortemente verdadeiro, uma apaixonante história de amor - sendo ela básica, por vezes clichenta ou mesmo singela. É um filme que não perde a força, talvez por ser tão convenientemente apaixonante: é impossível se distanciar da relação quase lúdica de Sam Wheat e Molly Jensen - talvez, um dos imortais casais da história do cinema contemporâneo. Por que não já cult? Afinal, a artimanha do mainstream pode resultar num sinônimo de culto mundial - eis que o filme é uma mistura expressiva de melodrama, argumentos espirituais (afinal a trama foca na relação conturbada do amor desfeito de um homem que perde a vida e, em espírito, tenta amparar a amada de todos os riscos) e alívio cômico por parte de uma inspirada Whoopi Goldberg, aqui Oscarizada por desenvolver a divertida médium trambiqueira que serve como forte apoio ao roteiro de Bruce Joel Rubin. Incondicionalmente, Patrick Swayze e Demi Moore desenvolveram um casal repleto de sintonia, verbalizando o típico casal em constante lua de mel, puro charme da paixão. Swayze personificou seu eterno apaixonado, um homem disposto a fidelizar seu sentimento por uma única mulher - na doença, na paixão, na morte. E, mesmo morto, seu personagem demonstra um amor veemente, intenso, sagaz e que jamais se apaga.

Tão romântico, tão espiritualista - foi o filme mais bem sucedido apresentando uma Doutrina Espírita, bem verdade que poucos elementos apresentados são de acordo com os valores do espiritismo, mas a verve interpretativa dos atores e a premissa evocativa do enredo conseguem ser satisfatório. Questões como imortalidade, alma, afinidade espiritual, a mediunidade e os efeitos físicos, dentre tantos outros aspectos concernentes ao Espiritismo foram retratados com evidência tangível. O amor sobrevive além das fronteiras da morte?

O roteiro, bem verdade, é uma contextualização sobre um relacionamento amoroso firmado no mais puro pacto da paixão desenfreada, destinada a quebra dos limites do plano terreno: alma-gêmea? É uma delícia dimensional e sem critérios se entregar ao fervor amoroso do casal, ao som de Unchained Melody de Righteous Brothers. Inabalável clássico sonoro representativo. A trilha sonora é composta com muita vocação de Maurice Jarre, combinando percussão eletrônica com orquestra apurada de violinos que desmede toda a passionalidade apaixonada que o filme exala. É nítido o quão um romance de pura química sexual, sensual e amoroso pode ser tratado com muito cuidado - a essência do filme é a de externar uma amarrada trama convincente de paixão. A emoção é essencial?

Decerto, há cenas memoráveis e, devido a massificação exagerada de reprises do filme na televisão e constante citações nesses 20 anos de existência concebem um status de ícone. Com seus defeitos ou não, Sam Wheat e Molly Jensen são personagens cicatrizantes, difícil não se afeiçoar. O casal é símbolo do amor-idealizado, do relacionamento ardente, da chama que jamais se apaga. E é gostoso este fascínio de o espectador poder ou almejar se identificar com o que vê e sente. O diretor Jerry Zucker conseguiu fazer seu único filme de maior bilheteria e também o mais expressivo no âmbito cinematográfico, visto que antes só realizava comédias. O amor prevalece, impecável, como maior e melhor argumento do filme - mas, a reflexão varia para cada um, já que é um exercício que vai mais além do que apenas entretenimento. Querendo ou não, já é um clássico indiscutível.

Dark Love Soundtrack

Talvez um dos mais criteriosos instrumentistas do âmbito cinematográfico da atualidade, Alexandre Desplat conceitua música de qualidade incontestável. Expressivo compositor francês, grande contribuidor à beleza da sonoridade da sétima arte e indicado várias vezes ao Oscar e vencedor do Globo de Ouro - é um criador que merece ser observado. A bela trilha sonora composta por ele para o filme Lua Nova é um dos elementos mais fascinantes da película - o tipo de trabalho que a música é composta de forma poética sobre as cenas do filme, não serve apenas como mero pano de fundo, é elemento dramatúrgico que denuncia o estado psicológico dos personagens, a função de uma passagem na trama, completa o enquadramento. Sem contar que são pérolas a serem desfrutados pós-filme. Sua prestação como autor do score do filme demonstra a sua impressionante verve criativa - a composição, o desenvolvimento e o conceito da orquestra resultam num intenso trabalho que, determinado, conduz toda a atmosfera do segundo filme adaptado do livro de Stephenie Meyer, sob a direção de Chris Weitz. Alexandre Desplat criou uma música-raiz, o tema central, altamente melódico e que conduz, num misto de romantismo e leve dimensão sombria, o universo da saga de Bella, Edward e Jacob e cia. Logo na primeira faixa que leva o título do filme, "New Moon", Desplar recria sua melodia clássica repleta de mistério, equilibrando o charme que acompanha o foco narrativo do filme. Faixas como "Bella Dreams" - que reflete uma importante cena de abertura do filme - e "Edward Leaves" são amplamente densas, nelas Desplat trabalha com o limite da tristeza, emoção, é impossível não acompanhar o desenho dos instrumentos com tanta sensibilidade.

Os violinos são responsáveis pelo extremo cuidado com a melodia, além do ritmo classicista que é presente no score. As 21 faixas são partituras que evocam uma atmosfera sonora quase lúdica, ainda que deveras depressiva. Capta o tom dos personagens? Talvez, de fato, seja um score que já nasceu memorável - ainda que poucos tenham conhecimento. Desplat parece marcar as emoções de Bella sob sua própria perspectiva, visto que a trama é em primeira pessoa - assim como no livro - e essas variações sonoras expressam a própria respiração da personagem. Enquanto a pontuação de Crepúsculo, por Carter Burwell, era muito mais sexy e dinâmica - Lua Nova encontra a atmosfera musical do melodrama de Desplat com pianos, violinos e flautas sutis. Este álbum difere do outro lançado juntamente, New Moon: Original Motion Picture Soundtrack - este com canções diversas de artistas do pop-rock. Já as canções do Score são pontuadas com emotividade e dão tratamento de luxo ao filme. Não é destinada, apenas, aos admiradores da saga - o valor há de ser reconhecido, efetivamente, sem preconceitos.

A estrutura musical da composição de Desplat transfigura toda a amargura vampírica do personagem Edward, o romantismo passional devoto de Bella e capta a sensibilidade singular do lobisomem Jacob - nas canções "I Need You", "Dreamcatcher" e "Almost Kiss". Os tons condensados lúdicos de suspense são revelados nas composições destinadas aos Volturi - "To Volterra" e "The Volturi". Deliciosa trilha sonora soturna.

Laços Maternos

Com um roteiro deliciosamente torneado em relações humanas, onde o desejo e sofrimento se cruzam e constroem uma trama que se dissolve em corpo, gênero e identidade, o filme Tudo Sobre Minha Mãe é profundamente virtuoso. O enredo melodramático foca na trajetória materna: Manuela (Cecilia Roth) é a típica mãe que criou laços de cuidado, apego e cuidados extremos com o rebento Esteban (Eloy Azorín) - este um aspirante e precoce escritor de 17 anos. No dia do aniversário do filho, Manuela o presenteia com uma ida à peça Um Bonde Chamado Desejo, estrelado por Huma Rojo (Marisa Paredes) e, após o espetáculo, ao tentar conseguir um autógrafo da atriz, o adolescente é atropelado por um automóvel. O que pode ser mais doloroso para uma mãe que a perda súbita, cruel e amargurada de um filho? Sem motivação para viver, Manuela decide ir em busca do pai de seu filho morto tragicamente para noticiá-lo da tragédia que vivenciou. Só que o pai é uma travesti, chamada Lola (Toni Cantó). Eis que o roteiro, nesse momento, revela-se uma encruzilhada de contextos humanos - personagens transfiguram-se, atuando em relacionamentos de grande dimensão com Manuela numa teia complexa de humanidade proposta pelo gênio Pedro Almodóvar. E o universo colorido, atraente e exageradamente humano Almodoviano se acentua: em sua busca existencial, compreendendo o próprio vestígio de um passado imaturo e num entrave emocional, a personagem Manuela confronta-se com um rico universo feminino: conhece a atriz Huma e sua namorada viciada em drogas; reencontra pelo caminho a travesti Agrado (Antonia San Juan) e concebe um forte laço de amizade e ternura com a freira Rosa (Penélope Cruz).

O panorama de Almodóvar é repleto de situações detalhadas do cotidiano, evidências de sentimentalismo na condução psicológica dos personagens e a adoção de figuras exóticas para refletir um aprimoramento da sua criatividade narrativa. As deliciosas referências a Bette Davis, ao filme A Malvada e à supracitada peça de Tennessee Williams tornam o espetáculo cinematográfico. É uma abordagem feminina que reavalia os delicados contextos da sociedade: prostitutas, travestis, toxicodependentes, freiras libertárias e idosos com Alzheimer se mesclam para sustentar a overdose lúcida de temas complexos de homossexualismo, identidade sexual, religião, existencialismo e fé. O tom irônico, humor e leve teor bizarro fazem parte do estilo e é amplamente aceitável.

O refinado roteiro é consistente, imbuída de um pendor fortemente exibicionista e extravagante, povoado por personagens extremos; um sedutor mundo kitsch, inspirada mordaz crítica social e humor freqüentemente situado na zona do baixo ventre, numa receita que tornou o cineasta conhecido internacionalmente. É puro telenovelesco, cativamente maduro que surpreende por ter um dom estético visual, narrativo e interpretativo ponderado. No meio dos hilariantes diálogos há uma história com alma, tornada credível pelo excelente delineamento dos personagens femininos (mulheres ou homens que querem ser mulheres) e o tom sexualizado marcando a motivação de um ou outro personagem. Há a supervalorização materna, presente, em todo o aspecto sensível do filme - concebe, assim, o tom humano repleto de nuances e intensidade tão característico do universo feminino de Almodóvar. A cadência de cores, da corporização que verbaliza o seio da mulher e a problemática são aspectos consistentes deste trabalho irrepreensível.

A direção é um ato de extremo cuidado, todo o elenco conduz sua personificação com densidade. Tanto Roth, Paredes e Cruz estão verdadeiras no âmbito interpretativo, concebem luz à película. Tudo é genuíno, tocante e ousado. Seres humanos da vida real? Até onde um amor de mãe alcança? A sensibilidade exerce seu valor. O tapete de retalhos de dramas humanos é costurado com supremacia emotiva. É, pois, uma exploração sensata do aspecto dramático feminino, apimentado com o travestismo que, irremediavelmente, suscita uma máxima Freudiana que Simone de Bouvair fez questão de adotar: "Não nasce mulher, torna-se mulher". Pra deixar qualquer moralista com a pulga atrás da orelha.

Todo sobre mi Madre (Espanha, 1999)
Direção de Pedro Almodóvar
Roteiro de Pedro Almodóvar
Com Cecilia Roth, Marisa Paredes, Candela Peña, Penélope Cruz, Antonia San Juan, Toni Cantó, Carlos Lozano, Eloy Azorín

Direito de Amar?

Sem Regras para Amar é definitivamente o que há de mais saboroso do realismo do homoerotismo dramático. Irrevogável espetáculo de emoções, humanismo contundente. Trata-se, portanto, de um atributo necessário ao conhecimento de todos: inevitavelmente, foi o primeiro filme a abordar profundamente a homossexualidade no princípio da década de 1980, totalmente naturalizado e sem estereótipos habituais. A trama foca na história de um médico bem sucedido - Zack Elliot (Michael Ontklean) é casado há mais de 8 anos com Claire (Kate Jackson), uma executiva de uma rede de televisão. Ambos vivem imersos em sintonia, afetividade e harmonia. Mas eis que Zack luta, desesperadamente, por seu sentimento de atração por outros homens. Enquanto o roteiro desnuda sua relação matrimonial e cotidiano profissional - expressa-se o outro lado de sua intimidade: Zack tem tesão em observar homens transeuntes pela rua, silenciosamente freqüenta bares homossexuais para observar e flertar e sua hora de almoço também vira sinônimo dessas procuras pelo próprio desejo em chama. Como enfrentar a própria ebulição de um tesão prestes a explodir? Voyeurismo? Sexo casual? Por acaso, constância surpresa, Zack conhece Bart McGuire (Harry Hamlin) - um escritor que o procura numa consulta para se medicar. Veemente, ambos se sentem atraídos um pelo outro: da amizade súbita, entre um almoço e jantar ali e acolá, da admiração que se revela como um zelo: o desejo verbalizado.

Zack descobre-se com fome de transar e viver sua própria escolha sexual, mais além: enxerga em Bart a chance de exprimir toda sua sentimentalidade, favorecendo sua essência da sexualidade, sem repressão. Contudo, Bart se nega a corresponder a firmação de um relacionamento sério, enquanto Claire questiona o marido pela mudança de comportamento e fragilidade na atmosfera sexual a dois. Como assumir o efeito de "sair do armário" sem abalar a esposa por quem tem tanto carinho? E como não abalar a si mesmo? Enquanto Zack deseja estabelecer um relacionamento estável, similar ao casamento heterossexual, Bart representa de certa forma a visão estereotipada dos gays, promíscuos e desinteressados em assumir compromissos.

O roteiro intercala esses questionamentos: a necessidade de certas pessoas priorizarem a fidelidade, outros por temerem a frustração - optarem pelo descaso afetivo em relações apenas firmadas no sexo casual. O discurso do filme desconstrói gêneros sexuais: prioriza a construção da satisfação, do prazer do corpo e da compreensão de um ser perante uma sociedade mascarada. O diretor Arthur Hiller explora ao máximo a situação da tensão entre os três personagens: o inusitado triângulo amoroso, a situação de escolha, a valorização pela identidade sexual e as motivações comportamentais. O cuidado da direção é evidente no tom emocional dos atores - Ontklean, Jackson e Hamlin estão naturalmente intensos em desempenhos explícitos de sentimento, densidade e caracterização de puro talento minimalista. O filme é um estudo sobre o limite do amor e do desejo, a firmação da identidade sexual e a contextualização de um homossexual em busca de afeto, companheirismo e auto-entendimento em meio ao desejo.

É um trabalho irretocável, superior a muitos filmes conhecidos do âmbito homossexual, provavelmente o melhor do tema já proposto por ter verve no melodrama convincente. Sem ser piegas, tratou de valorizar e humanizar um personagem em busca de sua essência sexual, livre de preconceitos e conflitos. A trilha sonora de Leonard Rosenman é melódica, melancólica e viabiliza o tom passional dos personagens centrais (a canção-tema "Making Love" cantada por Roberta Flack é singela em beleza). Os mini-monólogos dos três no decorrer do filme tornam o espetáculo narrativo mais palpável. A dramaturgia cinematográfica nunca foi tão gostosa, inegavelmente um primor emocional de reflexão humana. Faz-se, nítido, um ato de performance sincera revestida de sentimento.

Das Intimidades Sexuais?

É pura testosterona observar Marlon Brando na completa tensão sexual, sedução e desejo. A luxúria arde em cada diálogo, o desejo evidente em cada cena. O deleite é o embate psicológico dele com Vivien Leigh. Uma Rua Chamada Pecado é um filme definitivo, obra máxima do cinema clássico, um ícone atemporal. É o ponto de confluência entre o cinema de Elia Kazan com o texto sexualizado de Tennessee Williams. O roteiro tem um primor na adaptação, mas o elenco é amplamente perfeito: as atuações são intensas, os diálogos provocativos e o filme todo concebe um clima sexual-psicológico incrível. O trabalho sensual de Elia Kazan sob o texto ardente de Tennessee Wiliams concebeu um novo estilo às adaptações do teatro à língua cinematográfica, um novo foco narrativo e uma direção mais inovadora - mas, sem perder a essência teatral. Há a concepção de toda uma atmosfera da sexualidade, entre quatro paredes: Stanley Kowalski (Marlon Brando) é o filho de imigrantes poloneses, um homem bruto, de óbvio apelo sexual, estúpido e vingativo, que teme pelo seu casamento com a chegada de Blanche DuBois (Vivien Leigh), irmã de sua mulher - Stella (Kim Hunter) é escrava de sua paixão por Stanley: Simplesmente não consegue resistir a ele, e ele usa e abusa de sua sexualidade para conseguir tudo o que quer com ela – inclusive uma certa “absolvição” no final da peça original. Blanche é assediada pelo amigo de Stanley, Mitch (Karl Malden). Ele é o próprio americano grandão, meio abobalhado, que vive à sombra da mãe - é quase que a inocência encarnada, tenta ser cordial e correto, corteja a mulher que confia ser pura e casta - Blanche - mas descobre posteriormente que ela tem um passado de mentiras e promiscuidade.

A tragédia, aliás, está o tempo todo presente na trama. Além do perfil teatral proposto pela direção de Kazan, a película cativa com o determinado duelo entre Brando e Leigh - ele explosivo, institivo rude, másculo agressivo e ela com sua feminilidade frágil, etérea e até poética. A trilha sonora de Alex North é um capricho e auxilia nos ápices das cenas ferinas com alto teor de puro charme. O filme contextualiza o sexo em cada cena: a ideologia dos personagens é exercer o desejo? Há uma certa motivação idealizada na necessidade do sexo, na aprendizagem de lidar com as próprias ânsias das artimanhas do tesão. Os cenários, as falas e até os atores parecem estar em pleno estado de luxúria condenativa. O sexo é um conhecimento coletivo de reflexão? O fogo do desejo consome cada situação e a tensão sexual torna o roteiro repleto desta contextualização da libido existencial. Há sutis subcontextos de homossexualidade, traição e desejos reprimidos.

Definitivamente Marlon Brando proporciona uma explosão de testosterona, sua virilidade ímpar e sua malícia exala em cada gesto interpretativo. Vivien Leigh demonstra a sua feminilidade no ódio e desejo - Blanche sente-se atraída irrevogavelmente pelo marido da irmã, com olhares contidos de puro tesão reprimido, mas demonstra seu ódio em plena dissimulação. Ela quer o macho machista e selvagem para si própria? É gostoso observar a sensualidade de Brando com sua camisa suada, colada ao corpo e com uma masculinidade agressiva pulsante. Delicioso másculo! O garanhão causa tesão e repulsa - seduz com sua virilidade, mas causa aversão por ser o exímio expemplo de machista ultrapassado, ainda mais por ser um agressor à mulher.

O duelo de Stanley com Blanche seria a relação do tesão se fundamentar nas extremidades do amor e ódio? Ou a repulsa é aliada à atração sexual? Havia fetiches inconsoláveis segredados por Blanche, talvez até o próprio Stanley tivesse consciência disso. A dualidade transposta pelos dois personagens funcionam como elementos-chave, atrativos e completo ritmo argumentativo da trama densa: sob o mesmo teto, ambos têm que interagir dentro da exteriorização da tensão sexual que configura a relação, além da convivência psicológica absorvida nos tratos e nas personalidades tão distintas. Stella, dotada de instrução e comportamentos mais aristocráticos tentava resistir aos impulsos provocativos da libido exercida pelos atos e artimanhas rudes de Stanley - no íntimo, claramente, ambos se desejavam mortalmente. É um jogo psico-sexual perigoso, mas o prazer é evidente. A química entre os atores, os diálogos ferinos e a liberação de testosterona tornam tudo absolutamente palpável sexualmente - nunca o sexo foi tão febril e tão sutil, em forte teor narrativo cinematográfico. Definitivamente uma obra-prima, jamais envelhecido, nem mesmo pela censura.

A Streetcar Named Desire (EUA, 1951)
Direção de Elia Kazan
Roteiro de Tennessee Williams e Oscar Saul
Com Marlon Brando, Vivien Leigh, Kim Hunter, Karl Malden

Laços de Família

Pessoas são substituídas? Eis o entrave de Entre Irmãos, do diretor Jim Sheridan. Este remake, do original filme dinamarquês Brode de Susanne Bier, é um dramático enfoque sobre questões nada mais que humanas. A trama é na relação de um fuzileiro naval que é casado com sua namorada de infância - Sam Cahill (Tobey Maguire) e Grace Cahill (Natalie Portman) tem a vida pacata com suas filhas e um cotidiano verbalizado com sentimento: Pai dedicado, marido exemplar. Já o irmão caçula de Sam é o típico desajustado, rebelde e ovelha-negra da família - Tommy (Jake Gyllenhaal) deixou a prisão recentemente e integra-se novamente ao círculo familiar. Sua imaturidade, tendência ao alcoolismo e impulsividade geram desavenças com seu pai Hank, sua relação com ele beira ao ódio. O filme transcorre, apresenta os personagens até a guinada: Sam deixa sua família para ir à Guerra do Afeganistão e, inesperadamente, é alvo de um acidente de helicóptero e é tido como morto pela família. Eis que a narrativa desenvolve-se em duas vertentes: a rotina da vida dos Cahil e Sam sendo refém de um grupo extremista que tortura ele e seu amigo, o soldado Willis. Como lidar com a perda de alguém querido? Como superar um luto? Grace vive a ausência do marido com dor, introspecção e infelicidade. Eis que Tommy passa a dar ânimo e fomenta base estrutural à família - renovando os ares e evidenciando-se como uma figura paterna no ambiente. Torna-se mais que um amigo, um homem dentro de casa - repleto de presença, cuidados, personalidade e todo o charme da masculinidade contagia Grace e suas filhas. Eles criam uma intimidade, novos hábitos e ambos, inevitavelmente, percebem uma forte sintonia: eis a química sexual?

Grace, nitidamente carente, recebe o afago do desejo de Tommy. Poderia ela dar vazão ao desejo por ele? Um momento de carência apenas? Seria injusto da parte dela com a memória do seu ex? Mas Tommy também pondera a própria memória do irmão que pensa estar morto: estaria ele traindo seu ente de sangue? Enquanto ambos tendem a sentir o elo de tesão e admiração auxiliado com o súbito aprendizado do sentimento de convívio - eis que Sam vivencia o seu inferno de vida: é torturado fisicamente, todo seu psicológico recebe o abalo árduo da crueldade ao ter que se submeter às insanidades da violência dos soldados talibãs. Tommy amadurece, é referência na família e os papéis, obviamente, se invertem.

Mas Sam retorna ao lar, o impacto é cruel: Ao retornar, observa que sua vida não é mais a mesma. Com os reflexos de dor, paranóia e amargura - revela-se um ciumento doentio, descabido e emocionalmente instável. Problemas inúmeros: Sam jamais se reajusta à família, suas filhas sentem desconforto com sua estranha presença, seus atos provocam torpor e ele permanece sem sintonia com todos. Como se reerguer novamente? Quão doloroso pode ser renascer das cinzas de um grande trauma? Então, Sam precisa reorganizar-se existencialmente - só assim Grace poderá voltar a ser mulher novamente, repleta de prazer em viver.

A composição emocional dos atores é articulada, expressiva - nota-se um desempenho contundente de um Tobey Maguire na melhor atuação de sua carreira; Natalie Portman é um misto de fragilidade, angústia e sentimentalidade e Jake Gyllenhaal exerce gestos, olhares e expressões rústicas para compor seu virile-man. O filme é um pequeno estudo sobre a carência afetiva e o abismo de ressentimentos familiares, ciúmes gerados pela desconfiança, exercício da maturidade e uma compreensão sobre a necessidade de manter a própria sanidade diante um abalo psicológico. A direção emocional, a interpretação natural dos atores centrais e o enredo mesclando situações de laços de família com abalos íntimos de relacionamentos conceituam um melodrama palpável sobre feridas psico-emocionais. Bom elenco de apoio: Sam Shepard como o pai Hank, Carey Mulligan e Mare Winningham. A fotografia de Frederick Elmes utiliza um jogo de lentes que puxam as cores sempre um pouco para ao cinza, ressaltando a crueza da difícil realidade que cerca a família Cahill. Um intricado filme singelo, psicológico e triste que é amplamente humano.

Os Insones

O filme A Casa Amaldiçoada foca em um grupo de pessoas - uma solitária mulher, uma bissexual altiva independente e um jovem inconstante galanteador se unem a um médico que decide investigar e determinar um estudo sobre o distúrbio do sono. Todos os selecionados apresentam sintomas de péssima qualidade de sono, além de evidente insônia regular. Ao se deparar com a realidade da mansão no qual terão que permanecer isolados, sem contato com o exterior, todos passam a perceber que há algo mais assombroso por baixo do pano: estranhos acontecimentos ocorrem, fenômenos espirituais e Eleanor, uma das selecionadas, sente-se fortemente atraída pela atmosfera da mansão. Ela passa a desconfiar que a reunião consista em estudar fenômenos paranormais e esta pode ser a verdadeira razão da experiência. Todos são observados secretamente pelo Dr. Marrow, que pretende escrever um livro não sobre problemas com o sono, mas sobre medo e histeria em grupo. Os fenômenos paranormais que começam a atingir as cobaias do Dr. Marrow parecem se fixar em Eleanor, que passa a ouvir vozes de crianças. Insegura e medrosa, ela irá se transformar ao descobrir que a maldição da Casa Hill está relacionada ao seu passado e que o perverso fantasma de Hugh Crain não irá sossegar enquanto não acabar com a sua sanidade.

Enquanto o desenvolvimento do suspense se sustenta, Theo exerce sua personalidade de femme-fatale homossexual: deseja ardentemente Eleanor para si, desde quando o primeiro momento. Tesão à primeira vista? O lesbianismo por parte de Theo é expresso diretamente, ainda que ela evidencie certa atração para o sexo masculino também - mas é sua predisposição em querer Eleanor sexualmente que fomenta seu apego com ela. Eleanor é médium sensitiva, contida e sua feminilidade é contextualizada com bastante fragilidade. Ela sente que há algo tenebroso por trás da arquitetura imponente classicista da mansão Hill House - e Theo apenas a deseja. Sutilmente, acentua-se um forte elo entre ambas, mas Eleanor parece mais ligada à amiga pelo sentimento de ternura, talvez uma admiração, uma companhia, alguém para atenuar a sua carência afetiva e solidão. Theo demonstra um afeto mais idealizador: desejo sexual mesclado a uma vontade mais visionária - tornar-se namorada da amiga? Mas, há pouco aprofundamento neste quesito.

O diretor Jan De Bont concebe seu terror objetivo com efeitos especiais, tornando as cenas dinâmicas e visualmente surreais - com o auxílio do desenhista de produção Eugenio Zanetti, tratam de criar um cenário opressor e conceitualmente de puro requinte, a direção de arte é luxuosa. Obviamente, os efeitos visuais recheados são incapazes de esconder o roteiro banal, mas concretiza um bom clima de tensão. O epílogo do filme não poupa o público com artimanhas para sustentar o thriller: gritos, efeitos sonoros elétricos, descargas de efeitos visuais para provocar sustos e promover tensão - a casa ganha vida, configura-se como própria personagem. Há entretenimento climático, o filme atinge seu propósito, ainda que imerso no condicionamento do clichê.

O entrosamento entre Catherine Zeta-Jones e Lili Taylor como Theo e Eleanor é eficiente, ambas parecem realmente sentirem pânico e o resultado é uma dupla atuação convincente. Inesperadamente, o clima de temor visual torna-se lúdico por conta da bela trilha sonora proposta por Jerry Goldsmith. Há um bom traquejo interpretativo: Liam Neeson é correto e até Owen Wilson não incomoda na participação. Planos discretos, movimentações de câmera e jogo de imagens são bem oportunos. Não é sangrento, é mais visual e há provocações psicológicas por conta das duas personagens femininas. O final consegue a proeza de ser até realista.

Rebeldia Sexual?

Como se forma a juventude rebelde? James Dean definitivamente retratava o pensamento, costume e personalidade do jovem revolucionário dos anos 50. É um ícone, incondicionalmente. Juventude Transviada é um foco definitivo sobre fissura cultural entre jovens e velhos: destrói as aparências familiares, determina os comportamentos juvenis delinqüentes, rompe com o conservadorismo familiar. Dirigido por Nicholas Ray, que enfatiza aspectos psicológicos e sociológicos da juventude, é um filme cicatrizante. A contextualização de evidenciar a narrativa do filme em um único dia captura a essência do que é ser jovem: nota-se, evidentemente, no personagem de James Dean - um exímio vivant que não se preocupa com o dia seguinte. A rebeldia é também sinônimo da carência juvenil em três focos: Jim Stark (James Dean) foi detido por embriaguez, Judy (Natalie Wood) por ter brigado com o pai, e Plato (Sal Mineo) por ter atirado em cães. Ambos se amparam, são aliados do destino rumo à dissolução da carência afetiva de uma vida imersa no desastre familiar. Jovens são desajustados? São também ansiosos por amparo, por atenção. E a rebeldia pode ser uma consequência da ausência de atenção familiar. O filme desnuda relações conturbadas de pais com filhos, mas serve também de um alerta: todo ser humano necessita de carinho incondicional. São personificações reais de problemas do desajuste familiar? Pais nulos versus filhos abandonados?

A revolta, o desajuste e o delírio transgressor não se justificam - mas pode ser a maneira que o ser justifica a sua própria amargura de não ser compreendido sentimentalmente. O personagem de James Dean desconstrói as falsas aparências com sua vitalidade sexual, seu comportamento questionador e sua virilidade sincera. Mas, há uma fragilidade que embala sua transgressão, e isso fica evidenciado em diversos momentos. E o filme vai mais fundo nas feridas, pois demonstra os maus hábitos da juventude rebelde dos anos 50. O belo trabalho de Nicholas Ray provoca por ser uma ruptura com a formalidade da época, serve como um basta ao puritanismo norte-americano. Sim, é um convite à rebeldia sem causa como forma de verbalizar uma busca pela identidade e pela auto-afirmação. Os personagens jovens do filme subvertem, questionam e são imersos na rebeldia - estes que condicionam a vida na mais pura fidelidade de um para o outro.

James Dean representa o jovem carente, marginalizado e inconseqüente. A juventude ali é passional, emocional e imatura. A rebeldia é necessária para evidenciar a insatisfação generalizada, contextualizada. Mais que uma busca existencial: uma maneira de atrair a atenção da sociedade, chamar atenção ao seio familiar. Há uma relação nítida de homossexualidade e carência intensa de Plato ao Jim, sua admiração beira ao misto da devoção e do desejo juvenil. Plato sentia a necessidade de ter Jim como uma figura paterna, eis a contradição. Jim é o centro da atenção: é desejado por Plato e Judy - seu charme, seu comportamento e atos rústicos geram desejo alheio, seu comportamento e personalidade contagia proporcionando o tesão aos dois amigos. Seria Jim um modelo a ser seguido? Havia nele um desejo de consumir os outros e ser consumado de desejo. Jovens no turbilhão de questionamentos, desejos e delícias sexuais da puberdade.

O filme é, portanto, um aprofundado estudo da juventude transviada, magistralmente interpretado pelos trio central: James Dean, Natalie Wood e Sal Mineo. E s charmosa trilha sonora de Leonard Rosenman acentua o tom saboroso das cenas. Os personagens masculinos têm um sexy-appeal com o look das jaquetas pretas, camisetas brancas e jeans - além de astutos, altivos e instintivamente rebeldes. Fatalmente os três atores principais vieram a falecer de maneira trágica.

Um Crime Perfeito?

Não há delícia maior que um instigante filme de Alfred Hitchcock. Festim Diabólico reina como exemplo de suspense cruel, ferino e altamente inteligente. Uma obra que atinge os nervos, provoca frisson que é puro assombro. A premissa angustiante foca em dois amigos, Phillip Morgan e Brandon Shaw, que cometem um assassinato, matam o amigo David, em seu apartamento e decidem esconder o corpo em um baú. O requinte de malícia macabra: minutos depois, os convidados de um jantar oferecido por eles chegam ao apartamento - os pais, a noiva, a tia e até o concorrente do morto pelo amor de sua noiva, que jantam na mesa montada em cima do baú onde está o corpo. Para provar sua genialidade, a dupla de assassinos convida também seu professor, um homem perspicaz e de idéias avançadas, com a idéia de que, se eles conseguirem enganá-lo, provarão que um assassinato é, também, uma obra de arte, privilégio de inteligências e classes superiores. Os jovens têm personalidades diferentes: Brandon é altivo e tem uma personalidade forte, repleto de ironias e é o personagem que mais acentua o humor negro presente no roteiro do filme - altamente frio, calculista e racional. Seria sua forma de atingir a perfeição? Phillip é a fragilidade, totalmente emocional. Quão doentio pode ser o ato desses jovens? Qual razão para terem estrangulado o amigo?

Ambos justificam o ato horrendo pela supremacia intelectual, inteligência e genialidade no gesto, da qual fariam parte, assim estariam livres para transgredir as regras e normas impostas pela moral tradicional, deixar de lado valores e dicotomias como certo e errado, bem e mal - esconder o cadáver no baú no meio da sala e promover, logo após o crime, uma festa privê com algumas pessoas demonstra o quão inconseqüentes são, desajustados. Psicopatia? O assassinato, se unicamente voltado à afirmação da superioridade do assassino, seria uma modalidade de criação artística. Matar unicamente pelo prazer de matar, pela excitação decorrente do crime, seria a culminação, a concretização da uma superioridade expressa na própria diferença intelectual existente entre assassino e vítima. No filme, o crime teria essa motivação intelectual: Brandon e Phillip consideram-se superiores em relação a ele, o assassinato com uma corda (Rope, daí o título original do filme) revela todo o condicionamento da frieza e arrogância. A concretização do crime perfeito?

A delícia do roteiro é evidenciar a tensão crescente. No decorrer do jantar, segue-se um perturbador ambiente, quase irrespirável, onde Phillip se mostra cada vez mais descontrolado, apavorado diante da possibilidade de seu monstruoso crime vir à tona, e Brandon emite sinais contraditórios: ao mesmo tempo que pretende se preservar, mantendo em segredo o crime, não resiste ao apelo da vaidade e, pouco a pouco, dá varias indicações aos presentes, especialmente Rupert, do que de fato havia ocorrido no apartamento. Onde estaria David? Aos poucos, Rupert percebe que existe sujeira por baixo do tapete. Fareja a pura maldade?

A teia interpretativa entre John Dall, Farley Granger e James Stewart - Brandon, Phillip e Rupert - é irretocável, intensa. O exercício de Hitchcock se define: o filme é inteiramente rodado em tomadas contínuas (plano-sequência), editado de tal forma que se tem a impressão que não houve cortes durante as filmagens. A linearidade narrativa, o espaço único (toda a ação desenvolve-se no apartamento) e a mise-en-scène criativa - o estilo argumentativo do filme, portanto, é bem evidente: tudo bem coreografado, um cuidado apurado de direção perfeccionista. Para não quebrar as seqüências, Hitchcok focava as costas de um dos personagens, trocava o rolo e reiniciava a ação partindo das costas para seguir em frente em seu teatro de suspense que, mesmo ambientado em apenas um ambiente, consegue acentuar atenção. Manter esse jogo durante 80 minutos em uma encenação sem cortes, com cada movimento e posição marcado e coreografado não é para qualquer um.

Hitchcock amplia esse exercício com o movimento certo, com o close essencial, com a mudança de direção necessária enquanto amplia a tensão. É uma mescla entre o teatro e o cinema – repare como o cenário da cidade muda suavemente de tom, do fim de tarde até a noite – em uma história em tempo real onde a angústia, também, molda-se de forma quase imperceptível, mas extremamente palpável. O filme brinca com a dualidade dos sentimentos, num misto de ansiedade e temor pelo o que pode acontecer. A sensação de tempo-real contextualiza a obra-prima. Os diálogos são precisos, dá formação psicológica de cada personagem. Exercício técnico e interpretativo, um thriller elegante de 1948 que se mantém vigoroso: curioso como ele se mantém constante no clímax, em todas as cenas. Claustrofobia? É quase sutil, mas Brandon e Phillip exercem um fascínio um pelo outro, há uma homossexualidade velada: é nítido que ambos têm química sexual, intelectual e dividem momentos juntos. Mas, o roteiro deixa subentendido, quase imperceptível. Encenado com deleite, intrigante, engenhosa atmosfera irrespirável proposta por Hitchcock no seu primeiro filme a cores. Um clássico instigante que atinge o ápice.

Rope (EUA, 1948)
Direção de Alfred Hitchcock
Roteiro de Patrick Hamilton, Hume Cronyn, Arthur Laurents e Ben Hecht
Com James Stewart, John Dall, Farley Granger, Cedric Hardwicke, Constance Collier

Vida de plástico?

Beleza Americana é um delicioso soco violento no sonho americano, na utopia ridícula manifestada pelo ser humano, nos sonhos mais íntimos de todo ser. O filme, criativamente dirigido por um inspirado Sam Mendes, revela-se como um estudo sobre a necessidade x ausência sexual, infelicidade, compulsão pela mentira e ilusão social. Através da construção de um cotidiano de uma família e sua adjacente vizinhança que o próprio roteiro, altamente irônico e ardiloso, desconstrói seus mundos particulares: há estereótipos visíveis, consistentes - um cinqüentão a beira dos nervos, sem perspectiva e satisfação sexual ao lado da mulher excêntrica e fútil, a filha rebelde sem causa e introspectiva e sua amiga sensual, sinônimo de beleza incontestável. Em outra perspectiva familiar: há o pai machista autoritário que impera sua educação rústica para um filho deslocado em seu próprio mundo, filho de uma mãe passiva. O mais interessante é que todos os personagens são frágeis, aparentam uma essência que não é verdadeira e tudo tende a ser a revelação do caos, ao fim, quando vem à tona: traições, voyeurismo sexual, virgindade segredada, homossexualismo enrustido em fortes ejaculações surpreendentes. Todos os aspectos mais mórbidos da realidade ao estilo de vida americano. Os personagens funcionam como objetivo de criticar essa sociedade americana contraditória, daí a necessidade de serem carregados emocionalmente com muitas facetas da neurose ianque.

Há certa perversão no tom ácido do roteiro de Alan Ball, sensacional sátira dos costumes de relações conturbadas humanas: entre quatro paredes, as aparências tendem ao vício da loucura? Como se sustenta a hipocrisia do ser humano perante ele mesmo? A articulação preciosa do brilhante roteiro evoca discussões sobre essas falsas aparências, dissimulações humanas e desejos reprimidos com muita pseudo-inocência. O ser humano trancafia dentro de si mazelas inconfessáveis, desejos ardentes maldosos e muita malícia mascarada - a falsidade pode ser sinônimo de inteligência? Ou seria uma tristeza da amargura de viver imerso numa insatisfação de vida? A sacada genial de colocar, como narrador, o próprio morto que, de maneira cínica e com leve humor, contextualiza o enfoque de sua vida - recortando seu cotidiano, desmascarando uns aos outros. Os personagens demonstram certo desequilíbrio emocional e sexual, sentem necessidade de auto-afirmação por serem tão fragilizados.

Kevin Spacey tem uma atuação soberba, auxiliado por Annette Bening, Chris Cooper e os juvenis Thora Birch, Wes Bentley e Mena Suvari. É de uma admiração chapante ver como várias tramas paralelas vão se ligando e mexendo com valores que muitos julgam intocáveis. Pura aparência. Símbolos americanos são despidos e toda a hipocrisia salta na tela levando o público ao sorriso. A personagem de Mena Suvari, idealizada pelo narrador Kevin Spacey, repleta de pétalas, exala toda a sexualidade no decorrer do filme: ela faz questão de narrar tórridas experiências sexuais para, no epílogo, descontruir-se na garota virgem altamente inexperiente, com medo de ser comum. O sexo, conceitualmente, é um dos motores do filme - mas ele está dentro de um contexto que o público sequer se importa com o seu teor. A influência sexual na vida das pessoas é mostrada de três ângulos diferentes: homossexualismo sugerido, as descobertas da adolescência e as crises e traições extra-conjugais. A montagem do filme é dinâmica e determina um auxílio moderno à mise-en-scène - esta, irrevogavelmente, irretocável. A fotografia é apurada, ângulos inusitados e com um elegante aspecto dimensional.

Quem não se recorda da loirinha fatal, imersa numa banheira cheia de rosas vermelhas? Seria a representação da sexualidade perfeita ou da própria vida condicionada num simulacro? As cores vermelhas, presente na composição da direção de arte, é delícia visual e expõe o teor sentimentalista sensual que o filme revela. O encontro dramático interage com o alívio cômico, tudo bem balanceado. E a trilha sonora expressiva de Thomas Newman instiga, dá sustância às cenas. Em uma das melhores frases do filme é revelada qual o alvo de sua crítica: “Para termos sucesso é preciso projetar uma imagem de sucesso”. Sam Mendes concretiza seu mundo de falsidade e favorece um resgate a uma identidade da humanidade deteriorada por uma vida de plástico. Puro primor. Pois é, as máscaras sempre caem.

American Beauty (EUA, 1999)
Direção de Sam Mendes
Roteiro de Alan Ball
Com Kevin Spacey, Annette Bening, Thora Birch, Wes Bentley, Mena Suvari, Chris Cooper, Peter Gallagher

Com açucar, com afeto

O curta metragem brasileiro Café com leite, dirigido por Daniel Ribeiro é extremamente simples: contudo, cativa de maneira eficaz pela naturalidade proposta. O enredo foca no casal de namorados Danilo e Marcos: ambos vivem imersos em amor condensado em sexo, sintonia e fidelidade. Ambos atingem a maturidade no relacionamento. Quando o fotógrafo Danilo decide sair da casa dos pais para fidelizar compromisso com o namorado, eis que subitamente a tragédia: seus pais morrem num acidente de carro. Como se não bastasse tamanha reviravolta emocional, Danilo torna-se o único responsável pelo seu irmão caçula, Lucas. O curta foca nessa sutil problemática: como lidar com o inesperado? Como manter um desejo no namoro? Danilo preocupa-se em cuidar do pequeno irmão e ainda tem que promover articulações para sustentar seu relacionamento- já que este expressa carência afetiva e sexual. Então, novos laços são recriados e o cotidiano se transforma: Danilo convida Marcos a dividir seu apartamento em companhia do menino. Enquanto os irmãos tentam driblar a própria vivência de um para o outro, Marcos tenta encontrar seu sentido dentro daquela nova relação estrutural familiar. O pequeno Lucas é esperto, mas sensível e logo percebe que seu irmão mais velho é homossexual.

O diretor Daniel Ribeiro em tão poucos minutos recria um universo brasileiro, os diálogos parecem improvisados e são naturalizados pelos atores à vontade com a câmera observadora. Observamos o dia a dia dos três, a relação de família que se configura: Seriam Danilo e Marcos os pais educacionais do menino Lucas? Como sustentar essa adoção? Todo casal gay merece adotar um filho - será que os namorados estão cientes do novo encargo? Haja vista que tudo não foi premeditado, as circunstâncias do destino, apenas.

Sem maniqueísmo, o discurso do filme é abraçar e comprometer-se com delicadas questões da adoção gay, direitos à união civil homossexual - ainda que tão rapidamente, há esse discurso subliminar, essencialmente humanista. O curioso é que a figura da criança determina abalos no relacionamento do casal - o menino, por vezes, inclusive, parece mais maduro que o irmão em algumas situações. Apesar de nítidas dificuldades, o que poderia ter se evidenciado um fardo, traz à tona admiráveis e profundos sentimentos humanos: altruísmo, confiança, solidariedade e, acima de tudo, a dedicação da amorosidade. Relações ternas, intensas dos três - sem ser piegas. E

m Café com Leite, a pureza e a ternura emergem da dor, ilustrada no ícone maternal do copo de leite, surgindo como remédio e alento para o coração. Este drama soft gay desvia de polêmicas e mira exatamente no afeto humano. É cativante a maneira como o cinema queer consegue se recriar fora do espaço underground e corteja seu próprio espaço no mainstream. Daniel Tavares e Diego Torraca são íntimos e têm química interpretando o casal e Eduardo Melo, o pequeno Lucas, demonstra talento e se destaca na produção. O curta foi recentemente premiado com o Urso de Cristal no 58º Festival Internacional de Cinema de Berlim. Ganhou menção honrosa na categoria curta-metragem de ficção do Festival de Cartagena, na Colômbia, além de presença nos principais festivais nacionais e internacionais de cinema. Um curta tão interessante merecia ter maior tempo de duração – tudo que é bom dura pouco.

Menina Veneno

Qual sentido da loucura? O que impulsiona alguém a ser considerada inapta à sociedade? Quão questionável arde esse contexto: beira ao absurdo, louco é quem age com insensatez? A loucura é medida segundo nossa conformidade ao que a sociedade espera de nós. O filme Garota, Interrompida é um estudo sobre os conflitos interpessoais, existenciais e sexuais humanos. Através da personagem principal, Susana Kaysen, observa-se toda a essência da relação da insensibilidade mundana: o foco narrativo é proposto através de uma história verídica, no final da década dos anos de 1960, sobre uma jovem que é internada em um hospital psiquiátrico. Por que a família tomaria uma atitude tão extrema? Para a compreensão, é importante analisar a personagem mais a fundo: Susanna Kaysen acha-se a extrema perdida no mundo, insatisfeita com a vida e, após envolver-se afetivamente e sexualmente com o marido de uma amiga da família, toma a atitude de misturar um vidro de aspirina com uma garrafa de vodca: o ato de suicídio seria contra a frustração de vida? Para ela, uma desesperada forma de curar a dor que invade sua alma, para os outros: apenas a efetiva tentativa de suicídio. Eis que, por indicação dos pais, ela consulta um psicanalista e é diagnosticada com o transtorno Bordeline: distúrbio de limite de personalidade, inconstância comportamental, desintegração da identidade.

A organização Borderline de personalidade vive num mundo escuro, de pesadelo, cheio de "fantasmas" ora perseguindo-o ora culpando-o. Como eles não apresentam uma divisão segura e firme que separa o pré-consciente do inconsciente e não conseguindo utilizar o mecanismo de repressão (alivia mais a angústia), vivem uma dor permanente da qual ele não pode escapar. Somente através de uma terapia psicanalítica este quadro poderá ser revertido. Vivendo, então, em perigo constante dentro de si mesmo, o Borderline fica extremamente ansioso e agressivo. Então, Susanna é direcionada à instituição psiquiátrica, Claymoore, para um período de repouso e reestruturação psicológica. Trancafiada, podada de liberdades, totalmente impaciente - é obrigada a condicionar sua vida dentro da instituição, reavaliar seus atos até então, reorganiza-se intimamente para depois atingir uma nova maturidade. É possível transformar-se plenamente em uma nova mulher?

Dentro da clínica, tensões surpreendentes: Susanna confronta-se com dezenas de garotas insanas, repletas de "doenças da sociedade", reprimidas e também carentes - ela passa a conviver com problemas reais em diferentes graus de enfermidade mental: Georgina Tuskin, uma mentirosa patológica e sua colega de quarto; Daisy Randone, vítima de abuso sexual que se nega a comer na presença de outras pessoas; Polly, vítima de queimaduras que a deixaram com o rosto cheio de cicatrizes e uma baixa auto-estima. E eis que ocorre o embate delicioso: Lisa Rowe, uma sexy sociopata carismática que foi retirada da sociedade e internada pelo seu comportamento corrupto promíscuo, duvidoso e ironicamente perverso. Ao passo que dezenas de "nuances" e personificações de mulheres, ao seu redor, revelam-se - Susanna passa a questionar prioridades, motivos reais e suas verdadeiras vocações de estar ali, socialmente, integrada ao convívio com elas. Será que ela atua com normalidade? Ou é anormal? A sua não-adaptação ali seria devido à sua doença ou, apenas, sua personalidade é mais branda e, contrapondo-se, diferente das outras? Eis que Lisa combate a timidez de Susanna com seu temperamento áspero, altamente sexual, dotada de muita inteligência sensual. O interessante é que, enquanto Susanna condiciona e atenua sua revolta contra o mundo - evoluindo a convivência dentro da clínica, obtendo o prazer social com as amigas "loucas" e excêntricas - sua personalidade ganha novo vigor, adquire uma nova percepção de sua vida. Será necessário viver? Há esperanças?

A direção de James Mangold é emocional, detalhista: aguça as expressões dos atores, prioriza a sensibilidade interpretativa. A montagem adota artifícios do flashback pra sustentar a trajetória de Susanna pré-instituição, a fotografia serena em tons claros e a trilha sonora repleta de hits dos anos 60. Winona Ryder é um misto de introspecção e revolta, totalmente concentrada, transparece toda a complexidade de sua personagem. Contudo, definitivamente, o filme tem maior vigor devido à prestação irretocável e soberba de Angelina Jolie como a sociopata Lisa Rowe: toda a condução da personagem é extrema, desde os diálogos à contextualização interpretativa - torna o filme vibrante, avassalador, febril. Oscar de atriz coadjuvante merecedor! O embate sexual é eficaz entre as duas mulheres: Lisa seduz Susanna com sua amizade, seu desprendimento de mundo, sua personalidade dominadora charmosa. Há uma tensão sexual entre as duas, sutilmente. Pura delícia?

Notórias participações de Whoopi Goldberg, Vanessa Redgrave, Jared Leto e da saudosa Brittany Murphy como uma das internas. O filme evidencia o apreço para a busca pela sensibilidade, o afloramento da sexualidade e um estudo sobre o sentido verdadeiro da loucura - sendo ela tão questionável, cruel ou mesmo relativa. O ser humano merece amadurecer, tanto intimamente quanto dentro da sociedade predatória. Susanna é exemplo de como o ser humano julga o próprio ser humano - condenando-o à própria extinção social. Afinal, ser louco ou não é uma padronização de moldes comportamentais da sociedade. Ou não? Quem há de julgá-lo inapto a viver socialmente? Mas Lisa, dentro de sua sociopatia, obscenidades violentas e virtudes duvidosas, conseguiu extrair de Susanna sua maior virtude: amar a si própria. A ironia é que sua realidade é acordada dentro de um mundo tão ilusório, o manicômio. Exemplo singelo de espetáculo cinematográfico.

Prazeres Humanos

Carne Trêmula definitivamente é o ápice da concepção ardente de Pedro Almodóvar: revela-se como discurso cinematográfico de pura sensualidade, num misto de erotismo conceitual e intensidade humana. Eis o determinismo do vislumbre de um expresso thriller-sexual dotado de sentimentalidade emocional. Sensivelmente, o filme atinge com seu roteiro que prioriza motivações dramáticas do íntimo humano, em um panorama surpreendentemente de casualidades e coincidências, sempre pontuados pelo amor e pela passionalidade dos personagens (paixão egoísta, possessividade, impulso irracional?). Almodóvar desconstrói clichês na sua abordagem meticulosa: observa-se o cotidiano caliente de seres humanos que se cruzam, inesperadamente, confrontados pelo destino. Os personagens são motivados irrevogavelmente pelo desejo, pelo tesão, a passionalidade é conseqüência do sentimento libidinoso. A construção revela-se na obra-prima: um ensaio cru de ódio, vingança, desespero, atração física e tensão sexual cicatrizando todas as teias das relações sociais dos personagens. Cinco personagens em um único destino emaranhado: o despertar pela sentimentalidade sexualizada consagra o filme - talvez um próprio estudo sobre problemas das carências humanas? Através deste filme, o universo Almodoviano foi acentuado com muita consagração.

É uma delícia observar os desempenhos de Javier Bardem, totalmente humanizado e dotado de fragilidades - acompanhado com muita provocação com o restante dos atores Liberto Rabal, Francesca Neri, Ángela Molina e José Sancho. A cena inicial, com a participação de Penélope Cruz, com o parto dentro do ônibus, é um dos recursos mais estéticos marcantes da película. A sintonia do elenco é voraz, a interpretação transcende o aspecto trágico que o filme concebe, desde o início o espectador sente que Almodóvar não concede restrições: seu foco é justamente nas temáticas das dores da sensatez sexual humana, consistente em exageros de diálogos obtusos e emoções à flor da pele. O desespero narrativo, criativo em inteligência, demonstra temas das relações humanas - traições, inconstâncias sentimentais, taras sexuais incondicionais, fetiches, apreço pelo gozo extremo e, seguramente, há a pertinência em questionar valores sobre o prazer e felicidade. Denuncia que todo ser humano não consegue viver sozinho? Os personagens, personificados pelo elenco dramático, expressam o melodrama.

A excelente direção cuidadosa de Pedro Almodóvar garante um realismo de grandes nuances psicológicas: através das coincidências vivenciadas pelos personagens, bem como as escolhas e situações, o espectador absorve toda a poesia humana do que visualiza. Almodóvar insere seus arquétipos: prostitutas, homens viris, mulheres sexualmente ardilosas. Há um estudo sobre o sentimento da culpa, o arrependimento contrapondo-se com a impulsividade, a redenção. A traição desmedida, a obsessão compulsória e a angústia da complexidade em se lidar com sentimentos tão adversos e impactantes resultam em ações impulsivas, despidas de meias-verdades, mas ao mesmo tempo sinuosas e delicadas. A fotografia de Affonson Beato revela-se vibrante, sensual em tons de vermelho sangue, alto teor fotográfico de beleza provocativa. A inspiração Almodoviana recria-se e é transformada gradualmente em poesias em cada cena, no trabalho de cenografia, no seu universo gritante de corpos interpretativos. As cenas sexuais são visualmente excitantes, lirismo libidinoso, tesão na atmosfera visual: corpos tremem, suor, gemidos e ângulos puramente surreais.

O sexo fomentado por Almodóvar é sensível, agressivo e até lúdico - o misto que conceitua o seu estilo febril. Como se livrar da dor da carne que pulsa desejo? Há uma imposição feminista no filme, como sempre as mulheres são referências do diretor - são usadas como porta-vozes de insatisfação sentimental/sexual e dotadas de muita personalidade. Os diálogos humanos rasgam a hipocrisia social, denuncia a sexualidade da personalidade e os sentimentos são expostos. Há um tom paranóico dos personagens, muito bem justificado pela vitalidade de ciúme que permeia a atmosfera do filme. Um trabalho primoroso, onde a narrativa não se apieda de expor a verdade em proporcionar adversidades do destino e reviravoltas alarmantes.

Carne Tremula (Espanha, 1997)
Direção de Pedro Almodóvar
Roteiro de Pedro Almodóvar, Jorge Guerricaechevarría e Ray Loriga
Com Javier Bardem, Liberto Rabal, Francesa Neri, José Sancho, Ângela Molina, Mariola Fuentes, Penélope Cruz

Entre Irmãos

Experimente conhecer Quentin e Antoine: irmãos gêmeos de 18 anos, decidem sair da França até a Espanha para o funeral da mãe que sequer conheciam - sem que o pai saiba, ambos fogem rumo ao desconhecido. A viagem exerce neles o próprio despertar, uma espécie de auto-conhecimento. Eis a proposta do filme independente Dê me sua mão, do diretor Pascal-Alex Vincent. Os gêmeos são intensamente íntimos, dormem juntos na mesma cama, dividem o mesmo banho e são expressivamente carinhosos um com o outro. A ternura beira ao próprio prazer. O elo é tão forte que ambos se assemelham a um casal amoroso. O incesto é algo totalmente sutil, eles sequer têm o conhecimento do fascínio de um para o outro. A relação febril de amor entre os dois é também marcada pelo ódio: há momentos que ambos vivenciam um carinho, outros são de desentendimentos constantes - nota-se que, geralmente, toda relação de irmãos tende a ser condicionada dessa forma. O amor e o ódio conceituam essa relação de apego, a dependência e a intimidade preservados entre os irmãos. O mais saboroso: o diretor trouxe à tela um pouco da realidade dos dois jovens que interpretam eles mesmos. O cineasta conhecia os irmãos Alexandre e Victor Carril por residirem no mesmo bairro e pelas brigas constantes (que, pro sinal, foi responsável por uma cicatriz no rosto de Alexandre Carril, que vive Antoine) e se interessou pela história ao notar o elo incondicional entre eles.

O diretor ouviu fatos, histórias de ambos e o filme resulta nessa escolha dele em filmar uma história transparente, baseada na vida real com personagens verdadeiros na tela. O roteiro é muito bem objetivo: os irmãos vivenciam as próprias descobertas sexuais, psicológicas e tudo é marcado emocionalmente por muitos questionamentos: a experiência da viagem acaba por funcionar como o renascer da própria maturidade. Quentin é mais sensível, introspectivo, brando - Antoine é mais enérgico, impaciente e altivo. Na trajetória, os irmãos confrontam-se com a dificuldade de grana, a confusão de suas emoções e as diferenças de interesses evidenciadas. Transam casualmente com mulheres que conhecem na estrada, em bares ou mesmo nas cidades que transitam, entre trens e comboios. O sexo impulsiona os dois, plenamente. Muito sexo oral e masturbação também. Mas eis que Quentin, inesperadamente, passa a ter desejos ardentes de luxúria por um rapaz que conhece numa fazenda - com quem divide um trabalho temporário - e Antoine surpreende o irmão no ato sexual.

A relação dos dois gêmeos transforma-se em caos. Como lidar com fortes revelações? E o destino? Como ambos terão que lidar com a cumplicidade daqui pra frente? Mudanças ocorrem em ambos e o elo parece se dissipar. O filme é um belo exercício de poesia: o roteiro tem diálogos crus, interpretações passionais e a fotografia é repleta de iluminação natural, realçada pela beleza das locações - além de uma trilha sonora rústica, emblemática. Há enquadramentos perfeitos, cenas de interpretações sensoriais dos dois atores. Por fim, o road-movie masculino introspectivo tende a ser um rito de aprendizagem, o encontro de dois seres em auto-descobrimento da sexualidade e da existência.

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